Porquê a constituição da Associação Portuguesa de Ciência Avícola?
A Associação surge de uma necessidade do próprio setor. Já havia um pedido por parte dos técnicos de haver um espaço de debate sobre a ciência avícola em Portugal. A avicultura representa uma fatia muito grande do consumo de carne em Portugal, é a proteína do presente e a proteína do futuro e era das poucas áreas que não tinha uma sociedade científica. A APCA veio colmatar esse espaço. Somos certificados pela OMV e pela DGAV como sendo o órgão consultivo na parte científica da avicultura. Da APCA fazem parte todos os técnicos e todas as pessoas que estão envolvidas direta e indiretamente com a avicultura.
Como surgiu o seu interesse por esta área?
Sou médico veterinário, mas esta não é uma associação exclusiva de médicos veterinários. Temos engenheiros zootécnicos, engenheiros agrónomos e todas as pessoas que podem contribuir com ciência para a avicultura. Todos podem fazer parte da APCA.
Como se interessou pela avicultura?
Quando terminei o curso de Medicina Veterinária foquei logo a minha carreira na avicultura. Pertenço a uma das empresas que trabalha na avicultura em Portugal e há poucos médicos veterinários a trabalhar nesta área.
Não é uma área muito atrativa para os jovens?
É uma questão temporal. Houve um período em que, não sei porque motivo, as faculdades deixaram de se focar nesta área. Dou aulas no ICBAS, na parte de avicultura, e acho que é uma das áreas onde há carência dentro das faculdades, não só na parte veterinária, como de engenharia zootécnica e outras. É um assunto que se aborda pouco. Nos pequenos animais temos 90% dos veterinários a quererem ir para esta área, os que sobram querem bovinos ou suínos e a parte das aves, que envolve mais de 50% do consumo de proteína por parte dos consumidores, gera pouco interesse nas pessoas. Talvez as faculdades não puxem tanto por esta área.
Há falta de profissionais na área?
Sim, ainda precisamos de mais profissionais. Na pecuária é a área mais avançada e a mais modernizada, está todos os anos em constante atualização. Costumo dizer que é quase preciso tirar outro curso para trabalhar com aves pois são muito diferentes dos mamíferos. Temos quase de tirar uma especialização e há sempre uma necessidade das empresas em recrutar pessoal nesta área ou de pedir que faculdades que investiguem. E foi assim que surgiu a associação. Queremos promover a investigação da avicultura em Portugal porque é das únicas áreas em Portugal que é autossustentável, quer a nível dos frangos, quer dos ovos. Até exportamos.
Quais os objetivos da APCA?
A Sociedade serve primariamente como órgão consultivo quer da OMV, quer da DGAV. Sempre que há um assunto relacionado com a parte científica da avicultura estamos disponíveis e somos chamados a dar o nosso parecer porque temos um órgão consultivo. Temos um conselho científico, os nossos membros pertencem às empresas nacionais, logo há essa componente de discussão do que se passa a nível da ciência avícola no país. Depois também temos uma componente de formação. Fazemos reuniões gerais, temos workshops e organizamos congressos. Desde 2017 fizemos um simpósio de ciência avícola em maio de 2018, com 240 pessoas, em Coimbra, e temos o 2º simpósio já projetado para 2020 em Lisboa.
Não faz sentido fazer o evento anualmente?
Nesta fase ainda não porque para um congresso ser bem-sucedido convém trabalharmos e a associação representa um trabalho pro bono, sem fins lucrativos. Não temos ninguém a trabalhar a 100% na associação. Pensamos que um evento de dois em dois anos permite ver quais são os pontos de interesse para que haja um bom congresso.
Qual foi o tema da edição de 2018?
Temos sempre uma área mais virada para poedeiras e outra para a carne. O foco esteve nas doenças respiratórias e imunossupressoras. Em 2019 está programado um workshop pois complementamos desta forma: fazemos um congresso maior, mais teórico, e no ano intercalar um workshop mais prático que será em Coimbra, a 26 de março, só sobre maneio avícola e as vagas são limitadas a 45 pessoas. Na avicultura moderna atual ninguém consegue ter uma só componente sanitária sem ter uma componente de maneio. É inviável. Isto está tão modernizado e evoluído que o conhecimento profundo do maneio e do bem-estar animal, de como se gere as explorações é fundamental para conseguir fazer uma medicina veterinária preventiva.
