O ano de 2017 foi pródigo para o sector veterinário. Felizmente temos assistido a uma evolução muito positiva do sector nos últimos anos. Inseridos num contexto económico, social e político relativamente estabilizados, e com os níveis de incerteza (em relação ao nosso país) a diminuir substancialmente há espaço para o aumento da confiança dos consumidores e do seu poder de compra. Gostaria de partilhar algumas tendências de mercado que projecto para o ano de 2018:
- O ritmo de abertura de novos CAMV não vai ser tão acelerado como o dos anos anteriores. Se, por um lado, já se observam mais algumas insolvências de empresas face aos anos anteriores, por outro manter-se-á um nível interessante de aberturas de novos CAMV. Muitos dos “nichos” de mercado que abundavam nos anos anteriores, tendo também por base a localização geográfica, estão cada vez mais preenchidos e uma maior percepção dos veterinários em relação ao que é ser empreendedor (ainda que continue a ser insuficiente), tem evitado mais aberturas de novos CAMV.
- A tendência de abertura de novos CAMV de empresas já existentes no mercado irá manter-se. Para muitos directores clínicos e gestores, o significado da palavra “crescer” está necessariamente ligado à abertura de novos espaços. Porém, este pensamento nem sempre está correcto, principalmente quando a solução é abrir uma nova unidade porque a unidade principal não está a ter um desempenho favorável. Tenho a convicção que o ritmo mais acelerado de abertura de novos CAMV manter-se-á até final de 2019 e que a partir daí obrigatoriamente haverá um abrandamento significativo desta tendência, porque o mercado evidenciará de forma inequívoca que está saturado.
- Fruto de uma maior diversificação de serviços, aumento da pressão concorrencial e desenvolvimento de novas sinergias empresariais, começo a acreditar que o que esperava já para o ano passado se intensifique em 2018: as operações de concentração, seja pela via da aquisição ou fusão entre empresas do sector veterinário. Seja num negócio feito à mesa com amigos ou através de capitais de risco. Sejam nacionais ou internacionais. Seja por aquisição parcial ou total. O paradigma já está a alterar-se. Começa a fazer cada vez mais sentido que se adquiram unidades existentes, minimamente profissionalizadas e com bom nível de rentabilidade, do que erguer projectos de raiz.
- Nos anos mais recentes falou-se muito de estruturas e estratégias low cost. Já repararam que em 2017 já não fez parte da lista dos hot topics? Não deixa de ser um segmento a ser explorado, com todos os prós e contras que essa estratégia envolve, no entanto a melhoria da conjuntura económica e social remeteu este conceito de low cost para um segundo plano. E ainda bem, pois temos que continuar a elevar, reconhecer e dignificar a medicina veterinária em Portugal.
- Há cada vez mais estruturas altamente profissionalizadas, onde se começa a relevar o papel fundamental do Practice Manager. Este elemento é (ainda) uma “espécie rara” em Portugal. É muito difícil encontrarmos um gestor all-rounder que domine matérias como a gestão estratégica, marketing, recursos humanos, finanças, fiscalidade, gestão de operações e, mais importante ainda, que perceba de veterinária. O binómio Veterinário/Gestor é um desafio muito grande… Não obstante, por imposição do crescimento de muitas empresas veterinárias, já se começam a formar alguns bons Practice Managers no mercado nacional. As estruturas de maior dimensão têm forçosamente que considerar a introdução deste novo elemento, desta nova função, e neste momento temos já algumas estruturas de grande dimensão no país a pedirem-nos ajuda para identificarmos potenciais colaboradores para esse cargo.
- Uma tendência generalizada há vários anos é a da maior rotação dos clientes pelos CAMV. Ainda que a taxa de deserção esteja a diminuir nos anos mais recentes, continua a apresentar um valor próximo dos 41,3%, segundo os dados de Dezembro de 2017 do Observatório do Mercado (OMV). Ou seja, em cada 100 clientes há 41 que não visitam o CAMV há mais de 12 meses. Estou plenamente convicto que o nível de rotação dos clientes manter-se-á próximo daquele valor nos próximos 2/3 anos.
