É uma especialidade que evolui rapidamente o que possibilita mudanças ao nível do diagnóstico, do tratamento e da monitorização. Os desafios são alguns, desde a gestão de expetativas dos tutores à comunicação mais fluída entre estes e os médicos veterinários. Existem algumas barreiras económicas e outras, mas a visão é otimista. E as guidelines internacionais que vão sendo publicadas em dermatologia contribuem para uma abordagem clínica com maior uniformidade e rigor.
Os desafios ligados à dermatologia veterinária são hoje mais associados aos tutores do que aos pacientes ou às suas doenças. Os problemas não são novos. Os tratamentos dermatológicos prolongam-se no tempo, o que exige muita paciência e determinação por parte dos tutores. Diana Ferreira, dermatologista veterinária do Hospital Veterinário do Porto, Onevet Group, explica que “muitas dermatopatias são crónicas, recorrentes e exigem um plano terapêutico estruturado e de longo prazo. Do ponto de vista prático, a gestão de recursos é frequentemente um entrave. Nem todos os tutores conseguem suportar os custos de exames, tratamentos prolongados ou medicamentos mais recentes”. Isto obriga aos profissionais a recorrente adaptação do normal protocolo terapêutico para fazer face a um orçamento limitado.
No que respeita à comunicação com o tutor a exigência centra-se no facto de “as doenças de pele exigirem um acompanhamento contínuo, cumprimento rigoroso de tratamentos [tópicos ou sistémicos] e reavaliações regulares”. É essencial que se consiga explicar o caráter crónico e, por vezes incurável, da condição. “Uma comunicação clara, empática e pedagógica é crucial para garantir a adesão ao plano terapêutico e evitar frustração por parte dos tutores.” A opinião é partilhada por Daniela Matias, médica veterinária. maioritariamente dedicada à dermatologia e à imunoalergologia, investigadora em imunoalergologia veterinária e secretária do Grupo de Interesse Especial em Dermatologia (GIDIA), da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC). “As questões económicas continuam a ser um obstáculo significativo, uma vez que muitas dermatopatias são crónicas e exigem abordagens terapêuticas prolongadas, por vezes, dispendiosas.” Além disso, adianta, “a logística dos tratamentos, sobretudo tópicos, pode exigir uma disponibilidade de tempo e uma rotina que nem todos os tutores conseguem manter”. Esta limitação pode comprometer “seriamente a eficácia dos protocolos terapêuticos e exige grande capacidade de adaptação da parte dos médicos veterinários”.
A gestão de expetativas é outra questão a ter em consideração. “Muitos tutores esperam soluções rápidas e definitivas, o que nem sempre é possível numa área onde o controlo, mais do que a cura, é muitas vezes o objetivo realista.” Por isso, é essencial manter o tutor informado e comprometido desde o diagnóstico à adaptação do tratamento. “A comunicação clara, empática e continuada é uma das competências-chave do médico veterinário na gestão das doenças dermatológicas.”
Uma das maiores exigências da classe veterinária na área de dermatologia, na opinião de Ana Mafalda Lourenço, docente do Departamento de Clínica da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-ULisboa), responsável pelo Serviço de Dermatologia do Hospital Escolar Veterinário e correspondente unidade de investigação, “está na falta de especificidade dos sinais clínicos — como o prurido, o eritema, as alopecias ou as otites recorrentes — o que obriga frequentemente a um diagnóstico por exclusão, exigente e prolongado”. Além do acompanhamento continuado e ajustado a cada caso, uma vez que as doenças dermatológicas são crónicas ou recorrentes, a médica veterinária destaca os seguintes desafios: “Apesar do crescente interesse em formação, a exigência do dia a dia clínico nem sempre permite aos colegas dedicarem o tempo necessário ao aprofundamento dos conhecimentos em dermatologia”.
“As questões económicas continuam a ser um obstáculo significativo, uma vez que muitas dermatopatias são crónicas e exigem abordagens terapêuticas prolongadas, por vezes, dispendiosas” – Daniela Matias
A par com toda a evolução do setor e da própria sociedade, Diana Ferreira acrescenta como preocupante “o crescente problema da resistência antimicrobiana que exige uma maior consciência com o uso de antibióticos, a valorização de alternativas como antissépticos tópicos e a possível escolha de terapêuticas mais alternativas e inovadoras”.
A evolução significativa da dermatologia veterinária nos últimos anos tem acontecido “tanto ao nível dos protocolos como das opções terapêuticas disponíveis”, defende Daniela Matias. E sublinha: “Têm-se construído guidelines internacionais para o diagnóstico, tratamento e controlo de doenças parasitárias, infeciosas e alérgicas, contribuindo para uma maior uniformidade e rigor na abordagem clínica, com inegáveis vantagens clínicas, que se repercutem no bem-estar e na biossegurança”.