Hoje em dia as explorações estão mais atentas à questão do bem-estar animal?
Sim, temos de nos adaptar e o consumidor é que dita as regras. Seguimos a legislação europeia e estamos de acordo com as regras do bem-estar. Hoje em dia preocupamo-nos com o crescimento lento, voltamos às estirpes de crescimento mais lento. É quase um fator que foi imposto pela genética. Hoje em dia um frango cresce a uma velocidade que há 10 anos era impensável, mas tudo por fatores genéticos e também de modernização das explorações. Hoje em dia os dois pontos que estão em cima da mesa é a questão do bem-estar animal e o uso prudente dos antibióticos, que é transversal por toda a agropecuária. Queremos estar sempre na frente da linha e já temos muitas pontes entre a APCA e a DGAV para projetos de monitorização.
Pela sua experiência essa redução dos antibióticos está a ser aplicada ou ainda estamos longe do objetivo?
O objetivo é sempre muito definido de forma a atingir um ideal. Estamos a caminhar para isso e relativamente a outros países estamos perfeitamente enquadrados na redução, até estamos à frente de muitos países e somos muito competitivos a trabalhar a agricultura portuguesa, embora não haja muito conhecimento disso. Mas somos muito competitivos.
Em que aspetos?
Em custo, em conhecimento, os recursos humanos ligados à área são bastante bons e todas as empresas estão munidas de corpos técnicos bastante especializados porque isto é uma economia de escala. São empresas muito verticalizadas, temos acesso a toda a cadeia alimentar, desde a reprodutora, desde o pinto até à produção de carne, mas são centralizadas.
E mercados de exportação, estamos a falar de que países?
Espanha, França, no caso da carne e nos ovos. Também exportamos ovo incubável para países de Médio Oriente, Rússia e norte de África.
E há espaço para crescer?
Claro. Como disse Portugal é um país supercompetitivo, devemos apostar ainda mais na exportação. Em relação à Associação e à internacionalização estamos numa fase final de um processo de anexação à associação mundial – World Veterinary Poultry Association – e há muitos desafios nesta área. Temos de estar acompanhados.
O que significa a agregação a esta sociedade, vão ter o apoio da WVPA?
A WVPA é como se fosse a sociedade científica a nível mundial da parte de avicultura. Organizam congressos mundiais e a APCA vai ser apresentada no congresso mundial deste ano na Tailândia. Ao sermos sócios vamos estar representados na associação onde existem reuniões prévias e onde se discute o que se está a passar a nível mundial em termos científicos, quais os avanços, o que há de novo, o que vem aí nos mais variados temas. Permite ter acesso à revista internacional e colaborar com eles de forma a ter conhecimento do que se passa noutros países. Temos a ambição, em 2021, de nos candidatarmos ao congresso mundial. Era uma honra poder ter o evento em Lisboa. É esse o nosso objetivo, acho que a avicultura nacional mais do que merece esse reconhecimento.
Para ser sócio o que é necessário?
Damos preferência a profissionais se possível formados nas áreas da medicina veterinária ou engenharia zootécnica e que possam contribuir com know-how para a associação. Há um conselho de admissão que aprova a admissão e depois há o pagamento de uma cota anual de 30€ para profissionais e 15€ para estudantes universitários. Depois têm acesso às reuniões gerais, à revista publicada em conjunto com a FEPASA (Federação Portuguesa das Associações Avícolas) e descontos em congressos a preços de sócios, além do acesso a artigos científicos no nosso site e ter a possibilidade de um relacionamento mais próximo com os profissionais da área. Os nossos sócios também ficam automaticamente sócios do WVPA, sem custos
Quais as áreas críticas da avicultura nacional?
Áreas críticas têm a ver com a mão-de-obra, que é escassa. Há falta de profissionais, quer com formação académica, quer de pessoas para trabalhar nos aviários e em toda a logística em volta do nosso sector. Também temos a questão do preço do frango. O consumidor cada vez exige mais preços mais baixos, mas com as mesmas regras da União Europeia. Se vamos a outro país, como Holanda ou Inglaterra, e compararmos com o preço do frango em Portugal não tem nada a ver. Ainda temos esse desafio extra. Temos o preço mais baixo de frango da Europa. Isto está relacionado com o consumidor e com as grandes cadeias de venda. Temos dificuldade em fazer aumentar o preço de venda do frango. É uma realidade.