Os animais de companhia em Portugal, cuja competência pertencia ao Ministério da Agricultura, estão, desde sexta-feira (1 de janeiro), sob a tutela do Ministério do Ambiente e Ação Climática. Uma mudança contestada por veterinários, agricultores, caçadores e académicos.
A intensão de transferir a tutela dos animais de companhia do Ministério da Agricultura para o Ministério do Ambiente surgiu depois de terem morrido queimados dezenas de animais, num incêndio que destruiu dois abrigos ilegais na serra da Agrela, em Santo Tirso, em julho do ano passado.
Os animais de produção continuarão, no entanto, sob alçada da Direção-Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV). De acordo com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, o “número imenso” de quase 2,75 milhões de animais de companhia registados em Portugal deve ser tratado independentemente, bem como os animais errantes.
Recorde-se que, na sequência da morte de cerca de 70 animais dos abrigos ilegais “Cantinho de Quatro Patas” e “Abrigo de Paredes”, no fim de semana de 18 e 19 de julho, demitiu-se o diretor-geral da DGAV.
Reagindo à morte dos animais, o primeiro-ministro, António Costa, considerou o sucedido intolerável e anunciou, na altura, que iriam ser estudadas mudanças na “orgânica do Estado”.
O Governo alterou a lei orgânica do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) para que este assuma a competência do bem-estar dos animais de companhia e criou a Provedoria do Animal, que será liderada por Laurentina Pedroso, professora e antiga bastonária da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV).
Em agosto, o ministro do Ambiente e Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, afirmou que a tutela procurará “criar todas as condições para que os animais de companhia tenham uma vida feliz”, o que consistirá em esterilizar e em apostar na promoção da adoção.
Recorde-se que, no passado dia 28 de dezembro, mais de 40 entidades escreveram uma carta aberta a António Costa e ao Presidente da República alertando para “graves consequências” da passagem de tutela dos animais de companhia e errantes. Assinalaram que “ignora a opinião unânime de técnicos especialistas nacionais e internacionais e coloca em risco a saúde das populações e dos próprios animais”.
Os subscritores do documento, dirigido ao Governo e ao Presidente da República, consideram que separar as competências sobre a saúde e bem-estar animais “é desastroso para a execução dos planos de controlo e para os sistemas de alerta de doenças” como a leishmaniose ou a toxoplasmose, contestando o “desmembramento da DGAV”.
Apelam à revisão da medida e defendem, em contrapartida, que se invista “numa autoridade veterinária nacional única, competente e robusta, com independência técnica e dotada dos meios e recursos necessários ao desenvolvimento da sua missão”.
Em declarações à agência Lusa, no início de dezembro, o bastonário da Ordem dos Veterinários, Jorge Cid, considerou que “transferir a tutela dos animais de companhia para o ICNF fará Portugal recuar 50 anos relativamente às melhores práticas dos seus parceiros europeus”.
A decisão do Governo contraria, inclusivamente, “as orientações de instituições europeias e internacionais”, nomeadamente “a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Comissão Europeia”, o que poderá pôr em causa “a reputação de Portugal enquanto Estado-membro da União Europeia e a sua relação com os restantes Estados-Membros”, argumenta.