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Urgências e Cuidados Intensivos

“Em alguns minutos há que detetar problemas que ponham em risco a vida do paciente”

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As equipas são a base dos serviços de Urgência e Cuidados Intensivos dos hospitais veterinários, apoiadas pelos necessários equipamentos. Recursos humanos formados ou até exclusivos são o ‘segredo’ para que estes serviços funcionem bem e prestem cuidados rápidos e de qualidade aos animais. Nuno Paixão, que se dedica a esta área a 100%, salienta que “só com uma equipa bem oleada, em que todos confiem uns nos outros, conseguimos dar a rápida resposta que é necessária para salvar vidas”.

No Hospital Veterinário Central, a avaliação de qualquer animal que chegue à urgência em estado crítico é feita seguindo o método ABC (que na medicina humana passou a CAB em 2010) – Airways (vias aéreas): verificar se as vias aéreas estão livres. Se não, procurar desimpedi-las; Breathing (respiração): verificar se a vítima está a respirar. Se não, praticar respiração artificial; Circulation (circulação sanguínea): verificar se há pulso e se o coração está a bater. Se não, proceder a massagens cardíacas – explica-nos Nuno Paixão, diretor do HVC. “Em alguns minutos há que detetar problemas que ponham em risco a vida do paciente”, frisa.

Hospital Veterinário Central

Hospital Veterinário Central

 

Nuno Paixão dirige também o serviço de Urgência e Cuidados Intensivos (CI) daquele hospital, o único com quem falámos que tem médicos, enfermeiros e auxiliares exclusivos para este serviço. Nos outros, as equipas têm, no geral, formação em medicina de emergência e fazem turnos assegurando o trabalho 24h por dia, 365 dias por ano. “Aqui temos emergentologistas e intensivistas, bem como um anestesista que trabalha só na Urgência e em Cirurgias de Emergência. Tentamos que o nosso serviço seja o mais independente possível para ser também o mais rápido possível a atuar, pelo que dos 18 médicos do hospital, dez trabalham só neste serviço, em conjunto com enfermeiros e auxiliares”, afirma o médico veterinário, que fez residência em Urgência e Cuidados Intensivos no Canadá. E adianta: “costumo dizer que temos de ser como as equipas de mecânica na Fórmula 1 quando os carros vão às boxes. Só com uma equipa bem oleada, em que todos confiem uns nos outros, conseguimos dar a rápida resposta que é necessária para salvar vidas”.

Know how é a base

 

No Hospital Veterinário do Restelo, o diretor Jorge Cid diz igualmente que a grande aposta é na equipa “para podermos dar resposta interna ao maior número possível de situações”. E acrescenta: “a equipa é toda do quadro ou está a contrato, não temos colaboradores em situação precária”. A Urgência é assegurada pelos veterinários de serviço, que “têm todos formação em urgência, mas o hospital tem uma equipa exclusiva de médicos e enfermeiros no serviço de Internamento, que asseguram a monitorização dos animais 24h por dia”, acrescenta.

O hospital tem 26 médicos, num total de 58 colaboradores e “o seu know how é a base de tudo já que o nosso corpo clínico é composto por profissionais que são formados na sua área de interesse, pelo que estamos aptos a resolver cada caso”.

 

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A formação é também essencial no Hospital Veterinário do Oeste, na Lourinhã. O diretor, Pedro Requicha, conta à VETERINÁRIA ATUAL que “todos fazemos formação interna em medicina de emergência, com apresentação de casos descrevendo as principais técnicas a aplicar, como traqueostomia ou colocação de tubos torácicos, entre outras” salientando que “assim, cada um sabe exatamente o que fazer quando chega um animal em perigo de vida. Este é imediatamente levado para a sala de tratamentos e, se necessário, pode seguir logo para o bloco, porque somos um hospital cirúrgico, referenciado por cerca de 20 clínicas e consultórios veterinários da região”. O hospital tem sempre dois médicos veterinários de serviço e dois anestesistas que trabalham “um de manhã e outro à tarde”.

 

O diretor do Hospital Veterinário de Gaia salienta também que “para se ter um serviço de Urgência e Cuidados Intensivos a funcionar bem temos de ter o equipamento necessário, é claro, mas o principal é termos equipa, bons recursos humanos”. O hospital tem 17 médicos, enfermeiros e auxiliares. Sérgio Alves refere que “a primeira triagem dos animais que chegam em estado crítico é feita logo na receção e a prioridade é dada pelo estado de gravidade do animal”.

