A “desistência silenciosa” (quiet quitting, termo original em inglês) é a mais recente tendência no mundo do trabalho alimentada pelas redes sociais. Não é um fenómeno em que os colaboradores batem simplesmente com a porta do emprego de forma “silenciosa”. Reina a filosofia de que o trabalho é uma parte da vida e faz-se dentro do horário, e o tempo livre é para a vida pessoal. Se a empresa não cumpre com estes desígnios, então os colaboradores começam a deixar os seus empregos sem comunicar formalmente a sua saída ou a procurar ativamente outro emprego, diminuindo gradualmente a sua dedicação e empenho, com sérios impactos na sua produtividade.
Os horários são para se cumprir e tarefas que não estejam contempladas nos job description não são para executar. No fundo, não é suposto executar-se tarefas para as quais não se recebe compensação financeira ou simplesmente não fazer mais do que o necessário para manter o emprego. Há quem fale em falta de ambição desta nova geração de trabalhadores, mas para eles é um sinal de inteligência saber equilibrar a vida pessoal com a profissional. Quem está certo? Eis a questão.
  “Para evitar o quiet quitting, as empresas devem se esforçar para criar um ambiente de trabalho positivo e incentivador e manter um diálogo aberto com seus colaboradores. Além disso, é importante ouvir e responder às preocupações dos colaboradores e oferecer oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional.”
No ponto de vista da empresa, o quiet quitting é preocupante, pois pode levar a interrupções no trabalho e a perda abrupta de conhecimento valioso, que até pode ter sido comparticipado em grande parte pela empresa, com investimento substancial em formação. Além disso, pode ser difícil para as empresas identificar as causas subjacentes da saída silenciosa de um colaborador e tomar medidas para evitá-las no futuro. Na área veterinária (assim como em muitas outras) tem-se verificado uma enorme rotatividade de profissionais, sendo que a qualidade de vida é cada vez mais um aspeto valorizado por estes. Uma tendência que ganhou maior importância em contexto pandémico, com as pessoas a preocupar-se cada vez mais com a sua saúde mental. Tenho a sensação de que há cada vez mais um desprendimento emocional face aos empregos e uma aclamação do “eu” em detrimento do “nós”. E em setores onde se identifica falta de mão-de-obra, nomeadamente qualificada, torna-se ainda mais evidente, como começa a ser o caso (de forma crónica) do setor veterinário.
Mas o que leva um colaborador a querer desistir “silenciosamente” do seu emprego? Os motivos podem ser diversos, mas estão frequentemente relacionados com questões de insatisfação no local de trabalho, como falta de oportunidades de crescimento, salários insuficientes, mau ambiente de trabalho ou falta de reconhecimento pelo trabalho realizado. Nos CAMV acrescem outros fatores, como a indisponibilidade do colaborador em trabalhar nos fins-de-semana, feriados, noites, por turnos, ou, simplesmente, ter disponibilidade para fazer urgências à chamada. Mas torna-se evidente que uma empresa com liderança pouco assertiva ou sem transparência, altamente controladora e/ou centralizadora, que não confia nos seus colaboradores, tende a perder os seus maiores talentos.
Para evitar o quiet quitting, as empresas devem se esforçar para criar um ambiente de trabalho positivo e incentivador e manter um diálogo aberto com seus colaboradores. Além disso, é importante ouvir e responder às preocupações dos colaboradores e oferecer oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional. Eles querem e necessitam de ser escutados! E de sentir valorização pessoal e profissional. Costumo dizer, sem ironia, mas num tom jocoso, que os jovens trabalhadores de hoje em dia são “mimalhos”, necessitam de ser “acarinhados”, bastante valorizados e ter feedbacks e reforços positivos regulares.
  “A escassez de colaboradores nesta área é o reflexo dos salários baixos do setor e de uma vida profissional incompatível com a vida pessoal. Resultado? Enorme rotatividade e os salários têm vindo a aumentar significativamente nos últimos 3 anos, nomeadamente dos médicos veterinários.”
Na geração dos nossos pais, era comum dizer-se que o trabalho vinha em primeiro lugar. Os jovens trabalhadores do presente deixaram de pôr o trabalho em primeiro lugar, para se focarem no que é importante para eles. E já não ficam até mais tarde no emprego apenas porque os outros ficam ou porque “fica bem”. E até porque atualmente existe uma patologia com crescente destaque no seio corporativo: o burnout. A saúde mental é claramente uma preocupação genuína de um número crescente de empresas a nível nacional, ainda que tenhamos um tecido empresarial com menor maturidade do que muitas congéneres europeias em matéria de gestão de recursos humanos e suas carreiras, motivações e expetativas.
E o paradigma já mudou há algum tempo nos CAMV: são os candidatos que escolhem onde querem trabalhar e não o contrário. A escassez de colaboradores nesta área é o reflexo dos salários baixos do setor e de uma vida profissional incompatível com a vida pessoal. Resultado? Enorme rotatividade e os salários têm vindo a aumentar significativamente nos últimos 3 anos, nomeadamente dos médicos veterinários. Mas são os CAMV que não querem pagar mais? Não necessariamente. A rentabilidade dos CAMV é relativamente baixa (apenas 7,9% em 2021) e o aumento dos salários, que podem representar até cerca de 50% do total de volume de negócios de um CAMV, têm inevitavelmente de ser acompanhados por uma maior produtividade e rentabilidade do negócio. Diria, em jeito de conclusão, que ambas as partes (empresas e colaboradores) têm razão na defesa das suas posições e que devem compreender-se mutuamente para que se consiga evitar o quiet quitting e se eleve a harmonia no ambiente de trabalho, assim com os níveis de produtividade e satisfação dos colaboradores.
*Diretor-geral da Vetbizz Consulting www.vetbizz.pt