Não tem sido das áreas mais desenvolvidas e fortes da Medicina Veterinária, mas nos últimos anos a tendência tem vindo a ser alterada com o aumento da formação clínica e o reconhecimento da importância da saúde oral no bem-estar do animal. “Esta tem sido uma área desprezada, mas que tem mostrado uma grande necessidade técnica e científica de serviços de qualidade”, afirma Bruno Tavares, médico veterinário responsável pelo serviço de Odontologia e Cirurgia Maxilo-Facial no Hospital de Referência Veterinária Montenegro.
Apesar de “a formação em Portugal ser escassa, tem existido um grande esforço por parte de algumas faculdades e grupos de interesse em mudar essa realidade”, adianta. Carina Ferreira, médica veterinária no VetOeiras Hospital Veterinário Central da Linha de Cascais (HVCLC), tem-se dedicado a esta área e apesar de considerar que “a Medicina Dentária continua a estar em segundo plano na prática geral de clínica veterinária”, tem constatado um interesse crescente por parte de colegas “e um aumento de referências para procedimentos cirúrgicos no VetOeiras”.
O acréscimo de conhecimentos sobre patologias da cavidade oral tem sido uma realidade “tendo em conta a formação crescente por parte da classe veterinária, que se apercebe que esta é uma área em que existe muito potencial e trabalho”, refere Patrícia Gayán, DVN, MSc e responsável pelo Departamento de Odontologia e Cirurgia Maxilo-Facial do Hospital Veterinário de São Bento (HVSB). Ainda assim, a complexidade de algumas patologias torna desafiante o diagnóstico e necessária a existência de mais médicos veterinários dedicados à Odontologia Veterinária.
Além do interesse que tem vindo a ser demonstrado pelos médicos veterinários, tem sido também notório um grande avanço “na educação dos proprietários, promovendo a medicina veterinária preventiva, ou seja, a avaliação sistémica da cavidade oral e a higiene oral dentária”, refere Carina Ferreira. A informação disponível na internet e nas redes sociais tem aumentado a informação e a consciencialização dos proprietários que, muitas vezes, vão diretamente à procura de centros que prestam serviços de especialidade.
“É comum encontrar clientes que chegam à consulta com muita informação previamente obtida e que ‘pré-diagnosticam’ um problema do seu animal. É também comum que esses clientes não sejam surpreendidos com os tratamentos propostos denunciando um esclarecimento prévio”, refere Patrícia Gayán. A médica veterinária do HVSB dá um exemplo: “Não há muitos anos encontrava clientes que se surpreendiam quando falávamos de temas tão simples como escovar os dentes, situação que atualmente dificilmente ocorre”. Já Bruno Tavares não partilha da mesma opinião, pois considera que “muitos donos desconhecem o estado da doença instalada e nunca visualizaram a cavidade oral no ato da consulta, o que é grave”, alerta.
Investir em novas técnicas
Outro aspeto essencial tem sido a sensibilização das equipas para a importância da saúde oral dos animais de estimação que atendem nos seus serviços “de forma a influenciarem positivamente os proprietários nas consultas de rotina”. Carina Ferreira acredita que é possível atualmente “evitar de forma ativa os casos de periodontite avançada e de múltiplas extrações em cães que, incontornavelmente, viriam para intervenção”. A nível técnico, os avanços que estão em maior destaque são essencialmente ao nível dos exames complementares de diagnóstico. “A TAC tem sido uma ferramenta com grande potencial na avaliação de lesões compatíveis com problemas dentários”, acrescenta Bruno Tavares, que se tem mantido atento à evolução a nível internacional de estudos dedicados à área.
“Dado que neste momento estou a fazer todos os procedimentos a nível dentário e cavidade oral, procuro ao máximo a escolha de opções terapêuticas de acordo com as taxas de sucesso e insucesso descritas”, sublinha. Por outro lado, o VetOeiras decidiu apostar na radiologia intraoral permitindo “dar um salto qualitativo e melhorar a atuação enquanto clínicos na área”, explica Carina Ferreira. As próteses e implantes desempenham também um papel importante, bem como a tendência crescente “para a utilização de novos biomateriais porque acrescenta sempre novas opções a uma área que tradicionalmente utiliza esse tipo de apoio”, afirma Patrícia Gayán.
Um dos problemas que se coloca na prática clínica é o facto de a casuística atual ser superior à capacidade de resposta de vários centros de atendimento veterinário portugueses. “Torna-se crucial para os profissionais disporem de equipamento que torne o seu trabalho prático, rápido, e confortável”, salienta Bruno Tavares. Há que sensibilizar os proprietários para a importância de uma boca saudável nos seus animais de estimação. “A nossa atitude e postura inicial em relação ao impacto da saúde oral ditarão a recetividade do cliente para futuras intervenções dentárias”, sublinha Carina Ferreira. É também fundamental que os clientes estejam disponíveis para permitir que o médico veterinário recomende. “Por outro lado é essencial que o mesmo esteja sensibilizado para o diagnóstico adequado do paciente e para a partilha correta de informações”, diz-nos Patrícia Gayán.