- A propósito do ponto anterior é de relevar o conceito de customer journey, que não é mais do que a jornada que o consumidor percorre num processo de tomada de decisão, desde o ter ouvido falar de um CAMV até o momento em que concretiza a sua visita. Neste processo, as empresas têm que ir acompanhando o customer experience nos mais variados pontos de contacto, o que significa uma maior atenção dos CAMV no nível de satisfação e expectativas dos seus clientes. Uma tarefa cada vez mais exigente, perante um cliente cada vez mais informado e arguto, e que envolve inevitavelmente automatismos e instrumentos de marketing digital na estratégia de relacionamento com os clientes.
- O envio massivo de emails e/ou e-newsletters é já uma estratégia ultrapassada. O mercado agora exige-nos outras inovações na política de relacionamento com os clientes. Esta estratégia do spray-and-pray é ainda muito utilizada nos CAMV e, em muitas situações, pouco eficaz ao nível dos resultados. Em 2017 identificámos uma maior aposta no SMS-Marketing, com acções cada vez mais segmentadas e nos nossos projectos de consultoria temos vindo a promover mais as acções de smart SMS, onde os textos são acompanhados de links directos para vídeos ou imagens alusivas ao conteúdo do SMS, assegurando uma maior personalização da comunicação. Esta técnica tem apresentado resultados muito satisfatórios, nomeadamente ao nível de campanhas temáticas, e que certamente será potenciada em 2018. Já estamos habituados a ouvir falar, há alguns anos, de mobile responsive, SEO, social media ou video marketing, mas outros conceitos e tecnologias cada vez mais em voga, e que potenciam o marketing relacional com os nossos clientes, tais como o chatbot (assistente digital), realidade aumentada, instant messaging, design thinking ou marketing automation são instrumentos de marketing que darão verdadeiramente os primeiros passos no sector veterinário. E já em 2018.
- As novas tecnologias estão a alterar a forma de pensar e trabalhar de inúmeras organizações, incluindo no sector veterinário. Surgem equipamentos cada vez mais sofisticados, apps em prol do diagnóstico médico-veterinário ou do relacionamento com os clientes, softwares de gestão de CAMV com valências na área da gestão estratégica, introdução do conceito de realidade virtual para apoio à tomada de decisões de natureza clínica, entre muitas outras tecnologias. O “céu é o limite” para o mundo tecnológico, mas fica uma certeza para 2018: vamos continuar a ter “todos os dias” novidades que certamente irão potenciar o negócio e/ou optimizar os processos dos CAMV.
- O canal online de vendas de produtos alimentares, acessórios e outros produtos continuará a crescer, posicionando-se naturalmente como um concorrente directo dos CAMV. A tendência será para se manter nos próximos anos, pois o potencial da economia digital está acima de qualquer outra estratégia que se pretenda desenvolver para evitar que isso aconteça.
- Da mesma forma, a alteração tecnológica nos processos produtivos, aliada a uma maior propensão para a investigação e inovação, permitirá que o mercado continue a receber novidades da indústria farmacêutica, alimentar, dos consumíveis ou mesmo de acessórios de petshop.
- Quanto às petshops, temos verificado que o mercado tem recebido novos players, com estratégias comerciais sustentadas e de longo prazo, e com poder económico para expandir a marca por várias localidades, associando serviços médico-veterinários nos seus consultórios veterinários e com uma oferta interessante ao nível dos serviços de grooming e acessórios. Este movimento mais recente de empresas nacionais e internacionais (fundamentalmente ibéricas) trouxe um novo dinamismo no mercado de acessórios pet, potenciando, por inerência, as necessidades dos consumidores neste tipo de produtos e serviços.
- Curiosamente, em 2017 assistimos no território nacional à abertura de vários espaços de bem-estar animal. Estamos a falar do conceito de pet spa e dos hotéis para animais. Estruturas independentes, de grande dimensão, com divisões funcionais dotadas de equipamentos específicos e de última geração e com uma orientação efectiva para o bem-estar dos animais. É um segmento de mercado que tem vindo a crescer em Portugal, tendo a expectativa que 2018 será igualmente um ano de várias novidades a este nível. A curto e médio prazo haverá eventualmente margem para se apostar em hotéis de luxo, com um posicionamento de mercado marcadamente premium.