As doenças de pele continuam a gerar uma elevada casuística em clínica de animais de companhia. “Paralelamente, a crescente proximidade entre tutores e os seus animais, intensifica a atenção a sinais dermatológicos, mesmo que subtis. Tudo isto aumenta a procura de soluções eficazes e seguras, o que tem impulsionado o desenvolvimento científico e o investimento da indústria farmacêutica em novas moléculas antiparasitárias, imunomoduladoras e antipruriginosas”, acrescenta a médica veterinária. Só assim tem sido possível oferecer uma abordagem cada vez mais individualizada e integrada, onde a terapêutica não visa apenas controlar sintomas, mas melhorar a qualidade de vida dos animais e das famílias.
Fase de dinamismo impulsiona novidades terapêuticas… e não só
A abordagem diagnóstica e terapêutica “tem sido acompanhada por um esforço considerável no domínio da formação profissional”, defende Luís Martins, médico veterinário, professor da Universidade de Évora, clínico e investigador em imunoalergologia e, ainda, presidente do GIDIA. E se há apenas alguns anos, as afeções da pele eram abordadas no âmbito da medicina interna e, ainda um pouco mais atrás, num contexto generalista, o panorama é diferente hoje. “A dermatologia evoluiu nos seus diferentes aspetos, tornando-se uma especialização, permitindo acompanhar o acréscimo de prevalência de dermatopatias, especialmente em animais de companhia.” Hoje em dia, instituições como o European College of Veterinary Dermatology (ECVD) ou o American College of Veterinary Dermatology (ACVD) permitem certificar a formação avançada no domínio da dermatologia veterinária, conferindo o título de diplomado.
Daniela Matias explica ainda que, na abordagem diagnóstica, “é atualmente mais comum o recurso a meios complementares de diagnóstico, tais como biópsias, testes alergológicos (intradérmicos e sorológicos), microbiológicos e oncológicos, direcionados a manifestações cutâneas, incluindo o recurso a biologia molecular, e isso proporciona melhor diagnóstico, promovendo abordagens terapêuticas mais eficientes e seguras”. Outras áreas de especialização veterinária também têm evoluído, o que possibilita uma estreita ligação entre todas elas, com a clara vantagem diagnóstica e terapêutica. “Neste âmbito, é fácil compreender a relação entre áreas como a dermatologia, a nutrição, a endocrinologia, a oncologia ou a imunoalergologia”, diz Luís Martins.
O crescimento da dermatologia “tem sido notável”, afiança Ana Mafalda Lourenço, que escolhe outros avanços ainda não destacados pelos colegas: o conhecimento científico e a visibilidade dentro da profissão. “É hoje uma área de grande interesse, com um número crescente de colegas a procurar formação específica e especialização.” Principalmente neste último ano, a docente sente que “estamos verdadeiramente numa fase charneira, com avanços muito significativos que anunciam, num futuro próximo, um impacto real e positivo para os nossos pacientes caninos e felinos”. É com otimismo que olha para os próximos anos, muito devido ao dinamismo atual da área.
“Foi desenvolvido um novo fármaco (ilunocitinib) para tratamento da dermatite atópica canina que representa uma alternativa às atuais opções terapêuticas, dando-nos potencial possibilidade de sucesso em casos mais refratários aos tratamentos atualmente disponíveis” – Diana Ferreira
Um dos desafios referidos por Diana Ferreira e destacados um pouco atrás prende-se com a resistência bacteriana. Ora, também é a este nível que a dermatologista veterinária encontra uma boa evolução, que se prende com “a crescente preocupação” com este problema, o que impulsionou “o desenvolvimento e a adoção de estratégias alternativas, como o uso racional de antibióticos, a valorização de antissépticos tópicos e o recurso a opções terapêuticas não antibióticas (bacteriófagos)”.
A médica veterinária assinala os avanços significativos dos últimos anos, tanto no diagnóstico, como no tratamento, no âmbito da imunoalergologia. “Foi desenvolvido um novo fármaco (ilunocitinib) para tratamento da dermatite atópica canina que representa uma alternativa às atuais opções terapêuticas, dando-nos potencial possibilidade de sucesso terapêutico em casos mais refratários aos tratamentos atualmente disponíveis.” E também a tecnologia envolvida “na realização de imunoterapia alergénio-específica atualmente evoluiu muito, o que permite uma potencial melhorada eficácia desta opção terapêutica”. A investigação atual sobre uma nova via de administração de imunoterapia epicutânea, desenvolvida por Ana Mafalda Lourenço e a sua equipa é destacada por Diana Ferreira como “muito promissora”.
