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Animais de Companhia

“É preciso um trabalho mais de rua, próximo das organizações e das instituições”

Pedro Paiva

O processo de nomeação do novo Provedor Municipal dos Animais de Lisboa foi longo desde que, em março deste ano, o nome de Pedro Emanuel Paiva foi apontado para o cargo. O militar de carreira na GNR, que se dedica à causa animal há 10 anos, tomou posse a 19 de julho e em entrevista à VETERINÁRIA ATUAL comenta as polémicas da nomeação e fala dos objetivos do mandato.

O que o levou a aceitar o convite para Provedor Municipal dos Animais de Lisboa?

 

O que me levou a aceitar foi aquilo que carrego como sendo a minha essência, que é estar ao serviço da sociedade, estar associado aos direitos daqueles que não têm voz e trazer à luz do dia esses direitos naquilo que me identifica, que é a causa animal, e os direitos das pessoas que protegem os animais.

Comecei a dedicar-me a esta causa em 2002, a tempo inteiro e em exclusivo desde 2015, com a criação de uma associação sem fins lucrativos.

 

Vai exercer o cargo em exclusividade?

Vou exercer o cargo a tempo inteiro e, fora desse horário, vou fazer uma colaboração noutras atividades que não colidem com o que está previsto no regulamento do Provedor Municipal dos Animais.

 

Houve alguma polémica com a sua nomeação, nomeadamente por alguns pelouros do Executivo camarário não terem sido auscultados, nem as associações de defesa dos direitos dos animais do município. Considera que a sua nomeação fica fragilizada por não ter sido um processo consensual?

Não, considero que a minha posição pode até sair fortificada. Algumas questões levantadas foram oportunas, e compreendo que tivessem sido levantadas, porque o que se pretendia que fossem assegurados e cumpridos os pressupostos previstos no regulamento interno de designação, organização e funcionamento do Provedor Municipal.

 

Em relação a outras questões, pareceu-me que se tratou apenas de uma tentativa de assumir uma pretensa superioridade moral por parte de alguns vereadores, nomeadamente em relação à minha carreira, ao meu bom nome e ao percurso que tenho desenvolvido.

“Se olharmos para os processos de nomeação do Provedor do Animal a nível nacional e do anterior Provedor Municipal vemos que também não foram nomes consensuais e isto faz parte do processo e do escrutínio”

Este escrutínio acabou por trazer a público aquilo que, efetivamente, me define, dar a conhecer às pessoas aquilo que sou e quais são realmente os meus objetivos em relação à causa animal. Se olharmos para os processos de nomeação do Provedor do Animal a nível nacional e do anterior Provedor Municipal vemos que também não foram nomes consensuais e isto faz parte do processo e do escrutínio.

Agora, superado e clarificado todo esse escrutínio, com a tomada de posse [a minha posição] acabará por estar fortificada, pois ficou tudo muito mais claro.

O Município de Lisboa foi pioneiro na criação do cargo de Provedor Municipal dos Animais, com toda a estrutura legal de um cargo. Como olha para o caminho percorrido neste âmbito pelo município e na vontade que nasceu noutros municípios para a criação de cargos semelhantes?

De facto, o Provedor Municipal dos Animais em Lisboa tem sido uma referência para implementar este cargo noutros municípios, nomeadamente em Almada, Santa Maria da Feira, Madeira, Ovar e, mais recentemente, em Tavira.

Por aquilo que são os pergaminhos do Provedor Municipal dos Animais de Lisboa tentarei sempre, no âmbito do que vão ser as minhas funções, ser muito claro naquilo que é o nosso caminho. Na minha perspetiva, este caminho carece de mais medidas no terreno, mais iniciativas junto das organizações e instituições que desenvolvem o trabalho de terreno, que necessitam de sentir esta proximidade com o Provedor e com a Provedoria.

Olhando para trás, há, sem dúvida alguma, um trabalho de referência, que foi desenvolvido até com algum cunho pessoal das anteriores provedoras. Ainda assim, agarrando neste pergaminho e dando-lhe continuidade, foi um trabalho feito numa visão onde se pretendia fazer prevalecer os direitos e trazer para cima da mesa todo o enquadramento legal dos direitos dos animais e as atualizações deste trabalho de enquadramento jurídico.

Na minha visão, é preciso um trabalho mais de rua, mais próximo das organizações e das instituições. Porque é preciso desmistificar uma situação: só podemos garantir os direitos da causa animal e que esta se torne uma causa defendida dando uma alavancagem às instituições ligadas à causa e não nos podemos esquecer das pessoas.

Já depois da Provedoria Municipal dos Animais de Lisboa, foi criado o cargo de Provedor Nacional dos Animais, que me parece muito importante para dar um trabalho de sustentabilidade aos provedores municipais. Parece-me necessário haver uma colaboração entre todas estas provedorias, não retirando a Lisboa o facto de ter sido pioneira e ser uma referência, que é uma característica a que pretendo dar continuidade.

Quais são os objetivos que pretende alcançar no seu mandato?