- O conhecimento do cliente é claramente um dos objectivos estratégicos de qualquer organização, seja no segmento business-to-consumer (B2C) ou business-to-business (B2B). Grandes empresas que trabalham no sector veterinário têm muitos dados dos seus clientes (localização, potencial da zona, nível de interacções, nível de compras, rotação de stocks, etc.), no entanto muitas delas têm dificuldade em converter os dados em verdadeira informação de gestão, que é fulcral para uma melhor adaptação dos produtos e serviços às reais necessidades dos seus clientes (leia-se CAMV). É aqui que o big data e o business intelligence assumem um papel determinante para um melhor conhecimento do cliente, das suas necessidades, expectativas e comportamentos. É uma tendência que ainda não está enraizada no sector veterinário, mas que dará os seus primeiros passos já a partir de 2018.
- Por falar em clientes, há um hot topic para 2018: o novo Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD), que entrará em vigor a 25 de Maio de 2018 e que altera profundamente a forma como recolhemos e trabalhamos os dados dos clientes, pois amplia a protecção dos dados pessoais na medida em que inclui obrigações legais para os processadores de dados. Esta alteração terá um impacto enorme na forma de trabalhar de milhões de empresas da União Europeia e, naturalmente, com implicações no funcionamento dos CAMV, habituados a solicitar dados pessoais aos clientes aquando do preenchimento da ficha do cliente e também a comunicar por via de canais remotos, tais como o SMS ou email. Porém, e apesar do Regulamento entrar em vigor já em Maio, ainda persistem muitas dúvidas na sua forma de implementação, razão pela qual estão a ser promovidas dezenas de conferências pelo país sobre esta temática. Até à própria Comissão Nacional de Protecção de Dados subsistem dúvidas…
- Em Portugal estima-se que haja 2,1 milhões de lares com pelo menos um animal de estimação (56% do total de lares, quando em 2013 eram apenas 50%). Estima-se que existam mais de 6,2 milhões de animais de estimação, dos quais 2,2 milhões são cães e 1,4 milhões são gatos. Ou seja, muitos mais do que uns anos antes. Cerca de 12% do orçamento das famílias portuguesas é dirigido para os gastos com animais de estimação. Cerca de metade das famílias considera o seu animal de estimação um membro da família. Perante estes factos somos ou não um país pet friendly? Claro que somos e é obviamente uma boa notícia para os CAMV, pois a crescente consciencialização do mercado em relação à saúde e bem-estar dos animais de estimação, implica necessariamente o aumento da frequência média de visitas e alavancagem do negócio.
- Nos últimos anos constata-se que há uma preocupação crescente com a qualidade de serviço prestado ao cliente e algumas das evidências são: modernização das instalações (cada vez mais acolhedoras, aprazíveis e cómodas para os clientes e pacientes), maior foco no cliente (comunicação multicanal, marketing digital, campanhas, inquéritos à satisfação, eventos internos e externos, “mimos” para os clientes, entre outros) e aposta na comunicação e imagem (processos de rebranding, merchandising, fardas, estacionário e material promocional). Ainda que o marketing digital comece a ganhar terreno ao marketing tradicional (offline), este ainda se afigura como preponderante na indústria veterinária.
- À semelhança dos anos mais recentes, a política de responsabilidade social continuará a ganhar pontos no nível de percepção dos consumidores. É verdade que na realidade estaremos, na maioria das situações, a falar de marketing social, contudo é inegável que as acções desenvolvidas pelos CAMV transportam e geram valor para as entidades com fins sociais (não lucrativos) que se encontram envolvidas. As acções de responsabilidade social podem capitalizar bastante a notoriedade de um CAMV, bem como potenciar o aumento do negócio, ainda que numa primeira fase os níveis de rentabilidade sejam tendencialmente baixos. Com o aumento dos CAMV, do volume global dos negócios, do número de animais de estimação e da consciencialização da sociedade para os cuidados médico-veterinários, estimo um aumento de apoio de entidades privadas e públicas às causas de cariz social.