A Dermatology and Allergy Research Unit, integrada no Centro de Investigação Interdisciplinar em Sanidade Animal da FMV-ULisboa, tem procurado desenvolver produtos com aplicação prática, refere a docente. “É muito gratificante beneficiar dessas inovações e, de certa forma, também contribuir para elas, à nossa escala, através de uma investigação aplicada com potencial de transferência de conhecimento para o mercado.” A docente antecipa que, em breve, a equipa terá uma patente internacional e há outras em fase de desenvolvimento. “O caminho da inovação terapêutica em dermatologia veterinária é, sem dúvida, cada vez mais promissor”, garante, sublinhando que “nunca foi tão justo falar de inovação terapêutica como agora”. Isso deve-se a vários fatores. “Assistimos aos esforços significativos das grandes empresas do setor — e até de outras mais recentes — na qualidade e exigência da investigação que desenvolvem, nos recursos que mobilizam e no tempo que dedicam a fazer essa inovação avançar, muitas vezes ao longo de anos, até se traduzir em soluções disponíveis no mercado.”
A evolução dos tratamentos tem sido mais marcada nas doenças com maior prevalência como as alergias. “Hoje conseguimos personalizar a abordagem terapêutica de forma mais precisa — desde imunoterapias ajustadas aos alergénios específicos de cada animal, até fármacos que atuam em mecanismos muito bem definidos”, explica Ana Mafalda Lourenço. Os biológicos, nomeadamente os anticorpos monoclonais recombinantes, são um bom exemplo, sublinha. E explica: “Têm alvos muito específicos, o que se traduz em boa eficácia e menos efeitos secundários. Para já existe apenas uma opção disponível, na prática, mas tudo indica que será um campo em crescimento, que virá complementar o que já temos — e, espera-se, também com soluções eficazes para os gatos.”
Atualmente é possível direcionar as terapêuticas de forma mais correta e precisa, salienta Diana Ferreira, graças “a uma melhor compreensão dos mecanismos patogénicos envolvidos nos diversos grupos de doenças dermatológicas”. A dermatite atópica canina é aquela doença para a qual têm surgido mais terapêuticas direcionadas nos últimos anos, destaca. “Medicamentos como os inibidores das Janus Kinases ou o lokivetmab atuam de forma específica nos mediadores inflamatórios responsáveis pelo prurido e inflamação nos quadros alérgicos, permitindo um controlo eficaz com menos efeitos adversos do que os imunomoduladores tradicionais.” Além das doenças alérgicas, também no tratamento de certas doenças imunomediadas caninas, como as dermatopatias isquémicas e alguns tipos de lúpus eritematoso cutâneo, têm surgido novas abordagens terapêuticas. “Em alguns casos selecionados, o uso de oclacitinib como imunomodulador alternativo, tem sido explorado, refletindo uma tendência para terapêuticas com melhor perfil de segurança e melhor eficácia comparativamente a imunossupressores clássicos.”
Também Daniela Matias e Luís Martins destacam estas terapêuticas, elogiando a sua capacidade de controlo mais eficaz em manifestações como o prurido e a inflamação. E os novos tratamentos andam a par com a maior capacidade de diagnóstico. “Também a imunoterapia alergénio-específica tem evoluído, refletindo os avanços observados na medicina humana. Atualmente, com métodos de diagnóstico cada vez mais refinados – incluindo a possibilidade de identificação da resposta a alergénios moleculares — torna-se possível compreender melhor o contexto da resposta alérgica”, defende Luís Martins. Passa a ser possível formular “protocolos de imunoterapia alergénio-específica, individualizados e mais eficazes, ao excluir da formulação vacinal, espécies às quais o animal se apresenta sensibilizado apenas por via cruzada”. Adicionalmente, considerando que podem desenvolver-se manifestações cutâneas semelhantes com condições etiológicas diferentes, “a eficácia da abordagem terapêutica dependerá muito das causas subjacentes, tornando imperioso um diagnóstico, o mais preciso e completo possível”, acrescenta Daniela Matias.
Estamos longe dos tempos em que a abordagem terapêutica em dermatologia se baseava “muito na experiência do clínico, que dessa forma adaptava a prescrição dos princípios ativos. Atualmente, as prescrições sustentam-se em estudos científicos baseados na evidência, consistindo em protocolos com elevado nível de padronização, à semelhança do que sucede em medicina humana”, defende o médico veterinário. Além de todas as inovações terapêuticas, “a indústria farmacêutica tem investido no desenvolvimento de novas moléculas e em formas de administração mais práticas e eficazes, com o objetivo de melhorar a aderência ao tratamento e a qualidade de vida de animais e tutores”, sublinha Daniela Matias.
