Uma mesa-redonda tem uma duração demasiado curta para que sejam esclarecidas todas as dúvidas relacionadas com a aquisição de uma clínica por um grande grupo. Ainda assim, três representantes de empresas que chegaram ao mercado português tentaram clarificar muitos dos pontos desconhecidos, ao mesmo tempo que tiveram a oportunidade de dar a conhecer o projeto em que estão envolvidos.
A Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC) e o Grupo de Interesse Especial em Gestão e Administração Veterinária (GIEGAV) organizaram a mesa-redonda “Entrada dos grandes grupos em Portugal… e agora?”. Integrada num evento promovido pela APMVEAC onde foram discutidas outras temáticas, como a maior rentabilidade nos Centros de Atendimento Médico-Veterinários (CAMV), a mesa-redonda teve como objetivo abordar diversos assuntos relacionados com a entrada dos grandes grupos no País. Foram convidados para falar sobre o tema Guilherme Assis, da Unavet-OneVet Group, Margarida Tomé, da VetPartners e Tiago Trovão, da IVC Evidensia, sob a moderação da médica veterinária Mafalda Pires Gonçalves, do GIEGAV.
A sessão, que decorreu na Fundação Cidade de Lisboa, no dia 25 de junho, iniciou com uma palavra de Mafalda Pires Gonçalves sobre a motivação de discutir o “hot topic” que é a entrada das corporate no mercado português. “Surge exatamente para responder às questões da classe”, evidenciou a moderadora, focando a existência de “certos mitos”, razão pela qual foram convidadas “as pessoas certas para falar sobre o que implica a entrada dos grandes grupos em Portugal”. Explicou também que previamente foi feita uma auscultação sobre as questões que os profissionais gostariam de ver respondidas. “As perguntas tiveram que ser selecionadas”, referiu, porém, indicou que foram incluídas as “mais importantes, relacionadas com vários aspetos da classe”, entre as quais os colaboradores, que “quando ouvem falar deste tema a empresa onde trabalham já foi comprada.”
Antes de dar início ao debate, a moderadora solicitou a cada um dos intervenientes uma breve apresentação das empresas (ver caixa), lançando depois uma questão ligada às estratégias de gestão e bem-estar profissional que os três grupos têm em relação aos colaboradores.
  Para Guilherme Assis da Unavet-Onevet Group “não faz sentido comprar uma unidade e o seu diretor clínico deixar a unidade”, pelo que falou na existência de “instrumentos para cativar” esse profissional a manter-se naquele projeto”.
Na IVC Evidensia é designado em cada centro e/ou clínica um profissional “responsável pelos colaboradores, que tem a função de ser a pessoa de contacto”, segundo o representante do grupo, Tiago Trovão. Ou seja, “é alguém que tem de estar atento aos sinais de mal-estar na equipa”, de forma que os colaboradores que necessitem tenham acesso a apoio psicológico. Contudo, o orador explicou que em Portugal ainda não existe este serviço prestado por psicólogos e dirigido aos médicos veterinários. Para já, ainda só funciona em alguns países europeus. “Quando alguém é identificado como necessitando deste tipo de apoio, há três escalões de ajuda ao veterinário, auxiliar ou enfermeiro, com um determinado acompanhamento. Será aquele responsável a alertar para o facto de um colaborador precisar de ajuda, porque muitas vezes o próprio não quer assumir a situação”, observou Tiago Trovão, considerando fundamental “consciencializar a equipa de que não há receio em dizerem que não estão bem”.
O representante do Unavet-OneVet Group, Guilherme Assis, destacou que já foram implementados “vários programas ao longo do tempo e uns têm resultado, outros não” e especificou que sempre que é admitido um novo funcionário na Unavet-OneVet Group é acompanhado por “um mentor nomeado dentro da unidade”, que poderá esclarecer todas as questões que possam surgir. Além disso, “temos um ciclo de formação interna que vai desde a liderança às formações técnicas”, frisou.
Atribuindo muita importância ao bem-estar profissional, a responsável pelo desenvolvimento da VetPartners no nosso País, Margarida Tomé, salientou o papel do diretor clínico na identificação de determinadas situações. Relativamente à formação, a oradora referiu que deve também passar pelo desenvolvimento pessoal. “Juntamente com o diretor clínico da unidade, há a possibilidade de identificar o grau de evolução de cada um dos elementos e, assim, planear antecipadamente um plano de desenvolvimento de carreira, incluindo a componente pessoal.”
