Associação esclarece diferença entre vírus (SARS-CoV-2) e doença (Covid-19), e volta a frisar que “não há evidências de que animais de estimação (cães e gatos), possam ser infetados pelo vírus ou transmitir a doença”. Contactado pela VETERINÁRIA ATUAL, o especialista em doenças infeciológicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Francisco Antunes, sublinha que “não há qualquer justificação para tomar medidas contra os animais de companhia que possam comprometer o seu bem-estar, incluindo o abandono”.
A Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA) atualizou esta semana as suas diretrizes sobre o coronavírus. A WSAVA tinha já emitido um documento com recomendações, por forma a esclarecer alguns detentores de animais e médicos veterinários. Agora, o crescente número de animais abandonados na China levou a associação a elaborar um documento para ajudar os veterinários de todo o mundo a lidar com as preocupações de seus clientes.
O documento foi elaborado pelo Comité Científico e o Comité de One Health da WSAVA, em colaboração com outros interessados em One Health, no seguimento da notícia de que um cão (de uma pessoa com Covid-19) havia acusado “fraco positivo” para Covid-19 em Hong Kong, tendo sido, inclusive, colocado em quarentena pelas autoridades desta província.
Apesar de a própria WSAVA ter mencionado no seu comunicado o “fraco positivo” para Covid-19, a associação esclareceu a diferença entre o vírus, SARS-CoV-2, e a doença, essa, sim, de nome Covid-19.
Atualmente, o Departamento de Agricultura, Pescas e Conservação de Hong Kong está a testar o animal para verificar se o cão foi infetado com o vírus ou se apenas foi contaminado com o vírus.
“O cão foi colocado em quarentena a 26 de fevereiro de 2020 depois de o seu detentor ter sido hospitalizado devido à infeção Covid-19. Após o exame veterinário, foram feitos esfregaços nasais, orais e retais, bem como análises às fezes, após a admissão do cão nas instalações de quarentena. As amostras nasais e orais deram positivo para o teste ‘SRA-CoV-2’. O cão não apresentou quaisquer sinais clínicos específicos. Amostras adicionais colhidas a 28 de fevereiro também tiveram resultados positivos. As investigações continuam para determinar a duração da deteção do vírus”, refere o documento de informação, com data de 1 de março, redigido por Thomas Sit, chefe veterinário oficial e diretor assistente de inspeção e quarentena.
Contactado pela VETERINÁRIA ATUAL, Francisco José Nunes Antunes, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, especialista em doenças infeciosas e líder do grupo de investigação Ambiente e Doenças Infeciosas do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, explicou que “não há razão para que se pense que os animais de companhia, incluindo os cães, possam ser a fonte deste coronavírus novo (SARS-CoV-2), responsável pela doença designada de Covid-19”.
Até à data, o Departamento de Agricultura, Pescas e Conservação de Hong Kong (AFCD) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) concordam que não há evidências de que animais de estimação, gatos ou cães, possam estar infetados com o coronavírus.
Francisco Antunes reforçou a informação transmitida por estas entidades: “Não há nenhuma referência de que os cães possam adoecer com Covid-19 e, por outro lado, não existe nenhuma evidência de que os cães possam propagar a infeção. A passagem ocasional da infeção do homem para os animais pode ocorrer, mas, em regra, a cadeia de transmissão termina aqui, sem que o animal adoeça ou que infete outras pessoas ou animais.”
Questionado sobre o caso específico de Hong Kong, em que o cão se encontra de quarentena desde 26 de fevereiro, o especialista em doenças infeciosas esclarece que o animal “apresentava nível de infeção baixo ‘fraco positivo’ (isolamento do SARS-CoV-2 da cavidade nasal e oral), com possível transmissão homem-animal, através do contacto com um doente com Covid-19. No entanto, tal não quer dizer que o animal não esteja suficientemente infetado para propagar o vírus, mesmo tratando-se de um hospedeiro final. Daí a razão daquele cão ter sido mantido em quarentena, mesmo não apresentando sinais da doença. O animal só sairá de quarentena após ter obtido dois resultados negativos com o intervalo de 24 horas.”
Assim, continua a ser aconselhada a quarentena de animais em contacto com o vírus, para que os cientistas possam observar como um animal se relaciona com uma doença sobre a qual pouco se conhece.
Para o professor catedrático, “impedir a transmissão de uma virose aos animais é sensato, tratando os animais como membros da família, limitando o contacto, usando máscara e lavando as mãos com frequência”. Da mesma forma — e tal como sugerido pela WSAVA —, o especialista afirma que um doente com Covid-19 deve evitar o contacto com os seus animais de estimação, incluindo “a carícia, o beijo ou a partilha de alimentos”. Como sublinha Francisco Antunes, “além das boas práticas de higiene, não há qualquer justificação para tomar medidas contra os animais de companhia que possam comprometer o seu bem-estar, incluindo o abandono”.