Relativamente aos tratamentos propriamente ditos, a evolução a que temos assistido, as novas apresentações e vias de administração — orais, tópicos e injetáveis de longa duração — “tornam o tratamento mais adaptado ao perfil de cada animal e às necessidades do seu ambiente familiar”. Tudo isto tem impacto na eficácia clínica, mas também na experiência do tutor, que procura hoje soluções simples, seguras e com resultados visíveis. “As preparações farmacêuticas especialmente formuladas, como comprimidos palatáveis, spot-on e injetáveis de ação prolongada disputam presentemente a preferência dos tutores, facilitando a administração e promovendo a eficácia e o bem-estar.”
“O caminho da inovação terapêutica em dermatologia veterinária é, sem dúvida, cada vez mais promissor”, garante Ana Mafalda Lourenço, sublinhando que “nunca foi tão justo falar de inovação terapêutica como agora”.
A que inovações gostaria de assistir no futuro?
Lançámos a mesma pergunta a todos os entrevistados. Embora a evolução esteja a ser crescente e determinante, quisemos saber o que poderá ser ainda mais revolucionário na prática clínica. “Ficaria verdadeiramente feliz se conseguíssemos, no futuro, prevenir a dermatite atópica ou, pelo menos, minorar significativamente o seu impacto”, refere Ana Mafalda Lourenço. A prevenção poderá passar, por exemplo, pela identificação “de um biomarcador que permita distinguir indivíduos afetados ou predispostos — possibilitando uma reprodução mais responsável — ou, no caso dos cachorros, pela identificação precoce dos que se encontram em risco de evoluírem para a manifestação da doença”. A partir desse momento, talvez fosse possível implementar medidas de prevenção primária, defende a docente, ainda por estudar, mas que poderão incluir aspetos como “o tipo de dieta, o ambiente em que o animal se desenvolve, o maneio parasitário e a proteção da barreira cutânea”.
Diana Ferreira concorda e dá uma resposta semelhante. “Gostaria de assistir a avanços que permitissem uma prevenção mais eficaz e precoce das doenças dermatológicas, em especial da dermatite atópica canina, uma condição crónica, com grande impacto para o animal e o seu tutor.”
Adicionalmente, Ana Mafalda Lourenço gostaria de assistir “a um maior desenvolvimento e acesso a terapêuticas de precisão. No caso particular da imunoterapia com alergénios, o desejo passa por tornar cada vez mais fácil de utilizar e, principalmente, mais eficaz”. Com a noção de que “a inovação tem muitas faces e é profundamente dependente do contexto”, a médica veterinária conta que esteve em São Tomé e Príncipe, onde teve a oportunidade de conhecer melhor a realidade veterinária do país e onde a inovação poderia passar por aspetos básicos, mas transformadores. Desde logo “a educação da população quanto a doenças parasitárias, e a implementação de medidas simples, como a prevenção e tratamento da sarna sarcóptica de forma abrangente com um impacto enorme tanto nos animais como nas comunidades humanas”.
Enquanto o mundo evolui e a inovação avança, Ana Mafalda Lourenço confessa continuar à espera “de soluções terapêuticas eficazes e seguras para gatos — uma lacuna ainda significativa na dermatologia veterinária”.
No campo terapêutico, Diana Ferreira afirma que “seria desejável o desenvolvimento de fármacos ainda mais seguros, com ação seletiva e duradoura, que ofereçam alívio sintomático sem comprometer o sistema imunitário do animal, com menos efeitos adversos e menor frequência de administração”.
Daniela Matias escolhe como avanços a que gostaria de assistir futuramente “o desenvolvimento de novas moléculas capazes de inibir vias relevantes no mecanismo do prurido, com elevada segurança e eficácia, especialmente na espécie felina, onde as opções terapêuticas ainda são bastante limitadas”. Outro avanço desejável, a seu ver, “seria a adaptação progressiva das terapêuticas, aos diferentes fenótipos alérgicos, permitindo uma abordagem mais individualizada e eficaz”.
A imunoterapia alergénio-específica encontra também margem para evolução significativa, defende Luís Martins, “particularmente ao nível da seleção molecular dos alergénios, o que poderá traduzir-se, no futuro, numa terapêutica ainda mais direcionada e eficaz”. Esta possibilidade baseia-se numa abordagem designada por Diagnóstico Resolvido por Componentes, “de acordo com o qual se identificam as principais moléculas sensibilizantes, a que se segue a Imunoterapia Resolvida por Componentes, ou seja, uma imunoterapia alergénio-específica molecular, individualizada, visando a indução de tolerância alergénica com uma taxa de sucesso acrescida, ao evitar a inclusão nas vacinas, de extratos contendo moléculas às quais o animal não se encontra sensibilizado à partida”.