Estivemos sem Provedor Municipal do Animal de Lisboa durante quase um ano e foi preciso fazer um levantamento daquilo que eram as necessidades atuais do município em relação ao bem-estar animal. Também temos de olhar para as intenções do Executivo neste âmbito e, em paralelo, criar um gabinete multidisciplinar na Provedoria.

Desde que tomou posse já conseguiu fazer o levantamento dessas necessidades mais prementes?

Nos primeiros 15 dias de trabalho conseguimos perceber que a abordagem da Provedoria tem de passar pela multidisciplinaridade. Criámos um gabinete de consultoria multidisciplinar pioneiro que tem vários especialistas em diversas áreas de intervenção, como as ciências biológicas e a medicina veterinária, tanto de animais de companhia, como de animais de quinta e de pecuária. Não esquecemos o contexto jurídico de direito animal, o apoio à comunicação e estratégia autárquica, a educação e sensibilização juvenil, a ação social e a área da psicologia. Ao todo são 15 especialistas que irão trabalhar no âmbito da consultoria pro bono, não existe um custo do gabinete para os munícipes.

Temos a ideia, por exemplo, de propor um manual de gestão de colónias e que o grupo de psicólogos auxilie no terreno os cuidadores e as instituições no trabalho de sinalização da Síndrome de Noé.

Já conseguimos detetar que existe uma necessidade de intervenção muito célere no que concerne ao controlo das colónias de gatos. Existem sinalizadas mais de 1400 colónias de gatos, fora as que não estão devidamente sinalizadas. A nossa prioridade será recomendar que se olhe para estas colónias como uma necessidade urgente e que se criem os procedimentos para a existência de uma intervenção na área da esterilização, mas também na necessidade de dar formação aos cuidadores e às associações responsáveis por estas colónias. Temos de reconhecer o trabalho meritório que fazem no controlo da população e do acompanhamento aos gatos das colónias.

Temos também de olhar para a necessidade de criar linhas condutoras no que diz respeito à proteção e bem-estar animal. Iremos propor ao Executivo um regulamento de perceção e de bem-estar animal para o município, que não existe e, na nossa perspetiva, é urgente criar essas linhas condutoras e a regulamentação.

“O que me levou a aceitar foi aquilo que carrego como sendo a minha essência, que é estar ao serviço da sociedade, estar associado aos direitos daqueles que não têm voz e trazer à luz do dia esses direitos naquilo que me identifica, que é a causa animal, e os direitos das pessoas que protegem os animais”

Estas são as propostas que iremos apresentar ao Executivo para implementar até ao final do ano.

Essas linhas orientadoras para o bem-estar animal, são apenas para animais de companhia?

Não, é um todo. O regulamento que estamos a construir, e que, parte dele, já veio desenvolvido pela minha antecessora, é um regulamento transversal ao bem-estar animal, não apenas animais de companhia, mas todos os animais que possam estar à responsabilidade do município.

Em termos de orçamento, sabe qual vai ser o valor disponível? Os objetivos a que se propõe estão dependentes de ter massa financeira que os possa sustentar …

O orçamento previsto e aprovado na Assembleia [Municipal] tem limitações quanto àquilo que é a sua utilização. O próprio regulamento interno prevê a forma como o orçamento pode ser utilizado. O que acredito, e conto, é que o Executivo possa ir acompanhando em termos orçamentais as necessidades, de forma que os projetos e as respostas possam ser assegurados.

Mediante as iniciativas e as necessidades orçamentais, elas irão ser propostas caso a caso, medida a medida, e contarei com o apoio do Executivo em relação a outras medidas.

Uma das questões que suscitou mais visibilidade aos anteriores provedores municipais foram as queixas relativamente às condições da Casa dos Animais. Já conseguiu averiguar qual a situação das instalações?

A chefe de unidade reformou-se e foi nomeada uma nova chefe de unidade. O que percebi é que existe uma sensibilidade por parte do Executivo para acompanhar a reestruturação das necessidades e na primeira visita que fiz as primeiras impressões foram muito positivas.

Estamos a falar de 400 animais que estão à guarda da Casa dos Animais. Estão a ser desenvolvidos melhoramentos em termos de infraestruturas – já foi salvaguardado o armazém que necessitavam para alocar a logística – e está a existir uma clara aposta na união de sinergias com o grupo de voluntários, que tem vindo a crescer e tem sido um recurso muito bem utilizado.

No dia em que fiz a visita estavam a iniciar funções os novos veterinários, já que houve um reforço de veterinários para que pudessem ser dadas respostas, nomeadamente na questão das esterilizações. Aliás, vai estar uma pessoa dedicada à geolocalização das colónias.

Fiquei muito satisfeito com o que vi.

Vamos também sugerir que o staff da Casa dos Animais e os voluntários possam ter um acompanhamento no âmbito da formação.

Existem dificuldades e desafios, mas existe um empenho em melhorar esta questão das infraestruturas e dos recursos humanos.

Que recursos e estratégias são necessários para a política de esterilizações e para o controlo das colónias de animais errantes num grande município como Lisboa?