Fichas vermelhas

Sobre o funcionamento do serviço de Urgência e CI do Hospital Veterinário Muralha de Évora, o diretor, Pedro Dunões, explica-nos que “já tivemos várias modalidades, mas agora é a equipa do hospital que roda porque depois é preciso acompanhar os casos. Ficam sempre de serviço um médico veterinário, um enfermeiro e dos dois cirurgiões está um de prevenção”.

Quanto aos Cuidados Intensivos, o responsável refere que “há dois tipos de CI: numa primeira fase temos pacientes que precisam de ser ventilados e permanentemente monitorizados, mas depois passam para outra área onde também são vigiados de forma intensa, por exemplo de 15 e 15m, mas em que já não é preciso uma pessoa estar sempre ao seu lado”.

Jorge Cid acrescenta que “os Cuidados Intensivos em medicina veterinária são situações transitórias, porque se o animal está ligado ao ventilador, por exemplo, tem de ter alguém sempre com ele senão tira o aparelho. O que temos é depois um serviço de internamento com observação contínua, os casos que classificamos como ‘Fichas Vermelhas’, em que os animais podem estar ligados a máquina de fluidoterapia, com oxigénio ou em incubadora (para não se mexerem) e que têm de ser constantemente vigiados, por isso temos equipa específica para este serviço de internamento”.

Pedro Dunões alerta: “a exigência é por isso muito grande em termos de recursos humanos, bem como de equipamento, pelo que um serviço de Urgência e Cuidados Intensivos é muito oneroso para o hospital, requerendo grandes investimentos. Por vezes, a equipa está de serviço uma noite inteira e não atende ninguém… e as pessoas não têm a noção do custo de tudo isto”. Mas acrescenta: “a falha é nossa que temos de conseguir transmitir aos donos esta noção, que leva também aos elevados custos dos serviços que prestamos”.

“Se quando a pessoa vai a uma Urgência hospitalar o recibo indicasse não só as Taxas Moderadoras, mas também o custo real dos atos médicos, exames e terapêutica aplicada, as pessoas ficariam com uma noção muito melhor do preço da Medicina de Emergência”

Esta questão foi referida por todos os médicos veterinários com quem falámos, sendo que tanto Pedro Dunões como Jorge Cid salientaram o facto de as pessoas não terem sequer noção dos custos da Medicina humana em geral e de Emergência em particular. “Se quando a pessoa vai a uma Urgência hospitalar o recibo indicasse não só as Taxas Moderadoras, mas também o custo real dos atos médicos, exames e terapêutica aplicada, as pessoas ficariam com uma noção muito melhor do preço da Medicina de Emergência”, afirma o diretor do HV do Restelo.

Jorge Cid aproveita também para lembrar uma luta antiga sua e de toda classe: “a Medicina Veterinária é o único cuidado de saúde em que o Estado cobra imposto – todos os atos têm de cobrar 23% de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) – o que vai onerar ainda mais todos os nossos serviços”.

Donos são o maior ‘problema’

Questionados sobre as dificuldades que têm nestes serviços, todos os diretores foram unânimes em referir que o maior ‘problema’ são os donos: primeiro por não terem a noção do custo real deste serviço mas, principalmente, por não estarem preparados para os elevados valores que terão de pagar. Muitos por não terem, de facto, disponibilidade e outros (em número muito menor) por não estarem dispostos a fazê-lo. O facto de os donos não terem disponibilidade financeira para pagar alguns procedimentos é por vezes “frustrante, porque sabemos que poderíamos fazer mais por aquele animal”, afirma Jorge Cid, lembrando que “outro problema é o facto de não existirem seguros credíveis em Portugal. Os que existem cobrem apenas os procedimentos básicos e têm plafonds muito baixos”.

“Outro problema é o facto de não existirem seguros credíveis em Portugal. Os que existem cobrem apenas os procedimentos básicos e têm plafonds muito baixos”outro problema é o facto de não existirem seguros credíveis em Portugal. Os que existem cobrem apenas os procedimentos básicos e têm plafonds muito baixos”

Todos os médicos veterinários frisam, todavia, que ‘não deixamos de dar assistência a um animal pelo facto de o dono não ter capacidade económica, fazemos é apenas os procedimentos básicos e só avançamos com garantia de pagamento’. Nos casos de atendimento na Urgência e de internamento nos Cuidados Intensivos, os hospitais veterinários disponibilizam com frequência a possibilidade de pagamento faseado, tendo quase todos um departamento jurídico para tratar destas questões.