Também a colega Diana Ferreira refere que a melhoria de eficácia da imunoterapia alergénio-específica poderá ser um avanço importante, “quer através da identificação mais precisa dos alergénios relevantes, quer pela criação de formulações com resposta clínica mais rápida, maior taxa de sucesso e maior comodidade para o tutor e para o animal”.
O aquecimento climático progressivo “facilita o desenvolvimento mais setentrional de espécies polinizantes, tradicionalmente mais meridionais, ameaçando alargar a gama de espécies potencialmente sensibilizantes para pessoas e animais, com o consequente agravamento da condição alérgica”, refere Luís Martins
O impacto das alterações climáticas nas doenças de pele
Ainda que este tema um tema “sobre o qual só podemos especular”, Ana Mafalda Lourenço considera que “a evidência da medicina humana sugere que as alterações climáticas poderão ter um impacto crescente em afeções da pele — um órgão de barreira”. A docente explica que já se observam alterações na distribuição geográfica e na frequência de algumas afeções cutâneas, como a dermatite atópica ou a psoríase, associadas a fatores como o aumento da temperatura, a modificação do mapa polínico e potenciais alterações no microbioma cutâneo. “Por outro lado, doenças de origem parasitária poderão ver a sua distribuição e sazonalidade alteradas em resposta a mudanças ecológicas.” No caso veterinário, “sobretudo em animais de companhia que partilham connosco o mesmo expossoma, é plausível que se verifiquem efeitos semelhantes”.
Para a médica veterinária Diana Ferreira, “o alargamento da época de exposição a alergénios ambientais, por exemplo, pode agravar ou antecipar quadros de dermatite atópica sazonal”. Por outro lado, “o aumento global das temperaturas que se tem feito sentir nas últimas décadas, a alteração dos padrões de humidade e as mudanças sazonais podem também resultar numa extensão geográfica de vetores, o que faz com que determinadas doenças parasitárias e infeciosas passem a surgir em regiões onde antes não eram endémicas”.
Daniela Matias destaca algumas doenças “fotoinduzidas” que resultam das alterações climáticas, “como as dermatites actínicas, o lúpus eritematoso discoide e o carcinoma de células escamosas, que podem tornar-se mais prevalentes, devido ao aumento da radiação solar”. No entanto, esclarece a médica veterinária, o impacto mais evidente verifica-se nas dermatites alérgicas induzidas por pólenes. “As alterações nos ciclos de polinização — com estações mais longas, inícios mais precoces e concentrações mais altas de grãos de pólen no ar fazem com que os sintomas de animais sensibilizados a estes aeroalergénios sejam mais prolongados e, em alguns casos, mais intensos ao longo do ano.”
O aquecimento climático progressivo “facilita o desenvolvimento mais setentrional de espécies polinizantes, tradicionalmente mais meridionais, ameaçando alargar a gama de espécies potencialmente sensibilizantes para pessoas e animais, com o consequente agravamento da condição alérgica”, refere Luís Martins. Existem depois especificidades próprias, uma vez que o aumento da temperatura média e, por vezes, da humidade, associada a situações de pluviosidade mais prolongada “favorecem a proliferação fúngica (dermatófitos e malassezia) e bacteriana, promovendo o desenvolvimento de dermatomicoses e piodermas”, sublinha. A temperatura ambiente mais elevada favorece, ainda, “a prevalência de ectoparasitas como pulgas e carraças, aumentando a pressão parasitária, para além de estimular a sensação de prurido”.
Estas mudanças impactam a prática clínica e o dia a dia dos médicos veterinários, que têm de ajustar os seus protocolos diagnósticos e as estratégias terapêuticas, em consonância com uma realidade ambiental em transformação. Mas o impacto também se dá nos tutores e nos próprios animais “que tendem a passar mais tempo no ambiente interior quando existe uma temperatura ambiente maior. Logo, estão expostos a mais ar condicionado, a um ambiente mais seco, contribuindo para a perda de água transepidérmica e a alteração do microbioma cutâneo. Por outro lado, temperaturas mais elevadas, por vezes extremas, contribuem para o stresse térmico, conduzindo ao compromisso imunitário, favorecendo processos de natureza autoimune e a exacerbação da própria dermatite”, conclui Luís Martins.
*Artigo publicado na edição 194, de junho, da VETERINÁRIA ATUAL