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Animais de Produção

Eurogroup for Animals: “A revisão da lei de bem-estar animal está a acontecer porque nós insistimos”

Eurogroup for Animals: "A revisão da lei de bem-estar animal está a acontecer porque nós insistimos" Direitos Reservados

No final do ano passado, a Comissão Europeia anunciou a proposta para as novas regras de bem-estar animal. Esta mostrou-se menos ambiciosa do que o inicialmente esperado, cingindo-se à revisão das atuais regras relativas a animais de produção durante o transporte. Em entrevista, Inês Grenho Ajuda, Programme Leader for Farm Animal Welfare no Eurogroup for Animals – grupo que procura melhorar os padrões de bem-estar animal na União Europeia – esclarece sobre as medidas em causa e revela as suas principais preocupações ao nível do transporte de animais vivos.

O Eurogroup for Animals é um grupo de proteção animal com sede em Bruxelas, Bélgica, que procura melhorar os padrões de bem-estar animal na União Europeia. Na prática como atua e que estratégias têm em curso?

 

Na prática, nós utilizamos as oportunidades legislativas para tentar influenciar os decisores, como é o caso da lei de bem-estar animal que está agora a ser revista. Somos a voz pelos animais na Europa. Atuamos nos acordos de importação e exportação com outros países e na área da alimentação e do consumo. A revisão de bem-estar animal que está, neste momento, em curso aconteceu porque nós insistimos durante muito tempo que fosse para a frente. Foi nesse âmbito que foi desenvolvida a estratégia do Prado ao Prato e, depois, dentro dessa estratégia, foi aberta uma revisão na área do bem-estar animal. É neste campo que operamos e acreditamos, acima de tudo, na mudança legislativa a nível europeu.

Que ONGs portuguesas estão ligadas ao Eurogrupo for Animals?

 

Neste momento temos duas: a Associação Vegetariana Portuguesa (AVP), que começou agora a ter um programa em animais de produção, e a Associação Animais de Rua, na vertente de animais de companhia. Também trabalhamos muitas vezes com a Plataforma Anti Transporte de Animais Vivos, mas não é nosso membro porque não constitui uma ONG – são sim um movimento – e nos nossos estatutos é obrigatório que assim seja.

Pretendem, no fundo, que haja uma adaptação destas leis em prol do bem-estar animal. Podemos então assumir que a estratégia do Prado ao Prato foi em muito motivada pelo Eurogroup for Animals?
No que diz respeito à vertente de bem-estar animal sim, sem dúvida. Também ao nível dos antibióticos, para ter a certeza de que a legislação não permitiria o seu uso profilático e indiscriminado. Quando entram as propostas, nós tentamos ao máximo que os textos incluam partes que consideramos importantes para os nossos membros. Na legislação do transporte, por exemplo, está explanada a questão de que a importação e exportação deverá ser feita apenas com carcaças e não com animais vivos e o Eurgroup for Animals teve um grande impacto nessa decisão.

 

“Como Eurogrupo, somos completamente contra a exportação de animais vivos, e vemos que, mesmo com uma legislação mais apertada, os problemas vão continuar a existir”

No entanto, a proposta com as novas regras de bem-estar animal, anunciada em dezembro de 2023 pela Comissão Europeia, mostrou-se menos ambiciosa do que se esperava…

 

Na sequência da estratégia do Prado ao Prato referiram que iriam fazer uma revisão da legislação ao nível do transporte e do matadouro dos animais de produção: galinhas, frangos, porcos e vitelos. Devido a diversas situações do espectro político, houve alguns pontos que saíram da agenda e a proposta passou a incluir apenas o transporte nos animais de produção e também os animais de companhia – cães e gatos – para fins económicos.

A Comissão Europeia escreve a legislação e essa depois é proposta, que é o que está a acontecer agora. Para o passo seguinte precisamos que o Parlamento Europeu, que representa os cidadãos, e o Conselho Europeu, que representa os Estados-membros, leiam a legislação, debatam-na e cheguem a um acordo entre os dois, juntamente com a Comissão Europeia. Quando esse acordo é feito, então sim, temos uma legislação.

Relativamente aos animais de companhia considero que seja rápido porque não há assim muita controvérsia, mas a questão do transporte nos animais de produção vai demorar algum tempo. O Conselho Europeu, ou seja, os Estados-membros têm posições bastante díspares em relação ao transporte animal, o que significa que irão demorar mais tempo a chegar a um acordo.

O que está, de facto, contemplado relativamente aos animais de companhia?

No caso dos animais de companhia estão contempladas as atividades económicas, ou seja, apenas os criadores de cães e gatos estão abrangidos nesta legislação e não os tutores.

“A legislação do transporte não é só para os animais de produção, mas também para os animais de companhia para fins económicos. Abrangem também os animais de produção do meio aquático e poderá abranger – é o que nós defendemos também – animais de laboratório e animais selvagens – por exemplo, os que são transportados para o circo.”

As novas regras para os animais de produção que constam na proposta da Comissão Europeia estão relacionadas com o tempo, o espaço e a temperatura do transporte, assim como o tipo de animais que podem ser transportados. O que ditam, de facto, estas novas regras?

A legislação do transporte não é só para os animais de produção, mas também para os animais de companhia para fins económicos. Abrangem também os animais de produção do meio aquático e poderá abranger – é o que nós defendemos também – animais de laboratório e animais selvagens – por exemplo, os que são transportados para o circo.