No que respeita ao controlo das colónias de gatos, temos de implementar uma abordagem CED – capturar, esterilizar, devolver – a dificuldade é, no processo de devolução, reunir as condições necessárias para garantir que estas vão ao encontro das necessidades dos animais e, assim, garantir que é feita uma devolução com sucesso em termos de continuidade de tempo.

“Iremos propor ao Executivo um regulamento de perceção e de bem-estar animal para o município, que não existe e, na nossa perspetiva, é urgente criar essas linhas condutoras e a regulamentação”

Para que isto resulte, temos de proporcionar uma sinergia de parcerias entre todas as instituições, sejam elas garantidas por parte do Executivo, sejam elas obtidas na colaboração com organizações ligadas à causa ou até com parceiros privados no âmbito do bem-estar animal.

A única forma de conseguirmos garantir o sucesso é fazer a construção de pontes entre todos aqueles que podem ser parceiros, instituições privadas e públicas, para conseguirmos encontrar as respostas.

Quando fala em pontes está a referir-se às organizações que já fazem o trabalho de recolha, esterilização e devolução no terreno? Esse é um objetivo major do seu mandato?

O objetivo é criar, efetivamente, pontes entre todas as instituições que possam trazer o retorno necessário e as respostas que pretendemos no terreno. Estas pontes têm de ser construídas com o que todos os intervenientes podem dar, mesmo que seja uma pequena resposta, porque é o somatório dessas respostas que vai garantir um todo na busca das soluções.

Posso exemplificar com uma colónia de gatos que está num prédio devoluto que será demolido. Existe um parceiro, uma empresa que não está diretamente ligada à causa animal, mas que tem uma preocupação com a causa e foi sensível quando lhes apresentei a necessidade de construirmos uma jaula de contenção quando fizermos a recolocação dos gatos. Existe a possibilidade de esta empresa estar associada à relocalização desta colónia, patrocinando a criação da jaula. São estas sinergias que considero preponderantes para o sucesso do Provedor e da Provedoria nestas intervenções tão específicas.

Nas primeiras declarações enquanto Provedor disse queria tornar Lisboa num ecossistema agradável para todos os que lá vivessem, animais e pessoas. A capital sempre foi conhecida por ter um problema com a população de pombos. Como é que se constrói um ecossistema simpático para pessoas e pombos?

Lembro-me desde sempre do pombo como um animal que habita na cidade e não podemos continuar a olhar para o pombo como uma praga − ou como as pessoas lhe chamam de rato com asas −, mas sim como um animal que se adaptou às características e foi desenvolvendo respostas para sobreviver neste ambiente.

É necessário fazer também um trabalho de sensibilização com as pessoas em relação à forma como devem interagir com este animal na via pública.

As antecessoras na Provedoria dos Animais relataram uma carência de recursos humanos, técnicos e administrativos que ajudassem o desempenho das funções do cargo. Como pensa enfrentar estes possíveis constrangimentos que levaram até algumas das suas antecessoras a apresentarem a demissão?

O que se percebe é que com as anteriores Provedoras, de facto, existiu uma dificuldade na sensibilização do Executivo para que este conseguisse dar as respostas necessárias e pôr em prática as medidas pensadas pelas minhas antecessoras.

Aquele que é o meu maior desejo, e a minha maior expectativa, é que este Executivo esteja preocupado e acompanhe estas respostas e estas necessidades.

A minha esperança é que não existam barreiras entre a Provedoria e o Executivo, e acredito que não vão existir. Está previsto no regulamento de que meios é que a Provedoria dispõe e, estando alinhados na tal ponte construída entre a Provedoria, o Executivo e as outras instituições, acredito que não vão existir esses constrangimentos.

Nunca como agora as questões do bem-estar animal estiveram tão em foco, não só nos animais de companhia, mas também nos animais de produção. Considera que esta visibilidade dos direitos dos animais e o escrutínio sobre esta matéria vai ser benéfico ou prejudicial ao trabalho do Provedor?

Os holofotes estarão muito virados para o trabalho que fizer.

Sendo eu um defensor da causa, e sendo este o caminho feito, fico muito agradado que os maus-tratos a animais tenham juridicamente e socialmente quase o mesmo peso que os maus-tratos a uma pessoa.

Entendo que este olhar não recai apenas sobre mim, mas sobre todas as pessoas envolvidas, como os outros provedores, por termos essa responsabilidade e dever de conseguirmos garantir as respostas imediatas, tendo em conta aquilo que são as contingências e restrições no trabalho de um Provedor. Compreendo perfeitamente que os holofotes estejam virados para nós e exista uma expectativa muito grande de quem acompanha a nossa missão, porque as pessoas procuram quem ajude a trazer estas respostas e têm a expectativa que o Provedor consiga dar a tal voz que a causa precisa.

Foi para isso que vim e que será ao que me dedicarei a tempo inteiro: encontrar essas respostas.

E já recebeu as associações ligadas à defesa dos direitos dos animais?

Já estive no terreno a falar com os cuidadores, com uma associação. Tivemos alguns contactos não oficiais, mas na Provedoria irei disponibilizar um canal direto de contacto para as associações utilizarem a partir de setembro.

* Artigo publicado na edição 163, setembro, da revista VETERINÁRIA ATUAL.

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