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Animais Selvagens

Trabalhar com animais selvagens e silvestres? Sim, é possível

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Catarina Botelho Monteiro e Marina Drago Marchesi estão a terminar o mestrado na área de animais selvagens e aconselham todos os que gostariam de seguir este caminho a não desistir. Terão de desbravar caminho, mas o potencial existe. E há uma ONG, com representação em Portugal, que ajuda a encontrar oportunidades.

A European Wildlife Disease Association (EWDA) é uma das secções regionais da Wildlife Disease Association (WDA), uma ONG internacional que começou a sua atividade em 1951. Fundada por 28 cientistas dos EUA e do Canadá, interessados no estudo das doenças de vida selvagem, é lançada como Wildlife Disease Committee e consolidada como WDA um ano mais tarde. A EWDA surge apenas em 1993 com o principal objetivo de organizar reuniões científicas bianuais com destaque para a experiência e a qualidade de investigação europeia na vigilância de doenças e de saúde de vida selvagem.

 

Atualmente, a WDA é uma organização científica de profissionais de diversos campos relacionados com a vida selvagem (médicos veterinários, epidemiologistas, biólogos, ecólogos e profissionais de outros setores). Promove assim uma abordagem multidisciplinar e colaborativa para a investigação, gestão, formação e comunicação da saúde de vida selvagem.

Catarina Botelho Monteiro foi até há bem pouco tempo country representative da EDWA e é atualmente a presidente do EWDA Student Chapter, [criado em 2005], cargo para o qual foi escolhida em julho deste ano. Esta é uma secção regional que conta com um núcleo de estudantes próprio que, de forma voluntária, e com objetivos em comum, organizam iniciativas e eventos direcionados aos estudantes interessados nestes temas. “Na EDWA tentamos fazer parcerias um pouco por todo o país. Tenho feito o esforço para diversificar e abranger várias regiões, mas também para sair um pouco da medicina veterinária e integrar outras especialidades, por exemplo, biólogos e epidemiologistas.” Considera um passo em frente, este de promover a interdisciplinaridade e a colaboração entre várias profissões.

 

Além da conferência internacional e de um workshop, que acontecem de forma intercalada a cada dois anos, a nível internacional, realizam-se em Portugal, ciclos de webinars com diversos temas. Até agosto deste ano, foram organizados 16 eventos, sendo a maioria em formato gratuito. Algumas destas atividades acontecem em colaboração com outras associações ou organizações de estudantes nacionais. O ciclo de webinars mais recente tem-se focado nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.” Num deles, em meados de agosto, a convidada foi Marina Drago Marchesi, que partilhou com os participantes algumas conclusões da tese de mestrado que irá entregar em outubro e também o trabalho que desenvolve nos projetos Costa e Okeanos, da Universidade dos Açores.

“As portas foram-se abrindo e foi na Universidade dos Açores que percebi que iria ter mais oportunidades” – Marina Drago Marchesi

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“Os Açores são um laboratório em céu aberto”

Marina Drago Marchesi é brasileira, formou-se em medicina veterinária no Brasil, onde fez um mestrado em Ciência Animal. Foi estudar inglês para a Austrália e atualmente está na ilha do Faial a trabalhar. A também investigadora do projeto Costa, cujo objetivo é assegurar a conservação das tartarugas marinhas nos Açores, e do Okeanos – o instituto de acolhimento da universidade para fazer esta pesquisa – sempre desejou trabalhar com animais selvagens. “Toda a minha formação foi virada para esta área, desde o primeiro período, mas a ideia que tenho é que as universidades portuguesas e brasileiras estão mais direcionadas para pequenos e grandes animais e não tanto para animais silvestres.” Optou por contrariar a maioria e realizar estágios no Brasil, e participar em congressos, grupos de estudo de animais selvagens e outras iniciativas extracurriculares. Sempre com o foco de aprender mais.

 

Foi em Portugal que encontrou a oportunidade de validar o seu diploma na Universidade de Lisboa e a um preço mais acessível. “As portas foram-se abrindo e foi na Universidade dos Açores que percebi que iria ter mais oportunidades. O interesse de trazer a multidisciplinaridade e o estudo de animais marinhos para cá é uma questão pessoal.” Considera que o nosso país tem muito a desenvolver nesta área. “Os Açores são um laboratório em céu aberto. É impressionante.” Foi sobre o trabalho na ilha que falou com os participantes do webinar promovido pela EWDA. Quando terminar o mestrado, vai ingressar no doutoramento. “Acho que é importante divulgar que este é um mercado possível. Por mais que não esteja ativamente desenvolvido nos cursos de medicina veterinária, hoje já temos disciplinas de clínica de animais silvestres, no Brasil. Na época em que estudei, não existiam. E tem sido uma área que tem crescido. Acredito que esse potencial existe também em Portugal.”

Catarina Botelho Monteiro acrescenta que, no seu curso, já existia uma cadeira opcional em fauna silvestre com a direção de apenas uma semana e meia, mas “é um primeiro contacto”. E também “outra opcional orientada para a clínica de animais exóticos”. A par da formação, algumas faculdades têm hoje iniciativas estudantis ligadas a algumas universidades. “Ter uma carreira em fauna selvagem é difícil, mas não é impossível. Também já temos mais alunos a escolher esta área. E se antes não era tão frequente, julgo que se deve ao facto de recusarem a opção à partida por acharem que não iriam conseguir.” A estudante lamenta a quase inexistência de financiamento para a saúde animal nesta área e os limitados recursos.

“Ter uma carreira em fauna selvagem é difícil, mas não é impossível. Também já temos mais alunos a escolher esta área”Catarina Botelho Monteiro

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Marina Drago Marchesi sublinha que esta é uma área muito ampla com muitas saídas profissionais. “Um veterinário de animais selvagens pode trabalhar num aquário, num zoológico, em pesquisa, com reabilitação, com animais marinhos, animais silvestres, animais exóticos, clínica de pets exóticos, e outras opções. E mesmo quando a oportunidade não está logo ali há que procurar criá-la.”

Desafios da biodiversidade

O plástico e a pesca sempre foram os principais desafios que Marina Drago Marchesi enfrentou no que respeita à conservação das espécies. “Hoje em dia, fala-se também muito mais em aquecimento global. Estes problemas não são de agora, mas têm aumentado.” E dá um exemplo concreto relativamente às tartarugas marinhas e as consequências das alterações climáticas. “A temperatura da areia em que os ovos são enterrados determina o sexo do indivíduo. Na temperatura mais quente nascem mais fêmeas e na mais fria nascem mais machos. E têm nascido muito mais fêmeas, o que é um sinal de que o clima já está a afetar a população. Há que fazer alguma coisa com essa informação.” Com esses dados, o passo seguinte será tentar entender como se pode encontrar um maior equilíbrio no nascimento dessas espécies.

O impacto das alterações climáticas existe, é um facto. Mas Catarina Botelho Monteiro afirma que já se consegue “dimensionar melhor” e sublinha que “para tentar controlar ou reduzir estas consequências vamos ter de ser muito mais intervencionistas. E isso pode ficar muito mais caro do que apostar na prevenção”. O que falta? Na sua opinião, “falta sobretudo vontade política”. E acrescenta: “Estes institutos de investigação são cruciais na recolha desta informação e na capacidade de percebermos qual a dimensão de determinado problema.”

*Leia a reportagem completa na edição de setembro da Veterinária Atual

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