Aposta na formação
A formação nunca é demais, especialmente quando se fala de Odontologia Veterinária. Bruno Tavares considera que a grande maioria dos colegas não está devidamente preparada. “Apenas alguns deles têm-se dedicado, quase em exclusivo, à área fazendo formação no estrangeiro, o que lhes confere uma boa diferenciação no mercado de trabalho. As faculdades já começam, no entanto, a ter um papel ativo para o mercado de trabalho e as formações começam a estar mais presentes”, salienta.
Os colegas que tenham especial interesse na área de anestesia e cirurgia podem também apostar numa maior formação na área. “A grande maioria dos pacientes são idosos ou de risco, constituindo um desafio ao nível da anestesia. Do ponto de vista técnico, a cirurgia dentária exige movimentos finos e de precisão por parte do cirurgião na manipulação dos flaps e das brocas dentárias, pelo que é essencial obter uma formação específica. A nível económico é uma área que facilmente rentabiliza o investimento inicialmente realizado, pelo que pode ser considerada uma aposta segura”, explica Carina Ferreira. Considerando que existe uma grande lacuna a nível de formação médico-cirúrgica dos veterinários que praticam Medicina Veterinária, tem constatado que “é relativamente frequente realizarem extrações dentárias de forma pouco ponderada e sem material adequado e por isso, muitas vezes, ocorre fratura da raiz dentária e extração incompleta, o que no futuro será um potencial problema”.
Caso determinado hospital ou CAMV não tenha o serviço de Odontologia Veterinária, o encaminhamento e a referenciação podem ser boas opções. “O facto de as clínicas apresentarem meios básicos não impede a prestação de uma consulta, plano de diagnóstico e tratamento de elevada qualidade, podendo ser efetuado pela mesma ou em colaboração com hospitais ou colegas envolvidos na área”, afirma o médico veterinário do Hospital Referência Veterinária. Patrícia Gayán, por seu turno, tem assistido à referenciação de casos para colegas mais experientes quando os casos são mais complicados ou não existem meios adequados para o tratamento, algo que considera uma “boa prática, dada a conjuntura atual”.
Soluções diferenciadoras
Também ao nível de produtos e equipamentos, a aposta tem vindo a ser crescente, com benefício para médicos veterinários, pacientes e proprietários. Rui Escudeiro é sócio-gerente da DentalVet, uma marca registada da ApliPrática. Após ter estado envolvido num projeto para o desenvolvimento de uma aplicação informática para a gestão de clínicas dentárias, na qual a empresa fez a integração “dos primeiros sensores digitais intraorais que vieram para Portugal”, o interesse foi aumentando.
“Com o posterior desenvolvimento da radiografia por meios digitais e com o interesse crescente na Odontologia Veterinária por parte das clínicas e hospitais veterinários, o passo seguinte foi o de procurar sensores digitais com software desenvolvido especificamente para veterinária, neste caso os odontogramas de variadas espécies de animais. Mesmo assim, a ideia esteve em incubação praticamente cinco anos, porque necessitávamos de mais soluções para perfazer uma gama mais completa de instrumentos e de soluções específicas para a especialidade”, refere Rui Escudeiro. A oportunidade surgiu no ano passado com a “distribuição exclusiva dos produtos da iM3, no qual foi apresentado um variado e alargado conjunto de soluções específicas no campo da Odontologia Veterinária”.
Apesar de considerar que a área não atingiu, em Portugal, o nível de outros países, como por exemplo os países nórdicos, os EUA, a Austrália ou até mesmo o Brasil, onde existem clínicas veterinárias exclusivamente dedicadas à Odontologia, realça a aposta na procura de soluções para a área. “O seu desenvolvimento também passa pela consciencialização dos próprios donos de que as patologias orais dos animais também afetam a sua saúde e qualidade de vida e que poderão, por vezes, ser causadoras de outras patologias bem mais graves”, afirma.
