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Médicos Veterinários

Miguel Lourenço, presidente do CJMV: “O futuro da medicina veterinária em Portugal está em risco”

Miguel Lourenço, presidente do CJMV: “O futuro da medicina veterinária em Portugal está em risco” Fotografia: Filipe Santos

O presidente do Conselho de Jovens Médicos Veterinários (CJMV) apresentou no XV Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) os resultados preliminares de um inquérito realizado aos profissionais mais novos da classe. As respostas apresentam jovens descontentes com os salários e com a valorização do trabalho, ao ponto de cerca de 59% ponderar abandonar a carreira a longo prazo.

“O futuro da medicina veterinária em Portugal está em risco e é importante considerar os jovens médicos veterinários no seu planeamento”, foi com este alerta que Miguel Lourenço encerrou a intervenção no XV Congresso da OMV, que decorreu na Fundação Engenheiro António de Almeida, no Porto, nos dias 3 e 4 de outubro.

 

O presidente do CJMV teve a seu cargo a conferência sobre o tema “Áreas Emergentes da Medicina Veterinária – Perspetiva dos Jovens Médicos Veterinários”, que aconteceu no segundo dia do encontro, durante a qual apresentou os primeiros dados trabalhados que resultam de uma auscultação aos profissionais mais jovens, abaixo dos 35 anos, inscritos no órgão regulador da profissão. Durante o verão de 2025, esteve disponível na página oficial da OMV um inquérito que, nas palavras do responsável, “teve uma adesão bastante positiva”. Do total de 2773 profissionais inscritos na OMV com idade inferior ou igual a 35 anos, foram validadas um total 439 respostas, um resultado considerado “estatisticamente significativo”.

E as respostas dos jovens médicos veterinários denotam algum desencanto com a profissão escolhida, ou pelo menos, com as condições na qual a exercem depois de terem passado pelo longo período de formação do curso de medicina veterinária. Segundo revelou o representante dos mais jovens, “quando perguntámos quão satisfeitas estão estas pessoas – que passaram, pelo menos, seis anos da sua vida a estudar para terem a profissão que muitos deles sonhavam desde que eram crianças – cerca de 31% destes jovens médicos veterinários disse sentir-se insatisfeito com esta escolha”. E quando questionados sobre as perspetivas de futuro da profissão médico-veterinária “cerca de 59% admitiu considerar abandonar a profissão a longo prazo”, acrescentou Miguel Lourenço.

 

Na opinião do presidente do CJMV, para além da questão, por todos reconhecida como problemática, do aumento da emigração dos profissionais de saúde animal, fica claro com estes dados que o mercado não está apenas em perigo de perder jovens médicos veterinários para o estrangeiro, mas também está em causa “o abandono evidente que existe da nossa profissão e que continuará a existir caso as nossas considerações não sejam tidas em conta e não sejam criadas melhores condições de trabalho para os jovens médicos veterinários”.

Está em causa “o abandono evidente que existe da nossa profissão e que continuará a existir caso as nossas considerações não sejam tidas em conta e que não sejam criadas melhores condições de trabalho para os jovens médicos veterinários” – Miguel Lourenço, presidente do CJMV

 

Jovens trabalham nas cidades, com animais de companhia, ganham pouco e pensam emigrar

Analisando mais detalhadamente as respostas recebidas, apesar de terem recebido participações muito heterogéneas, estas acabaram por refletir “a distribuição normal da atuação médica veterinária”, sublinhou o representante dos profissionais mais jovens. Ou seja, os médicos veterinários com menos de 35 anos exercem a profissão maioritariamente nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto  “e a esmagadora maioria dos jovens médicos veterinário exerce clínica de animais de companhia, quer em contexto de clínica ou consultório, quer em contexto de hospital”, reconheceu Miguel Lourenço, sublinhando ainda que que existe uma percentagem importante que exerce clínica de animais de produção, sendo esta uma “área que está em expansão dentro desta faixa etária”.

 

No polo oposto das escolhas profissionais está a inspeção sanitária e segurança alimentar que representa uma percentagem reduzida nas escolhas dos mais jovens, sobretudo quando é comparado com o número de médicos veterinários com mais idade que no passado escolhiam esta vertente profissional.

O que foi reconhecido de forma transversal pelos jovens médicos veterinários de todas as áreas de atuação é que consideram não existir margem de progressão na profissão, pois 56% respondeu negativamente à pergunta “Considera que tem oportunidade de progressão de carreira?”.

“Por outro lado, quando perguntamos, concretamente, se estes jovens médicos veterinários sentem que existe uma boa oferta de especialização em Portugal também, sem surpresas, quase 80% considera que essa oferta de especialização em Portugal não existe. Portanto, se não existe ainda em Portugal, há de existir noutras partes do mundo”, reconheceu o médico veterinário, daí que tenha levantado a hipótese de que “a especialização médica veterinária pode, efetivamente, ser parte da solução” para melhorar a atratividade da carreira de medicina veterinária no País.

