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Médicos Veterinários

Especialidades veterinárias: uma vontade da classe, mas um caminho (ainda) sem consenso

Pedro Fabrica desloca-se aos Açores para debater o futuro da profissão Direitos reservados

Foram dois dias dedicados à especialização em medicina veterinária que serviram para dar mais um passo neste percurso que já conta com vários anos de história. O XV Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários conseguiu reunir o consenso entre os presentes: os colégios de especialidade são fundamentais para a profissão. Como chegar à constituição desses colégios, que áreas são passíveis de especialização e quem poderá aceder ao título já são temas mais controversos.

A Fundação Engenheiro António de Almeida, no Porto, recebeu a 3 e 4 de outubro o XV Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) que este ano teve como tema central a “Especialização Médico-Veterinária”.

 

Logo na abertura do encontro, João Niza Ribeiro, presidente da Assembleia Geral da OMV que conduziu os trabalhos durante os dois dias, começou por reconhecer que se tratou de uma “iniciativa a todos os títulos importante, trazer para um Congresso a questão das especialidades”, lembrando de seguida que se trata de “uma questão que já nos ocupa na Ordem há alguns anos e que merece, de facto, um percurso no sentido de chegar a um bom porto. Penso que este Congresso tem, a todos os títulos, essa capacidade [de gerar consensos]”.

Pedro Fabrica foi mais longe: “Este Congresso será, então, o pontapé de saída para a criação de um regulamento de especialidades [médico-veterinárias] em Portugal”. O bastonário da OMV assumiu que é um desígnio apresentar até ao fim do mandato, em 2027, aquele que será o regulamento de especialidades da Ordem representativa dos médicos veterinários.

 

O tema da especialidade já vem sendo tratado em vários congressos da OMV sem que nunca tivesse resultado em nenhum avanço significativo, como deu nota a conferência de Miguel Lopes Jorge, presidente do Conselho Fiscal da OMV, que percorreu a forma como estes encontros foram abordando a especialização veterinária ao longo das décadas.

Desses impasses – alguns legislativos, outros por falta de unanimidade entre os profissionais – resultou que a classe médica veterinária é a única da área da saúde (entre farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, enfermeiros, médicos dentistas, médicos) que não tem no seio da ordem profissional a constituição de colégios de especialidade.

 

“[A especialização em medicina veterinária] é uma questão que já nos ocupa na Ordem há alguns anos e que merece, de facto, um percurso no sentido de chegar a um bom porto.” – João Niza Ribeiro, presidente da Assembleia Geral da OMV

Lembrando que, segundo o Estatuto da OMV, o Congresso “é um órgão consultivo do âmbito nacional, Pedro Fabrica referiu que todos os colegas presentes passam a ser consultores sobre o tema. Neste sentido, quis ouvir os participantes sobre os três modelos possíveis de especialização, assegurando que não se tratava de propostas finais, apenas de ideias a serem discutidas pelos médicos veterinários. Detalhando: o Modelo A inclui a criação de dois títulos – um título de “especialista” obtido através da certificação pelo European Board of Veterinary Specialisation (EBVS) e um título de “certificado” obtido através da OMV – enquanto o Modelo B apenas admite a criação do título de especialista através da OMV. Já no Modelo C – que Pedro Fabrica reconheceu não saber se há quadro legal para a sua implementação – implica a criação do título de especialista com duas variantes: especialista internacional, via EBVS ou outra entidade congénere estrangeira, e especialista nacional, via OMV.

 

Os dois momentos abertos à discussão entre os congressistas e o Conselho Diretivo da OMV – na sessão que encerrou o primeiro dia do encontro, em que o bastonário apresentou os modelos, e a sessão que abriu os trabalhos no sábado, em que estiveram os representantes das várias associações profissionais da classe – foram concorridos e tiveram uma participação bastante acesa. Todavia, o único consenso, para já, é que a criação de especialidades no seio da profissão médico-veterinária é uma urgência e um sinal de valorização da classe. A VETERINÁRIA ATUAL fará o relato detalhado da proposta apresentada por Pedro Fabrica e dos momentos de debate na próxima edição da revista, em novembro.

A necessidade de criação de especialidades no seio da OMV foi apontada por Pedro Fabrica na sessão de abertura do encontro. “Este é o nosso propósito. Garantir a criação de um título especialista, que seja inequivocamente visto como um selo de qualidade de uma específica área de conhecimento da medicina veterinária, com a chancela da Ordem dos Médicos Veterinários, reconhecido entre pares e uma referência para os destinatários dos nossos serviços de médicos veterinários”, sublinhou o responsável.