A DentalVet comercializa “unidades dentárias, estações de trabalho da iM3 – a chamada cadeira de dentista – à semelhança do que acontece em Medicina Dentária Humana, mas concebidas e desenvolvidas especificamente para a veterinária. Além de serem móveis e apresentarem uma configuração flexível em termos das várias opções de equipamento com que podem vir apetrechadas, são de grande fiabilidade, de utilização muito prática e de uma manutenção bastante reduzida”. Destaque ainda para “o digitalizador de placas de fósforo CR 7, destinado ao diagnóstico radiográfico intraoral, o único que permite o uso de placas intraorais do tamanho 0 ao 5 e de placas específicas para coelhos, com uma qualidade de imagem radiográfica e uma flexibilidade de posicionamento da placa superior aos tradicionais sensores digitais. Por último, o destartarizador por ultrasons iM3 42-12 funciona a uma frequência de 42.000 HZ, com pontas em titânio de uma durabilidade de 3 a 4 vezes superior, possibilita destartarizações mais rápidas e de acabamento superior sem danificar o esmalte do dente, em parte, por funcionar em pequenos movimentos circulares em vez do tradicional movimento de picareta”, sugere Rui Escudeiro. A empresa tem como objetivo alargar o leque de opções das soluções já existentes, como por exemplo “a tecnologia LAD (desinfeção ativada por luz) em bolsas periodontais”.
A Medicina Dentária acabou por ser mais uma área em que a Bontempi, empresa que investe há 40 anos na fabricação de instrumentos cirúrgicos, resolveu apostar. “A nossa produção de instrumentos inclui uma gama para a área da cirurgia (Odontologia, Implantologia, Periodontal, Ortodontia, Maxilo-facial, Cirurgia Plástica, Veterinária e todas as áreas de Cirurgia Geral e Hospitalar). A qualidade superior dos nossos instrumentos encontra-se nas ligas especiais de tungsténio o que, combinado com uma excelente relação qualidade / preço, permite-nos constantes aprovações em todos os mercados”, explica Luís Requicha, Chief Executive Officer da empresa. Todos os instrumentos distribuídos pela empresa têm uma garantia “de cinco anos contra defeitos de fabrico”.
A Bontempi apresenta ainda um serviço de reparação e recondicionamento de todos os seus instrumentos, bem como a substituição “das pastilhas em tungsténio (tesouras, pinças e porta-agulhas)”. Também é possível personalizar os produtos “escrevendo a laser em cada tipo de instrumento, por forma a ser adicionando o nome da empresa, do departamento e / ou nome do médico”, sublinha o responsável. A Bontempi tem apostado também na composição de sets com cerca de 40 instrumentos cada. “Assim, o médico sabe o que compra, fica satisfeito, reconhece a elevada qualidade dos instrumentos Bontempi e a sua composição. Existe um trade-off de conhecimentos entre nós e o médico”. Luís Requicha explica ainda que é possível para um médico veterinário idealizar um determinado instrumento e facultar a sua ideia à empresa para que o mesmo possa ser produzido na fábrica da Bontempi na Alemanha, em Tuttlingen.
Novos produtos
A aposta mais recente da Divasa Farmavic para esta especialidade foi o lançamento de um produto de uso veterinário, o Restomyl Gel® odontoestomatológico muco-adesivo para cães e gatos, que se destina à manutenção da higiene oral em cães e gatos. “A sua aplicação é particularmente útil após a realização de procedimentos odontológicos nos animais. Brevemente iremos lançar um novo produto que será oportunamente comunicado ao mercado”, avança o Diretor Geral da empresa, Joaquim Ramos. O facto de os proprietários estarem “mais disponíveis” para cuidar dos seus animais de companhia, bem como o facto de a classe veterinária ter aumentado a procura de produtos e soluções, fomenta uma aposta na Odontologia Veterinária por parte da empresa.
Já a Plurivet também tem desenvolvido alguns produtos para esta área uma vez que, na opinião do médico veterinário da empresa, Nuno do Carmo, “não tem sido feita uma grande aposta das clínicas veterinárias, excetuando a profilaxia”. Por esse motivo justificava-se a aposta em materiais e equipamentos inovadores juntamente com “o parceiro Kruuse”. O catálogo da Plurivet apresenta “materiais e equipamentos, produtos inovadores no campo da profilaxia diária”, sendo a aposta alargada à formação dos médicos veterinários, como por exemplo “o apoio recente na realização de um workshop no Hospital Veterinário Montenegro, por ocasião do seu Congresso”, acrescenta Nuno do Carmo. Esta é uma área “em franco desenvolvimento, em termos gerais, mas pouco explorada por parte de clínicas e hospitais veterinários podendo ser alargada em termos de serviços prestados, melhorando o cuidado e a saúde animal e, consequentemente, aumentando o lucro da clínica. Para tal é crucial a formação para entender o porquê da utilização de equipamentos e materiais mais profissionais que permitam um melhor desempenho desta atividade e a realização de procedimentos mais complexos”, esclarece o responsável.