- Do mesmo modo notamos que as estruturas mais metódicas e rigorosas têm uma preocupação crescente em gerir profissionalmente a sua empresa, tendo cada vez mais preocupação com o bem-estar dos seus colaboradores, com os processos de comunicação interna, com os protocolos clínicos, com a gestão de stocks, entre muitos outros aspectos estratégicos e operacionais. A Gestão Veterinária é hoje, e de forma inequívoca, um tema premente na maioria dos CAMV em Portugal e 2018 será mais um ano de crescimento a este nível.
- A formação faz parte do desenvolvimento profissional e pessoal dos colaboradores. Se já existe muita oferta ao nível da formação clínica, a nível nacional e internacional, o mesmo não se poderá dizer ao nível da formação não-clínica, em áreas de relevo como atendimento comercial, finanças para não financeiros, gestão de conflitos, gestão de tempo, gestão de stress ou trabalho em equipa. Este tipo de formações são claramente uma oportunidade para 2018.
- A onda de emigração dos médicos veterinários para outros países da Europa, que oferecem condições salariais e de progressão na carreira mais interessantes, manteve-se em 2017 e prevejo que 2018 seguirá a mesma tendência. Este processo de emigração, além de nos desprover de bons talentos na área da medicina veterinária, está a ter implicações nas condições remuneratórias dos médicos veterinários: quem disse que há excesso de médicos veterinários? Pelo contrário, 7 em cada 10 CAMV por onde passámos estão regularmente à procura destes profissionais. Por força de uma menor oferta face à procura identificámos em 2017 um aumento médio das condições salariais dos médicos veterinários, não se observando tanto a precariedade dos anos anteriores. Em 2018, considerando o paradigma do mercado actual, prevejo que haja espaço para um novo aumento médio das condições remuneratórias dos médicos veterinários, no sentido de os reter e minimizar a rotação para outros CAMV.
- Há já uns 3 anos que se fala incessantemente, em Portugal, nos planos de saúde. Compreendo perfeitamente a sua finalidade e os benefícios associados a este pacote de (potenciais) tratamentos, produtos e outros serviços. Contudo temos que nos circunscrever à realidade do nosso país: culturalmente não estamos totalmente preparados para adoptar políticas de medicina preventiva. Provavelmente é por isso que também os seguros de animais de estimação ainda não vingaram no mercado nacional, apesar de já existirem há vários anos. Ao contrário de outros países europeus, ou mesmo nos EUA, onde não é praticamente admissível que um animal não tenha um seguro ou plano de saúde associado. Já não acreditava muito no potencial dos planos de saúde há uns anos e mantenho a minha opinião para os próximos anos, pois aspectos psicográficos, sociais e culturais de uma sociedade não se alteram em tão pouco tempo.
- Todavia, tenho a crença de que os seguros de saúde animal ainda não vingaram no mercado nacional não tanto por “culpa” dos CAMV, mas sim das seguradoras que ainda não apostaram verdadeiramente em estratégias de comunicação suficientemente massificadas e sedutoras para o mercado nacional. Provavelmente as coberturas dos seguros também terão que ser repensadas. Com a entrada de novos players no mercado, que normalmente são de grande dimensão, acredito que em 2018 o mercado dos seguros animais possa assistir a uma forte dinamização comercial.
- Last but not least observamos que tem havido uma crescente preocupação de vários stakeholders em profissionalizar o sector, em variados domínios, e outras matérias em curso na OMV como o regulamento das especializações, o reconhecimento do acto médico-veterinário ou a possibilidade de isenção do IVA nos serviços veterinários, a confirmarem-se serão seguramente uma vitória para toda a classe médico-veterinária, que tanto merece estes reconhecimentos por aquilo que representa na sociedade e pelo seu papel social perante os tutores e na prestação de cuidados de saúde e bem-estar dos animais.
Desejo a todos um Feliz ano de 2018 e muito sucesso nos negócios!
(O autor escreve de acordo com a antiga ortografia)