Respeitar a identidade de cada unidade
E que tipo de liberdade o médico veterinário poderá ter?, questionou Mafalda Pires Gonçalves, perguntando também sobre eventuais protocolos. Margarida Tomé mencionou que “tal como acontece com as pessoas, em que não há duas iguais, também não existem duas clínicas iguais”, pelo que “o grupo respeita a identidade e o ADN de cada uma das suas unidades”. Neste sentido, disse que tentam perceber o modo com que cada unidade trabalha e salientou haver sempre “diálogo com o diretor clínico”. Acrescentou que “não existe um protocolo pré-definido e uniforme, porque cada unidade é diferente. O comité científico, com base em guidelines internacionais, pode ajudar a aperfeiçoar protocolos”.
Para Tiago Trovão, quando o grupo integra na rede uma clínica tem de ter atenção em “não se sobrepor à própria individualidade”. No entanto, “consegue definir guidelines cientificamente corretas e dispõe de um comité científico ibérico, que tenta uniformizar o serviço numa perspetiva de melhorar o serviço prestado ao cliente”.
A moderadora prosseguiu o debate trazendo para cima da mesa o papel assumido pelo diretor clínico, ao que Guilherme Assis comentou que os protocolos das unidades do grupo são implementados juntamente com o diretor clínico. “Uma das grandes vantagens do grupo é tirar o peso da gestão financeira e de recursos humanos aos diretores clínicos, que estarão mais dedicados à prática clínica”, apontou e disse que a equipa é escolhida pelo diretor clínico, sem prejuízo de “serem apresentados alguns candidatos” por iniciativa do grupo.
Também na IVC Evidensia é o diretor clínico quem escolhe os elementos com quem irá trabalhar, tendo acesso aos mais variados dados relacionados com a gestão financeira, “o que mostra transparência”, afirmou Tiago Trovão. Na VetPartners, o diretor clínico é incluído na discussão do plano de negócio, segundo Margarida Tomé.
De acordo com Margarida Tomé da VetPartners, “melhorar as qualificações das pessoas é essencial para que as condições de trabalho melhorem”.
No tocante à contratação, os novos médicos veterinários são cativados “pelas oportunidades que o grupo oferece e pelo que poderão aprender pelo facto de pertencerem a um grupo”, destacou Tiago Trovão.
Este aspeto foi partilhado por Guilherme Assis, que enfatizou a “partilha de experiência, a formação interna e externa e a potencialidade de desenvolvimento e know-how”.
De acordo com Margarida Tomé, “melhorar as qualificações das pessoas é essencial para que as condições de trabalho melhorem”. Manifestou ainda a intenção de a VetPartners pretender “trabalhar as parcerias com as faculdades”, no sentido de “haver ligação com futuros veterinários”, até para “conhecerem a vantagem de trabalharem nas unidades do grupo”.
O que procuram os grandes grupos?
Quem assistiu à mesa-redonda “Entrada dos grandes grupos em Portugal… e agora?” teve a oportunidade de colocar algumas questões e, mais tempo houvesse, mais perguntas teriam sido dirigidas aos representantes dos grupos IVC Evidensia, Unavet-OneVet e VetPartners. A título de exemplo, ao serem questionados sobre o que procuram, Margarida Tomé disse que o intuito é “continuar a valorizar”, até porque, “cada unidade tem a sua identidade e queremos trabalhar o desenvolvimento desse projeto e das pessoas”. De acordo com Guilherme Assis, “a equipa é fundamental e é o que valoriza a unidade”. Mas, por outro lado, “também é necessário haver rentabilidade, afinal foi feito um investimento. Os grupos pensam sempre no potencial”. Tiago Trovão evidenciou a “partilha de conhecimento e de experiências” e fez referência a critérios geográficos, entre outros, na escolha de uma unidade. “Para nós é importante que aquela equipa tenha uma boa integração e que trabalhe em rede”, frisou.
Particularidades sobre o diretor clínico e colaboradores
Após a aquisição de uma unidade, o que acontece ao diretor clínico? Com base na experiência da IVC Evidensia, Tiago Trovão partilhou que “alguns ficam, outros saem”, porém, o grupo pretende que permaneçam, porque “construíram o que quisemos comprar”. Depois disso, é objetivo da corporate que tenha um “papel ativo na estratégia global do grupo”.
Para Guilherme Assis, “não faz sentido comprar uma unidade e o seu diretor clínico deixar a unidade”, pelo que falou na existência de “instrumentos para cativar” esse profissional a manter-se naquele projeto”. Salientou que apesar de “deixar de ser o dono, terá um papel ativo e, para nós, é importante que assim seja pela equipa que constituiu e pelo trabalho desenvolvido”.