Aliás, a pouca atratividade da profissão a nível nacional é notória nas respostas recolhidas, já que, quando questionados os jovens médicos veterinários sobre a possibilidade de emigrar, “39% dos jovens médicos veterinários demonstra ter intenção de emigrar”, destacou Miguel Lourenço. Sobre os motivos por trás dessa vontade, a esmagadora maioria identificou a procura de melhores condições salariais e a melhoria da qualidade de vida. Na base estará, porventura, outro dado recolhido pelo inquérito: cerca de 40% dos jovens médicos veterinários recebem menos de 1250 € brutos mensais e cerca de 76% recebem menos de 1500 € brutos por mês. E o representante da classe deixou o alerta: “Atenção, que não são apenas jovens médicos veterinários a início de carreira. São profissionais até aos 35 anos de idade inclusive”.

A especialização médico-veterinária será a solução?

Entre a escolha múltipla dos motivos pelos quais equacionam emigrar “cerca de 60% dos jovens médicos veterinários consideraria emigrar em busca de oportunidades de desenvolvimento profissional”, avançou Miguel Lourenço, reconhecendo que, com estas respostas, salta à vista a necessidade deste grupo de profissionais ter em Portugal oportunidades para aumentar e diferenciar o conhecimento técnico na profissão.

Quando questionados sobre o que falta na vida profissional para que se sintam mais realizados com a vida de médico veterinário, à cabeça os jovens identificaram a necessidade de melhores condições de trabalho (40% das respostas), onde incluíram o aumento de salário e o pagamento de horas extra, feriados e noites. A par, com cerca de 25% de respostas casa, encontra-se o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal – com estabilidade de horários e menos carga horária – e o reconhecimento profissional, com os inquiridos a identificarem a necessidade de se sentirem respeitados por parte dos pares, das chefias, dos clientes e da sociedade. Cerca de 15 % das respostas apontaram para o facto de os profissionais desejarem uma melhor distribuição de tarefas e o aumento do número de elementos das equipas e 14% dos jovens responderam que desejam ter mais formação e progressão na carreira, em especial com formação contínua e especialização. Na perspetiva de Miguel Lourenço, com as respostas recolhidas fica entendido que  “os inquiridos mencionam especificamente a especialização médico veterinário como um aspeto em falta”.

Todavia, tentando escalpelizar que papel teria a OMV nessa formação dos profissionais e que áreas são as mais prementes acautelar, os inquiridos não referiram áreas de atuação clínica, mas apontaram em primeiro lugar as chamadas soft skills. O presidente do CJMV avançou que “23% referiu que a principal falha que sente [na formação académica] é a comunicação com tutores e clientes”, um dado que também deveria ser tido em consideração pelas instituições de ensino superior que ministram os cursos de medicina veterinária.

Sobre as áreas de atuação clínica sobre as quais gostariam de receber mais formação “a esmagadora maioria referiu as especialidades clínicas de medicina de animais de companhia, sendo que, dentro delas, temos a Cirurgia a ocupar uma grande percentagem das áreas de interesse e a medicina de Cuidados Intensivos e de Emergência, que é uma área também em expansão na nossa faixa etária”, reconheceu o dirigente. A Anestesia e o controlo de dor também tiveram uma percentagem muito alta de interessados, assim como a Medicina Felina e a Cardiologia. Na lista dos interesses formativos dos jovens médicos veterinários seguem-se os animais exóticos, selvagens e a medicina da conservação, que Miguel Lourenço classificou como uma “realidade cada vez mais proeminente na prática clínica” em virtude do crescimento do interesse das famílias portuguesas por espécies consideradas menos comuns em lares nacionais.

Os profissionais mais jovens também gostariam de ter mais formação sobre medicina de animais de produção e de equinos, sendo que uma boa parte dos inquiridos identificou a suinicultura como uma das áreas com mais carências formativas nos programas de ensino.

Uma das áreas identificadas como mais problemáticas – para a classe médico-veterinária, mas, sobretudo, para o bem-estar da comunidade – foi a saúde pública e a segurança alimentar. É, claramente, um caminho profissional pouco apelativo para quem quer fazer vida da medicina veterinária o que, na opinião do presidente do CJMV, “pode prender-se com o processo moroso [de contratação pública] e a falta de oportunidades na área que existe em Portugal”. O cenário descrito “pode, eventualmente, desincentivar estes jovens profissionais de saúde a entrar nesta área”, reconheceu Miguel Lourenço, o que a prazo terá um impacto em matéria de segurança alimentar da sociedade.

A terminar, o presidente do CJMV, disse crer que, das respostas obtidas com o inquérito, é possível concluir que “o investimento na especialização adaptada às necessidades e interesses «destes jovens médicos veterinários pode ser uma ferramenta importante na retenção de talento e no futuro da nossa profissão”.

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