Fala também da duração da viagem, que é, realmente, um dos aspetos mais importantes e nós, Eurogroup for Animals, ficamos satisfeitos com isso. Reduziram o tempo da viagem para matadores para 9h, mas no caso da engorda e para fins reprodutivos continua a ser muito longa, com três a quatro dias de transporte. Depois há ainda outra questão, a legislação não conta o tempo de viagem no mar, nos barcos.

Só conta o transporte por terra, é isso?

Exato, e nós sabemos a razão. Está relacionada com interesses económicos, caso contrário, por exemplo, a Irlanda perdia a possibilidade de exportar vitelos para o continente.

Relativamente às restrições, há animais que são considerados vulneráveis e que não estão aptos para transporte e a proposta, neste caso, incluiu os que estão prenhos e os mais jovens, mas continuamos a achar que esta é uma abordagem limitada. Os vitelos continuam a ser transportados a partir das cinco semanas e, muitos deles, ainda não estão desmamados nessa altura. Por outro lado, as fêmeas prenhas podem ser transportadas até 80% da gestação, altura em que já se encontram bastante vulneráveis. Continua a existir uma grande discussão relativamente à definição de animais vulneráveis e aptos para transporte.

“O Conselho Europeu tem posições bastante díspares em relação ao transporte animal, o que significa que irão demorar mais tempo a chegar a um acordo.”

Depois temos a exportação de animais vivos e Portugal é um campeão nesta matéria. Existem algumas limitações a este nível e o nosso País já se começa a preparar para isso. Atualmente, na nova proposta da Comissão Europeia exige-se que no transporte exista um médico veterinário a bordo, assim como alguém certificado em bem-estar animal. Além disso, antes dos animais saírem do porto, exige-se que o país terceiro, para o qual exportamos, confirme que vai receber esses animais.

Como Eurogrupo, somos completamente contra a exportação de animais vivos e vemos que, mesmo com uma legislação mais apertada, os problemas vão continuar a existir. Consideramos que, com esta proposta de certificação de terceiros, poderá ser possível controlar o momento em que os animais chegam, mas não o que acontecerá depois. Estes podem ir para diferentes sítios antes do abate, por exemplo, para o matadouro ou para a engorda, com 45° de temperatura e sem qualquer abrigo durante mais de dois meses. Esse controlo e a logística à volta da manipulação dos animais nunca serão cobertos pela legislação europeia.

Recentemente foi feito um relatório sobre a exportação de ovelhas de Portugal para Israel. Para o efeito, estudámos esse caminho e questionámos o que aconteceria se trocássemos exportação de animais vivos pelas carcaças dos animais mortos e concluímos que existem bastantes benefícios económicos e ambientais para o País, inclusivamente ao nível da criação de empregos. Portugal já está a começar a pensar nisso e o primeiro matadouro Kosher foi certificado em fevereiro, exatamente para se começar a pensar exportar carcaças para Israel.

Na nossa perspetiva, a legislação ainda tem muitas falhas. Propõe algumas mudanças técnicas, pequenos detalhes que podem ter algum impacto, mas acreditamos que não vai melhorar assim tanto ao nível do bem-estar animal, não toca nos pontos mais importantes. E, por isso, mais vale começar a pensar no que podemos fazer além disso e é aí que entra a nossa proposta de exportação de carcaças em vez de animais vivos.

Atualmente essa é a vossa maior preocupação?

O transporte animal é muito complexo e tem muitas entidades envolvidas, muitos interesses económicos. A legislação para o bem-estar animal poderá ajudar, mas não é assim tão assertiva. Têm de olhar para esta área de maneira mais holística para resolver os problemas. Percebemos que toda as partes sairão a ganhar com esta medida, tanto os animais, como o ambiente, por isso apostamos tanto nesta discussão.

Da clínica à influência política: Uma jornada em prol do bem-estar animal

Com uma história comum à grande maioria dos médicos veterinários, Inês Grenho Ajuda desde cedo, ainda na infância, percebeu que queria enveredar pelo caminho da medicina veterinária. O bem-estar animal era claramente a sua área de interesse e começou por fazer investigação na Universidade de Lisboa em indicadores de bem-estar animal em cabras leiteiras, conciliando com a atividade clínica.
Com a ambição de sair de Portugal sempre no seu radar, e findos os anos de investigação, decidiu mudar-se para o Reino Unido. Na altura surgiram duas opções: o internato no Royal Vet College, em cabras, ou a possibilidade de começar a trabalhar para uma ONG. Não se reconhecendo como ativista, esta última opção não lhe pareceu a mais óbvia, mas a função que iria desempenhar estava relacionada com a vertente técnica das empresas, tendo acabado por trabalhar nos critérios de bem-estar animal na cadeia de fornecimento de empresas internacionais.

Com o objetivo de subir na carreira, de ser líder, gerir pessoas e gerar ainda mais impacto para o bem-estar animal, deu o próximo passo e este passava por tentar convencer os legisladores – políticos – a fazerem mais pelos animais. Foi nessa altura que surgiu a oportunidade de gerir uma equipa no Eurogrupo for Animals, cargo que desempenha até hoje. O grupo, que representa a voz dos membros a nível europeu, tem diferentes programas e inclui os animais de produção, animais de companhia, animais selvagens, importação e exportação de animais e os animais utilizados em laboratório.

*Leia a entrevista na íntegra na edição 182, maio, da VETERINÁRIA ATUAL.

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