Os tumores de células redondas (TCR) representam um grupo heterogéneo de neoplasias cutâneas ou subcutâneas, que se podem estender a outros órgãos e que são frequentemente diagnosticadas na clínica de pequenos animais.
Embora os TCR mais comuns como o mastocitoma (MCT), o linfoma (LF), o histiocitoma (HT) e o plasmocitoma (PL) partilhem a origem hematopoiética, o melanoma amelanótico (MA) e o tumor venéreo transmissível (TVT) podem, também, devido à sua morfologia celular, ser incluídos no diagnóstico diferencial deste tipo de neoplasias.
Quanto ao TVT, não abordaremos o seu diagnóstico neste artigo.
Nos casos em que os TCR apresentam boa diferenciação com expressão das características citológicas distintivas de cada linha celular pode tornar-se fácil a sua distinção e consequente diagnóstico.
O problema surge quando estes tumores, devido à sua agressividade biológica, são pouco diferenciados e as células perdem as particularidades que as caracterizam. Neste caso, para os diferenciar, a abordagem diagnóstica deve envolver o uso de técnicas auxiliares nomeadamente a imunohistoquímica e/ou imunohistoquímica.
Citologia
A citologia é, frequentemente, o primeiro exame utilizado para a avaliação dos tumores de células redondas devido à sua rapidez, fácil obtenção, custo acessível e procedimento minimamente invasivo. A obtenção do material pode ocorrer por punção, aspirativa ou não aspirativa, com agulha fina (PAAF) ou impressão/aposição de tecidos numa lâmina de vidro.
A citologia, embora permita uma triagem inicial e, em alguns casos, um diagnóstico presuntivo, nem sempre fornece informações definitivas sobre o grau e comportamento biológico da neoplasia.
As características citológicas mais comuns dos TCR incluem:
– As células presentam-se isoladas ou em pequenos agregados;
– Citoplasma moderado a abundante;
– Núcleo arredondado a ovalado, com cromatina variável;
– Presença de nucléolos evidentes em tumores mais agressivos;
– Características específicas de cada tumor:
- granulações metacromáticas nos mastocitomas;
- vacuolização citoplasmática nos TVT;
- anisocariose e pleomorfismo nos linfomas.
Histopatologia
A histopatologia é essencial para a classificação definitiva dos tumores de células redondas. A análise histológica permite uma avaliação mais detalhada da arquitetura tumoral, índice mitótico e invasão tecidular. Para isso, as amostras são obtidas por biópsia incisional ou excisional. A coloração de rotina revela detalhes importantes, como:
– Padrão de crescimento e infiltração no tecido adjacente;
– Presença de necrose e inflamação associada;
– Taxa de proliferação e atipias celulares;
– Formação de padrões característicos, como infiltração em camadas nos linfomas e organização nodular nos plasmocitomas.
O contexto clínico é extremamente importante para nos ajudar a escrutinar qual o provável TCR presente, assim, a localização da lesão, padrão de crescimento, lesão única ou múltipla, presença de sinais locais e sistémicos associados podem ajudar no algoritmo de diagnóstico.
Imunocitoquímica e imunohistoquímica
A imunocitoquímica (ICQ) e a imunohistoquímica (IHQ) são ferramentas fundamentais para confirmar o diagnóstico e determinar a origem celular dos tumores de células redondas, especialmente nos casos em que a morfologia citológica e histológica não são conclusivas. A escolha dos marcadores de diferenciação depende do tipo de tumor suspeito e da disponibilidade do laboratório.
Além disso, podem existir marcadores disponíveis para a imunohistoquímica, que não funcionam quando a amostra é a citologia.
O princípio da ICQ/IHQ é que as células têm marcadores específicos (normalmente péptidos) de linhagem celular (designados em inglês de Clusters of Differentiation (CD)). Os CD podem encontrar-se na membrana, no citoplasma ou no núcleo da célula.
Anticorpos específicos associados a um agente cromóforo (que dá cor) são aplicados sobre os tecidos com o objetivo de se ligarem ao antigénio (CD) a pesquisar.