Outro dos lançamentos previstos para Portugal nos próximos meses chega da parte da VetNova e é um produto para a doença periodontal. “Clunia® é um gel muco-adesivo de elevada aceitação e bastante versátil que previne o aparecimento de tártaro, elimina rapidamente a halitose, atua como antissético, cicatrizante e ajuda a regenerar as gengivas”, revela Carla de Almeida, médica veterinária e delegada técnica comercial da empresa. Existem duas apresentações do produto: “Clunia® ZnA Clinical Gel para situações de maior gravidade em que é necessária uma ação cicatrizante e antissética mais potente (pós-cirurgia oral ou maxilo-facial, abcessos, lacerações ou úlceras, limpezas dentárias, etc.) e Clunia® Zn Maintenance Gel para manter uma saúde oral ótima prevenindo o aparecimento do tártaro e controlando a halitose”. A empresa pretende, desta forma, contribuir para cobrir as necessidades dos médicos veterinários no tratamento da doença periodontal com um produto “eficaz e de fácil aplicação”.
A Mars considera que está na “linha da frente” a nível mundial em saúde animal por duas razões: “É detentora do Centro de Waltham, a autoridade líder mundial em Saúde e Nutrição Animal, onde todos os dias trabalham centenas de investigadores e veterinários a desenvolver os melhores produtos e de mais de 500 clínicas Banfield nos EUA, o que lhe permite identificar os principais problemas de saúde que afetam os animais de estimação. Estas duas instituições alimentam um contínuo melhoramento e lançamento de novos produtos, como foi o caso de Whiskas Dentabites®, em 2014, que é o primeiro e único snack de gato em toda a Europa comprovado cientificamente que ajuda a reduzir a formação de tártaro”, explica Pedro Sousa, Brand Manager de Care & Treats da Mars Portugal. As novidades não vão ficar por aqui e já estão previstos novos lançamentos para breve. “Saber que 80% dos cães e 70% dos gatos com mais de três anos sofrem de problemas nas gengivas e que os nossos produtos são a solução – Dentastix® para cão & Dentabites® para gato – obriga-nos a trabalhar para alertar e educar os consumidores para este tema. Essa é a nossa maior motivação seguindo a missão de fazer um mundo melhor para os animais”, conclui o responsável.
Serviços com oferta de Odontologia Veterinária
VetOeiras HVCLC – Este serviço atua a vários níveis: “consulta preventiva, consulta de avaliação pré-cirúrgica, estudo odontológico integrando radiografia intraoral, procedimento/cirurgia dentária e consulta de revisão pós-cirúrgica. Envolve o trabalho de um médico veterinário cirurgião, um médico veterinário anestesista, enfermeiros e auxiliares que juntos promovem a segurança no procedimento dentário. Os clientes do VetOeiras HVCLC estão sensibilizados e recetivos para a prevenção/resolução da patologia oral e, por isso, o serviço de Odontologia tem nos últimos anos conseguido alcançar um nível de saúde oral muito satisfatório nos nossos animais”, salienta Carina Ferreira. A equipa tem constatado ainda uma crescente procura, não só por resultados estéticos, mas também funcionais. “O segredo está no trabalho que fazemos como equipa, em que cada colega sensibiliza o cliente para a importância da saúde oral e deteta os casos de risco, que reencaminha para nosso serviço de Odontologia”, partilha a médica veterinária.
Hospital Referência Montenegro – A sala de estomatologia encontra-se em funcionamento desde janeiro de 2013 trazendo um novo conceito no tratamento da cavidade oral em animais de companhia. “A mais-valia deste serviço, além de dispor de equipamento de topo e amplamente versátil, constitui uma importante evolução técnica, que já foi reconhecida por diversos profissionais nacionais e internacionais. Destaco a nossa capacidade, disponibilidade e rapidez na abordagem das doenças orais, onde o envolvimento dos proprietários e colegas é fundamental e determinante no processo clínico. Sempre acreditámos que seria diferenciador num ramo extremamente necessário, trazendo assim um novo conceito no tratamento da cavidade oral dos animais de companhia”, afirma Bruno Tavares.
Hospital Veterinário de São Bento – Na área de Odontologia e Cirurgia Maxilo-Facial, este hospital oferece “todo o tipo de soluções que sejam necessárias, como limpezas orais, resolução de fraturas dentárias, de maxila ou mandíbula, todo tipo de reconstrução cirúrgica de tecidos moles ou osso, cirurgia oncológica, cirurgia periodontal, colocação de próteses e implantes”, salienta Patrícia Gayán. Considera que o serviço “tem atualmente o equipamento, tecnologia e profissionais com formação suficiente para as intervenções mais avançadas que esta área pode oferecer”.
Nota: Artigo publicado na Veterinária Atual Nº 82/ Abril 2015