Mas como na maioria dos casos quem recorre ao serviço de Urgência não é cliente do hospital, vindo referenciado de clínicas ou consultórios da zona, ou por iniciativa do dono, “a questão da confiança de que o dono vai mesmo pagar aquilo a que se compromete é complicada. Não conhecemos a pessoa e muitas vezes o que acontece é pagarem a primeira prestação e depois não pagam mais”, refere o diretor do Hospital Veterinário do Restelo. “Por isso exigimos garantias mas, muitas vezes, as pessoas vivem tão no limite das suas possibilidades que não têm como dar essa garantia”.

Nuno Paixão, do HV Central, salienta também que “antes ainda das dificuldades financeiras temos de saber lidar com o estado emocional dos donos: o seu animal estava bem e de repente, por doença súbita ou acidente, está à beira da morte… além de que, na maior parte dos casos, não nos conhecem porque não são nossos clientes, pelo que não confiam em nós. Assim temos rapidamente de os acalmar e mostrar que sabemos o que fazemos”.

Meios suficientes

Sempre destacando que o essencial para um bom serviço de Urgência são os recursos humanos, os dirigentes dos hospitais veterinários que contactámos referem que tanto na Urgência, como nos Cuidados Intensivos é também fundamental ter hoje em dia Meios Complementares de Diagnóstico e equipamentos que há alguns anos seriam mero sonho, como TAC e Endoscopia, mas também monitores multiparamétricos, incubadoras, sistemas de oxigénio, ventilação mecânica e bombas de infusão. Há também equipamentos que só alguns destes hospitais possuem, como a medição de lactato e gases sanguíneos (HV Central e HV do Oeste), ou mesmo eletrólitos, hemofiltração e câmara hiperbárica (HV Central).

A capacidade simultânea de pacientes em Cuidados Intensivos varia de hospital para hospital, mas todos referem que nunca lhes aconteceu não conseguirem dar a assistência necessária porque normalmente não há assim tantos animais a precisar de CI ao mesmo tempo. O HV Central tem capacidade para “10 a 15 pacientes em CI e 40 a 50 em semi-intensivo”, o HV de Gaia “para 30 a 35 animais em internamento, sendo cinco, no máximo, em CI”, enquanto o HV Muralha de Évora “suporta até seis animais em CI”, o HV do Restelo “quatro, em monitorização e acompanhamento 24h” e o HV do Oeste “tem 33 boxes de internamento, em quatro salas, pelo que várias podem ser adaptadas a situações de emergência, e os equipamentos permitem ter entre oito a dez animais em CI”.

Évora quer Urgência colaborativa

O elevado custo de manter um serviço de Urgência 24h por dia, 365 dias por ano e a dificuldade de o rentabilizar levou Pedro Dunões a pensar numa solução alternativa que está a estudar para propor aos médicos veterinários que possuem clínicas e consultórios na região. O diretor do Hospital Veterinário Muralha de Évora diz-nos que “já temos vindo a pensar numa solução e a falar com alguns dos colegas da região, que até nos referenciam aos clientes para Urgências e procedimentos para os quais não possuem equipamento ou formação”, adiantando que “a ideia é que o hospital funcione como o centro de urgências da cidade e da região, com a colaboração de todos estes médicos veterinários”.

Pedro Dunões afirma que “praticamente todos estes colegas têm atendimento urgente através do seu número de telemóvel. Para isso têm de estar sempre disponíveis e, muitas vezes, acabam por ter de enviar os pacientes para o nosso hospital quando são casos graves que requerem intervenção imediata. Se tivéssemos uma urgência colaborativa centrada no HV Muralha de Évora, cada um destes veterinários estaria numa escala global de serviço e este seria o ‘seu’ serviço de Urgência”.

O diretor assegura que não há o ‘perigo’ de o hospital ‘roubar’ os clientes de cada clínica ou consultório porque “até já nos casos que nos são referenciados o sistema bloqueia a possibilidade de o clientes marcar outros atos básicos, como consultas ou vacinação, indicando sempre que é cliente do médico X, pelo que dizemos sempre à pessoa que tem de continuar a ser seguido pelo seu médico”.

 

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