Por vezes, é necessário combinar mais do que um anticorpo para obter o diagnóstico definitivo.
Na tabela abaixo podemos encontrar os marcadores utilizados com mais frequência no diagnóstico dos TCR.
Importa realçar que quando um TCR é negativo ou tem pouca expressão de um marcador de diferenciação não quer dizer que a sua linhagem fique excluída.
Resultados negativos podem ser verdadeiramente negativos, excluindo a linhagem suspeita, ou então, a indiferenciação celular associada à agressividade do tumor pode levar à perda de marcadores de linhagem. Ainda, alguns artefactos podem levar a um resultado falso negativo ou falso positivo não expectável (marcação aberrante), tais como:
- má preservação dos tecidos / células;
- congelação (no caso de necrópsias);
- peça autolisada ou com muita necrose;
- qualidade do formol (deve ser tamponado e de qualidade médica);
- as citologias devem ser conservadas e enviadas longe dos tecidos em formol;
- lise celular por pressão forte durante a execução do esfregaço.
É muito importante realçar que a agressividade tumoral faz com que as células possam ganhar ou perder CD’s e, como tal, possamos ter um linfoma B com expressão aberrante de CD5 (que é um marcador T), ou um Linfoma T com expressão de MUM-1 (que é um marcador de plasmocitoma).
Como se pode então escolher os marcadores de diferenciação numa primeira abordagem?
Quando nos deparamos com um diagnóstico de um tumor de células redondas num cão, de forma a podermos ser ao mesmo tempo o mais rápido possível, assim como, eficientes no diagnóstico eis os três marcadores que poderemos escolher e a razão do seu uso:
- CD117 (c-KIT)
– Específico para mastocitomas
– Razão: O CD117 é altamente específico para mastócitos neoplásicos. Uma marcação positiva confirma MCT, mesmo em casos pouco diferenciados ou de alto grau.
- CD3
– Específico para linfomas de células T.
– Razão: O CD3 é um marcador de linhagem de células T. Uma marcação positiva distingue linfoma T de outros tumores de células redondas. Se negativo, considero tratar-se de linfoma de células B ou tumores não linfoides (ex.: plasmocitoma, origem histiocítica).
- CD79a
– Específico para Linfoma de células B e Plasmocitomas.
– Razão:
– Linfoma de células B: O CD79a é expresso na maioria dos linfomas B.
– Plasmocitoma: Os plasmócitos também podem expressar CD79a.
Porquê estes três?
- O CD117 confirma/exclui MCT, um dos tumores de células redondas mais comuns.
- O CD3 e CD79a diferenciam subtipos de linfoma (T vs. B) e sugerem tumores de plasmócitos se o CD79a for positivo sem morfologia linfoide.
- Se todos forem negativos, considerar: – Tumores histiocíticos e adicionar CD18 ou Iba1).- Melanoma (adicionar Melan-A/SOX10).
Esta combinação de três marcadores permite um diagnóstico eficiente das causas mais comuns, orientando testes adicionais, se necessário. Para casos ambíguos, pode ampliar-se o painel ou recorrer ao teste de clonalidade através da técnica de PCR para rearranjo dos recetores de antigénio (PARR).
Conclusão
A abordagem diagnóstica dos tumores de células redondas em cães deve ser multidimensional, combinando citologia para triagem inicial, histopatologia para classificação definitiva e técnicas imunocitoquímicas/histoquímicas para uma identificação precisa do tipo tumoral. O uso conjunto destas metodologias otimiza a precisão diagnóstica e contribui para um maneio terapêutico mais eficaz, impactando diretamente no prognóstico dos pacientes caninos.
Nota do autor:
Este artigo não pretende ser uma revisão exaustiva sobre o tema do texto. É simplesmente a opinião do autor e a descrição da sua abordagem aos TCR pouco diferenciados, que poderá ajudar os clínicos na sua prática clínica diária.
*Médico veterinário – oncovet@gmail.com
**Artigo de opinião publicado na edição 193, de maio, da VETERINÁRIA ATUAL