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«Uma mistura de trabalho com paixão»

«Uma mistura de trabalho com paixão»

O Centro de Cirurgia Veterinária de Loures é um espaço onde, como o nome indica, a cirurgia é a rainha. E Rafael Lourenço, o seu responsável, sente-se como um peixe na água, já que, depois de passar anos a operar em várias clínicas, conquistou o seu espaço, onde pode fazer aquilo que para si é uma autêntica paixão.

O Centro de Cirurgia Veterinária de Loures é um local «tranquilo, onde há pouco barulho e podemos operar com música clássica», define Rafael Lourenço. Para o cirurgião, este tipo de música é «tranquilizadora», daí que seja uma presença constante no bloco operatório.

Quando questionado sobre a operação mais complicada que realizou, diz ser «difícil de responder», pois é frequente «aparecer situações inesperadas e consequentemente uma cirurgia que era suposto demorar hora e meia acaba somente ao fim de quatro horas». Se, por um lado, isto pode parecer problemático, por outro «quando estamos absorvidos, o tempo passa num instante e não me lembro de uma situação que acabasse mal». Contudo, o médico veterinário ressalva que «aqui não operamos situações de urgência imediata. Um animal em risco de vida não anda a passear de carro até aqui e, por isso, os colegas que fazem cirurgias de urgência são capazes de ter piores experiências».

 

Neste centro, as cirurgias são programadas e quase sempre complicadas. Quando se parte para uma operação, «tem de estar tudo muito bem oleado, porque se perco dois minutos aqui, mais dois ali, ao fim de uma cirurgia perfaz uma hora de tempo extra». A chave para evitar estas situações, segundo Rafael Lourenço, «é a experiencia, estarmos confiantes e tomarmos as decisões rapidamente». Daí que quando começa a operar, «já sei qual o método que vou usar e já tenho um de backup preparado». Nos primeiros minutos, a sua atenção está focada na indução anestésica, designadamente, «se o animal está a reagir bem». A sua experiência na sala de operações é tal que em 80% das vezes já opera em “modo automático” e «nem tenho tempo para preocupações. Não há quebras, se houver é mau sinal».

Um bloco de vários

 

O centro, que está a funcionar desde Dezembro, não é «um bloco cirúrgico independente, mas de muitas clínicas. Neste momento de 40, num raio bastante alargado, que vai desde Sintra, Alverca até Lisboa e arredores», salienta o médico veterinário, acrescentando que, no fundo, «é uma parceria». E isto porque Rafael Lourenço opera animais “levados” ao centro por colegas e é em «conjunto com eles que se decide o que fazer». Por isso o cirurgião diz que a equipa «sou eu, a minha auxiliar e os médicos veterinários que vêm trabalhar nos seus casos».

Mais do que gostar de uma área da cirurgia em especial, Rafael Lourenço tem uma predilecção «por casos clínicos que por alguma razão o resultado nos deixa fascinado… até pode ser, mais do que uma fractura complexa, um problema numa orelha». São aqueles casos e que à partida a resolução parece difícil, para não dizer impossível, e que, no final de contas, «conseguimos resolver o problema». «É recompensador ver um animal em sofrimento recuperar, independentemente de ser uma obra de arte cirúrgica ou não», conclui. Na verdade, para resolver os seus problemas, «nem sempre temos de os operar».

 

Esta vontade de resolver os males que afectam os animais, leva-o a ver a questão da concorrência de uma perspectiva diferente. «Ainda há animais que aparecem com problemas que não são resolvidos e que frequentemente são agravados por desconhecimento, daí que quantas mais pessoas houver que saibam tratá-los, melhor». Neste sentido, o cirurgião assegura que não é a favor «que se esconda o know-how na base de ganharmos vantagem, visto que quando gostamos de animais, aquilo que queremos é ajudá-los, independentemente de ser eu a fazê-lo ou um colega».

Para alcançar o sucesso, no respeitante à recuperação do doente, o dono também tem um papel importante. Para além, de lhe transmitir a expectativa em relação aos resultados, «explico os procedimentos que tem de seguir, dado que o cão ou o gato não sabem que foram operados e que têm, por exemplo, implantes».