Na VetPartners, “todos são colaboradores e todos são importantes”, assegurou Margarida Tomé, referindo que aquando de uma aquisição o grupo, “em primeiro lugar, procura saber qual a intenção do antigo proprietário, por exemplo se se quer manter na unidade ou a responsabilidade que quer assumir. Se ficar, será sempre envolvido no projeto e nas decisões que são tomadas”.
Os três responsáveis foram unânimes em considerar as pessoas o bem mais valioso, algo espelhado numa das questões introduzidas ligada à liberdade dos colaboradores em termos de formação. Na Unavet-OneVet Group, “o plano de formação é discutido e elaborado em conjunto com o diretor clínico, que tem de gerir dentro de um plafond estabelecido”, observou Guilherme Assis, que também fez referência à formação interna.
Na IVC Evidensia é o diretor clínico quem escolhe os elementos com quem irá trabalhar, tendo acesso aos mais variados dados relacionados com a gestão financeira, “o que mostra transparência”, afirmou Tiago Trovão, representante do grupo.
Segundo Tiago Trovão, em relação à formação, “deve estar enquadrada com a atividade da unidade”. E, de acordo com Margarida Tomé, na VetPartners são consideradas as áreas das pessoas e o seu plano de carreira, averiguando “de que forma determinada formação será útil para a unidade”.
Como é encarado o futuro?
Atendendo à diversidade de unidade que compõe cada grupo, na reta final da mesa-redonda, Mafalda Pires Gonçalves abordou os intervenientes sobre política de preços, planos de saúde e seguradoras. Segundo Margarida Tomé, a uniformização de preços não faz sentido, porque “estão relacionados com o tipo de serviços da unidade, com a localização ou com o tipo de clientes”. Na VetPartners, esta filosofia também é aplicada a diversos outros aspetos, onde se incluem os seguros de saúde ou a comunicação para o exterior, como por exemplo nas redes sociais. “Temos que avaliar e perceber juntamente com a equipa qual a melhor estratégia e se faz sentido efetuar alterações. Tudo tem de ser sempre pensado caso a caso e não de uma forma uniforme nem estratificando de uma forma mais ou menos rigorosa cada uma das unidades”, disse e salientou que todo o trabalho é desenvolvido de forma a enaltecer os serviços prestados por cada uma das unidades.
Tiago Trovão disse que o grupo não tem os preços uniformizados e referiu que existe a “intenção de desenvolver planos de saúde”, sendo que “haverá unidades mais direcionadas para a prevenção, por exemplo”. Também no grupo Unavet-OneVet os preços diferem. “Já houve uma tentativa de estandardizar, mas correu mal. Os valores aplicados são diferentes e assim vai continuar”, garantiu Guilherme Assis.
Quando questionados sobre como encaram o futuro do mercado, Tiago Trovão, Guilherme Assis e Margarida Tomé concordaram que vão continuar a existir clínicas independentes, mas que haverá espaços para todos. “Já existem três grandes grupos em Portugal e provavelmente vão entrar mais”, afirmou o representante do primeiro grupo a entrar no mercado português, o Unavet-OneVet. Tiago Trovão salientou a “sinergia com colaborações” e Margarida Tomé sublinhou que “cada unidade deve procurar o seu caminho ou de identificar-se com um grupo ou de continuar independente. Prevejo que temos muito caminho para percorrer”.
Uma breve apresentação das empresas representadas na mesa-redonda “Entrada dos grandes grupos em Portugal… e agora?”
IVC Evidensia
Tiago Trovão participou na mesa-redonda em representação do grupo IVC Evidensia, que tem mais de 1500 consultórios na Europa. Presente em Portugal desde o início do ano, o grupo nasceu de uma fusão entre a empresa inglesa IVC e a sueca Evidensia.
Unavet-Onevet Group
O grupo Unavet-OneVet foi o primeiro grupo económico a chegar a Portugal. Decorria o ano de 2012 e, segundo afirmou Guilherme Assis, hoje é “líder de mercado, com 41 unidades e 380 trabalhadores”. Presente em Espanha desde 2017, o OneVet firmou uma aliança com a Univets em 2020, reforçando assim a presença no mercado ibérico.
VetPartners
O grupo VetPartners foi fundado em 2015, no Reino Unido, pela médica veterinária Jo Malone. Quatro anos depois expande-se para outros países da Europa e chega ao mercado português em 2022. “Acreditamos que o que importa são as pessoas”, afirmou Margarida Tomé, responsável pelo desenvolvimento do negócio no nosso País.
*Artigo publicado na edição 163, setembro, da revista VETERINÁRIA ATUAL.