A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concedeu autorização de introdução no mercado do produto ERAVAC®, a nova vacina da Hipra para a prevenção da doença hemorrágica viral do coelho do tipo 2 (RHDV2). “A ERAVAC® é a primeira vacina monovalente contra RHDV2 registada em todos os países europeus”, informa a Hipra em comunicado.
Mas será que a vacina agora aprovada pode resolver a problemática da doença hemorrágica viral do coelho do tipo 2 (RHDV2)? Segundo Nuno Alegria, médico veterinário dedicado à área da Virologia e professor na UTAD, a vacina “constitui um importante e decisivo contributo para o controlo da doença. Mas resolver, no sentido de erradicar a doença, penso que não.
Variante da doença ‘clássica’
A doença hemorrágica viral (DHV) dos coelhos é uma importante doença, frequentemente fatal, que atinge o coelho doméstico e silvático existente no continente europeu, conhecida desde há várias décadas. “Uma variante da doença ‘clássica’ surgiu nos últimos anos, com diferenças epidemiológicas (por exemplo, na distribuição etária dos animais atingidos) e, mais importante, diferenças antigénicas no agente causal, que tornaram ineficazes as vacinas até então utilizadas no controlo da doença”, explicou Nuno Alegria. “Estas diferenças antigénicas permitiram que a variante da DHV ‘clássica’ rapidamente se tenha difundido pelos coelhos silváticos, contribuindo para o declínio da espécie, e pelas cuniculturas existentes no nosso país”.
A nova vacina inclui a correta produção de anticorpos (imunidade humoral) para reduzir a mortalidade causada pela RHDV2 a partir do sétimo dia após a vacinação. “A eficácia da ERAVAC® também foi demonstrada em condições laboratoriais usando um modelo de desafio com uma estirpe diferente da incluída na vacina. A vacina contém um adjuvante de óleo, que lhe confere imunidade a longo e curto prazo, e a sua segurança foi comprovada com a ausência de reações adversas”, refere a Hipra.
Poderá estar em causa a extinção da espécie?
Para o professor da UTAD, a DHV dificilmente será erradicada, “desde logo pela impossibilidade técnica atual de o fazer nas populações de coelho silvático. Este problema pode ser minimizado através do desenvolvimento de vacinas eficazes que permitam reduzir os casos de doença e a consequente mortalidade nos animais atingidos. Não creio que uma doença infeciosa possa, de forma isolada, extinguir uma espécie animal. Contudo, esta e outras doenças (como a mixomatose, por exemplo), associadas às alterações no habitat (ex. fogos florestais) e à massificação do uso de herbicidas e pesticidas poderão contribuir para o quase desaparecimento do coelho silvático de algumas áreas do nosso país”.
A doença tem-se espalhado pela Europa desde o seu aparecimento, em França, em 2010. Em Portugal, e de acordo com Nuno Alegria, “que eu conheça não existem dados sobre as regiões do país mais afetadas. Porém, o contacto com os veterinários e caçadores de diferentes regiões nacionais leva-me a crer que está disseminada por todo o território continental. Também nas cuniculturas, a variante da doença tem estado presente, levando a que a autorização para a importação “especial” da vacina seja prática corrente para controlo de focos epidémicos”.
Como aplicar a vacina?
No coelho mantido em cativeiro, Nuno Alegria não antevê nenhuma dificuldade adicional. “A administração da vacina será por via subcutânea, via já conhecida e praticada pelos cunicultores e, obviamente, pelos médicos veterinários. Todavia, o recurso a um óleo mineral como adjuvante obrigará a cuidados redobrados na administração, uma vez que a injeção acidental em humanos não está isenta de riscos para a saúde, podendo originar, por exemplo, reações locais com alguma gravidade”.
Já no caso do coelho silvático, os efeitos da doença apenas podarão ser minimizadas nas populações em que a captura dos animais para vacinar seja possível. “Claro que em situações de repovoamento, por exemplo, a administração da vacina deva ser considerada antes da libertação dos animais”.
Duração da imunidade
Um dado importante para a estimar a eficácia da vacina é a duração da imunidade, “algo que ainda não foi possível estabelecer, e que, aliada à resistência do vírus na natureza, permitirá estimar de modo mais preciso quais os efeitos da vacinação nas populações de coelho silvático onde ela seja praticável”, refere o virologista.
“Também as características epidemiológicas da variante da DHV apontam para uma maior importância da transferência da imunidade materna aos láparos, quando comparada com a doença ‘clássica’. Assim, neste contexto, uma importante resposta humoral nas fêmeas vacinadas também será decisiva, juntamente com a já referida duração da imunidade”.