 

Um espaço tranquilo

Mas Rafael Lourenço opera mais do que cães e gatos, já que também tem operado coelhos, que «têm algumas particularidades, no entanto não são muito diferentes dos outros mamíferos». E colaborou «na cirurgia de um falcão em Madrid», onde fez um estágio.

Há cerca de oito anos que se dedica à cirurgia. O gosto por esta área começou logo no primeiro ano da faculdade. «Uma das primeiras cadeiras com que contactamos é anatomia e fazemos muita dissecação, o que se tornou logo numa paixão».

O primeiro ano de trabalho «foi para financiar o estágio em Madrid». Contudo, passada esta etapa, «comecei a comprar equipamento e a fazer cursos específicos, primeiro de ortopedia e depois de neurologia».

Quando decidiu abrir o centro, Rafael Lourenço já trabalhava exclusivamente em cirurgia há muito tempo. «Operava em várias clínicas, sendo que cada vez tinha menos tempo e mais deslocações». Porém, outros aspectos começaram a pesar na balança: «precisava de um sítio com boas condições, nomeadamente ao nível de higiene e sistema de ventilação, e tranquilo», ou seja, um local onde pudesse operar «sem, por exemplo, a campainha tocar constantemente».

Não obstante, a movimentação do dia-a-dia de uma clínica ou hospital também dificulta a realização do diagnóstico. «É difícil manter o raciocínio com o telefone a tocar ou um animal atropelado a chegar», refere o médico veterinário. E até os colegas sentem a diferença ao chegar ao centro, uma vez que, ao desligarem-se destes “ruídos”, «num minuto vêem coisas que não viram na consulta. O facto de estarmos aqui somente com aquele animal ajuda muito». Quando fazia clínica generalista, «tinha de resolver dez casos num dia, hoje resolvo dois», revela.

«Adoro o que faço»

O cirurgião licenciou-se na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, sendo que, quando iniciou o ensino superior, a única certeza que levava era que «tinha uma vocação para a área médica» e, por isso, «entrei para Medicina Veterinária com a dúvida se continuava ou mudava. Todavia, quando comecei a dissecar deixei de ter dúvidas, porque adoro o que faço».

Em relação ao curso universitário, considera que «é bom e que foi cumprido o seu objectivo: termos bases teóricas muito sólidas». E embora «muita gente se queixe que a prática não é suficiente, dou a mão à palmatória porque, de facto, quando temos uma boa teoria, rapidamente ganhamos prática», defende, acrescentando que «fiquei muito satisfeito com o curso».

Equipamento para o cirurgião

No Centro de Cirurgia Veterinária de Loures, a maior parte dos casos dizem respeito a fracturas, rupturas de ligamentos, displasias da anca e hérnias discais.

Em termos de cirurgia, «realizamos praticamente todas, excepto as específicas em oftalmologia, porque não estamos vocacionados». Essencialmente, fazem-se cirurgias na área da «ortopedia, traumatologia e neurocirurgia». Mas também cirurgia geral, «embora não seja do nosso âmbito, digamos que aquelas mais rotineiras». Apesar de nem sempre serem operações complicadas, «por vezes exigem equipamentos específicos ou experiência».

«Nenhum cirurgião se considera completamente equipado, quer sempre mais uma máquina ou mais um aparelho», revela Rafael Lourenço, alertando que, por outro lado, «temos de ser racionais e o equipamento que tenho deve resolver mais de 95% das situações que me aparecem». Porém, «não paramos de querer mais, é uma mistura de trabalho com paixão, quase um vício».

Apesar de estar a funcionar somente desde Dezembro, o cirurgião faz um balanço positivo deste tempo de actividade e «estou satisfeito», garante. Tanto assim é que já concretizou um dos seus objectivos que estava programado para os próximos anos: realizar um curso nas instalações do centro. «Realizamos um curso teórico e outro prático». Segundo o médico veterinário, «há muita procura deste tipo de formações», algo que justifica com o facto de, na sua opinião, o «médico veterinário que se dedica apenas a pequenos animais ser uma profissão recente em Portugal, terá cerca de 15 a 20 anos, daí que haja esta procura por formação».

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