“A prática generalizada da One Health [Uma Só Saúde] teria sido suficiente para evitar a crise que estamos a viver com o Covid-19 ou, pelo menos, teria evitado que este coronavírus tivesse um impacto tão grande”, disse Luís Montenegro, médico veterinário e diretor clínico do Hospital Veterinário de Referência Montenegro, a propósito da inclusão de uma Sala One Health na mais recente edição do Congresso Internacional Veterinário Montenegro.
O conceito One Health, que visa o pensamento integrado da saúde animal e humana, é um tema “quente” na medicina veterinária. Recentemente, verificou-se a implementação de uma One Health Clinic, em Seattle, nos Estados Unidos, que permite que jovens sem-abrigo recebam cuidados de saúde para si e cuidados veterinários para o seu animal de companhia.
“As áreas nas quais One Health é, em particular, relevante, inclui a segurança alimentar, o controlo das zoonoses e a luta contra a resistência aos antimicrobianos. Muitos dos mesmos microrganismos infetam o homem e os animais, dado que partilham o mesmo ecossistema. Os esforços, apenas, num dos setores, não previnem ou eliminam o problema. A raiva nos humanos só se previne tendo por alvo a fonte animal do vírus (por exemplo, a vacinação dos cães)”, explica Francisco Antunes.
“A resistência dos microrganismos aos antibióticos pode ser transmitida entre animais e o homem quer pelo contacto direto ou através de alimentos contaminados, pelo que para a conter é necessária uma estratégia coordenada entre medicina humana e veterinária”, acrescenta.
- Atualmente, não há evidências de que animais de estimação (cães e gatos), possam ser infetados pelo vírus SARS-Cov-2 ou transmitir a doença Covid-19. Esta é uma situação em rápida evolução e as informações serão atualizadas à medida que estiverem disponíveis.
- Se estiver doente com Covid-19, as recomendações do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos da América, são: “Deve restringir o contacto com animais de estimação e outros animais enquanto estiver infetado com coronavírus, tal como faria em relação ao contacto com outras pessoas. Apesar de não ter havido relatos de animais de estimação ou outros animais doentes, é recomendável que pessoas com Covid-19 limitem o seu contacto com animais, até que mais informações sejam conhecidas sobre o vírus. Quando possível, peça a outro membro da família que cuide dos seus animais de companhia, isto enquanto estiver doente. Se está doente com Covid-19, evite o contacto com seu animal de estimação, incluindo festas, aconchegar-se e ser lambido ou compartilhar alimentos. Se precisar de cuidar do seu animal de estimação ou ficar perto de animais enquanto estiver doente, lave as mãos antes e depois de interagir com os animais e use uma máscara facial”. Deve verificar, no entanto, se existem novas atualizações no site do CDC.
- Sobre a transmissão de Covid-19 de animais a outras pessoas, nomeadamente a possibilidade de o animal de estimação estar em contacto com alguém infetado com Covid-19 e poder transmitir o vírus a outras pessoas, a WSAVA reforça que, apesar de não haver certezas, não há evidências de que os animais de estimação possam ser infetados ou transmitir o SARS-Cov-2. A associação destaca que não sabe se os animais de estimação podem ficar doentes por uma infeção com este novo coronavírus e que não há evidências de que possam ser uma fonte de infeção para as pessoas.
- Se o seu animal de estimação desenvolver uma doença sem causa aparente e foi exposto a uma pessoa com coronavírus, deve entrar em contacto com um agente de saúde pública que esteja a acompanhar o tratamento do doente. Se tiver um médico veterinário local ligado à saúde pública, o agente de saúde pública responsável pelo caso deverá consultar o veterinário ou outro funcionário responsável. Caso lhe seja recomendado levar o seu animal a uma clínica veterinária, deve entrar em contacto com a clínica e informar que vai levar um animal de estimação doente que foi exposto a uma pessoa com a Covid-19. A informação permitirá à clínica preparar uma área de isolamento. Não deve levar o animal a uma clínica veterinária, a não ser que receba instruções de um agente da saúde pública.
- Apesar de se suspeitar que o vírus tenha origem num animal, a transmissão que se tem verificado é entre pessoas. Acredita-se que a transmissão pessoa-pessoa ocorra por gotículas respiratórias, produzidas quando uma pessoa infetada tosse ou espirra. Contudo, ainda não é claro o quão facilmente ou de forma o vírus se está a espalhar entre as pessoas.
- Apesar de não haver evidências de que os animais de estimação possam ser infetados com o novo coronavírus, até que se saiba mais, deve evitar o contacto com animais com os quais não está familiarizado e lavar sempre as mãos antes e depois de interagir com animais.
- As vacinas contra o coronavírus canino disponíveis em alguns mercados destinam-se a proteger contra a infeção entérica por coronavírus e NÃO são adequadas para a proteção contra infeções respiratórias. Os veterinários NÃO devem usar essas vacinas para combater o surto atual, pois não há qualquer forma de proteção cruzada contra o SARS-Cov-2, uma vez que os vírus entéricos e respiratórios são variantes distintas do coronavírus.
- No seguimento do caso do cão de Hong Kong, a WSAVA recomenda que os proprietários de animais de estimação em áreas onde há casos de pessoas identificadas com coronavírus continuem a seguir as informações do documento informativo.
*com Ana Tavares