Apesar de reconhecer que “o caminho é complexo, como tem provado a história da Ordem em torno deste tema”, o representante máximo dos médicos veterinários considera que, com a revisão do Estatuto da OMV encetada a propósito da nova legislação referente às ordens profissionais, “as condições legais e estatutárias estão reunidas para finalmente podermos avançar”.

Para o Congresso, e para a discussão de propostas que se irá seguir, Pedro Fabrica pediu aos colegas de profissão “urbanidade”, “sentido de classe e união” e que todos colocassem “os interesses da profissão acima dos interesses individuais, lembrando que este presente que estamos a construir só será realmente significativo se valorizarmos a medicina veterinária, permitindo aos nossos jovens e futuros colegas receberem um legado que os permita ficar, crescer e evoluir em Portugal”.

“Este Congresso será, então, o pontapé de saída para a criação de um regulamento de especialidades [médico-veterinárias] em Portugal.” – Pedro Fabrica, bastonário da OMV

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Criação das especialidades médico-veterinárias “é de uma pertinência indiscutível”

Quem também apelou à união da classe médico-veterinária na sessão de abertura foi Paulo Teixeira, presidente do Conselho Regional do Norte da OMV e anfitrião do encontro. O dirigente mostrou-se muito entusiasmado com o redesenhar da profissão na sociedade – com um papel cada vez mais destacado na saúde dos pequenos animais, no bem-estar dos animais de produção, na proteção das espécies selvagens, na inspeção sanitária, na investigação, entre outras funções – e com a juventude que chega à profissão, já que a grande a maioria dos colegas inscritos na OMV tem menos de 40 anos. Ainda assim, Paulo Teixeira destacou que “nunca foi tão importante pensar na coesão da nossa classe”. E complementou: “É importante dizer que uma das nossas maiores fragilidades continua a ser a falta de união e o espírito classista entre os colegas. Mas é na diversidade das áreas de atuação e na consciência do quanto nos completamos uns aos outros que deverá residir a nossa força”.

Sobre o Congresso, Paulo Teixeira, referiu que “o tema central que nos convoca, o futuro da profissão e o caminho a seguir para as especialidades veterinárias em Portugal, é de uma pertinência indiscutível. Estamos todos de acordo com isto”. Todavia, apelou à participação dos médicos veterinários na discussão de modelos de especialização, na apresentação de propostas aos órgãos que representam os profissionais, pois, na opinião do presidente do Conselho Regional do Norte, “a Ordem dos Médicos Veterinários e o Conselho Regional não poderão ser um saco no qual se encontra resposta para tudo. Os colegas não deverão procurar todas as respostas, justificações e mudanças necessárias para a classe na Ordem e nos seus corpos sociais. A mudança tem também de começar em cada um de nós”.

“É importante dizer que uma das nossas maiores fragilidades continua a ser a falta de união e o espírito classista entre os colegas. Mas é na diversidade das áreas de atuação e na consciência do quanto nos completamos uns aos outros que deverá residir a nossa força.” – Paulo Teixeira, presidente do Conselho Regional do Norte da OMV

O momento atual da OMV e da profissão não passou ao lado da intervenção de Paulo Teixeira que lembrou outras matérias que continuam no centro das preocupações dos médicos veterinários. Em primeiro lugar, a definição do ato médico veterinário, que desempenhará um papel importante no reconhecimento dos médicos veterinários enquanto profissionais de saúde, a definição da carreira especial de médico veterinário e, por último, a reivindicação, já antiga, de redução da taxa de IVA dos serviços veterinários. “Partilho convosco que, numa das atividades do Conselho Regional do Norte, estive num evento em que estavam outros profissionais de saúde e ficaram todos estupefactos porque desconheciam que um serviço de medicina veterinária é taxado a 23%”, contou o médico veterinário, que acrescentou: “É incrível como todos os colegas [da área da saúde] acham que nós somos taxados com IVA de 0%. Infelizmente, não somos. Fica aqui também um pequeno recado de que estamos nessa luta”.

João Niza Ribeiro não quis acabar a sessão de abertura sem fazer um esclarecimento aos presentes, lembrando que “a questão das carreiras e das especialidades são ambas relevantes, mas há um pequeno detalhe [que as distingue]: É que a questão das especialidades da Ordem depende de a Ordem chegar ao regulamento. Sabemos que as carreiras dependem da Ordem, mas, fundamentalmente, não dependerão só da Ordem”. Na perspetiva do presidente da Assembleia Geral da OMV estas “são duas lutas diferentes, complementares” e o dirigente acredita que o Congresso poderá desempenhar um papel fundamental no que será o desenrolar destas matérias tão importantes para os médicos veterinários.

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