Muitos/as profissionais de medicina veterinária são atraídos/as para a profissão pelo amor aos animais e pelo compromisso com o seu bem-estar. Embora a imagem do médico veterinário esteja ligada à atuação em clínicas e consultórios voltados ao atendimento de animais de companhia e produção, a medicina veterinária é muito mais que isso, é uma ciência ao serviço da comunidade, de abordagem generalista e multidisciplinar, em que profissionais habilitados podem exercer as suas funções em diversas áreas. Estes profissionais estão presentes nos vários estratos da sociedade, atuam na educação, qualidade dos alimentos, solos, água, saúde pública, genética e no controlo de doenças que circulam nos animais e atingem as pessoas – as zoonoses.
Nestas circunstâncias, a medicina veterinária deve apoiar a formulação de políticas públicas, promoção de medidas concretas e sustentáveis para o maneio do meio ambiente e dos animais e avançar no movimento global “One Health Iniciative”. Essa iniciativa, a nível mundial, tem a finalidade de expandir práticas interdisciplinares, reforçando a colaboração entre médicos/as, médicos/as veterinários/as e outros profissionais de saúde e do ambiente, bem como reconhecer que, tanto a saúde humana quanto a animal, estão entrelaçadas, juntamente com o ecossistema. Logo, se a saúde animal é um dos componentes importantes da iniciativa “One Health”, o seu cumprimento, inquestionavelmente, depende em grande parte do bem-estar físico e emocional dos/as veterinários/as.
A prática da medicina veterinária está frequentemente associada a exposições prolongadas de diversos stressores ocupacionais. Possui uma complexa estrutura ética, nomeadamente responsabilidades profissionais para com o paciente, o tutor/cliente, outros profissionais veterinários e a sociedade. A singularidade e a subjetividade dessa relação tríade (tutor/animal/veterinário/a) desencadeia várias situações para o aumento do risco de stress relacionado com a sua desenvoltura profissional e pessoal.
Estes profissionais podem ser ainda mais afetados psicologicamente do que os profissionais de medicina humana uma vez que, além de terem de cuidar dos animais, têm também de prestar cuidados aos tutores/clientes e são, frequentemente, expostos a situações de trauma, doença, lesão, abuso, maus-tratos, abandono, casos terminais e morte dos animais.
Na atualidade, alguns estudos nos Estados Unidos (Nett et al., 2015, Tomasi et al., 2019), Chile (Weinborn, Calventus, & Sepúlveda, 2019), Canadá (Cake et al., 2015; Perret et al., 2020; Beste t al., 2020), Alemanha (Schwerdtfeger et al., 2020), Noruega (Dalum,Tyssen, & Hem, 2022) e na Austrália ( Milner et al., 2015) relatam que médicos/as veterinários/as apresentam níveis mais altos de ansiedade, depressão, pensamentos suicidas, esgotamento e níveis mais baixos de bem-estar do que a população em geral. Além disso, os médicos veterinários têm um risco de suicídio cerca de quatro vezes superior à população em geral e duas vezes superior a outros profissionais da área da saúde. Por se tratar de um problema atual de saúde pública em constante crescimento, estudos sobre depressão e suicídio tornam-se sempre pertinentes, uma vez que buscam obter os dados mais atuais e as informações necessárias para criação de medidas de prevenção como já vem sendo feito em diversos países do mundo.
O mais importante é a mensagem que quero deixar a todos/as os/as médicos/as veterinários/as e às suas equipas: sabemos que devemos cuidar da nossa saúde física para manter o nosso corpo saudável, mas é igualmente importante cuidar da nossa saúde mental.
Como vimos na edição de dezembro da Revista VETERINÁRIA ATUAL, no estudo “Saúde Psicológica dos Profissionais de Medicina Veterinária em Portugal: Sintomatologia Depressiva, Ideação Suicida e Stressores Ocupacionais”, de minha autoria, a saúde psicológica é frequentemente afetada pelos desafios profissionais desta população e carece de maior atenção e difusão de ações promotoras para uma boa saúde mental. A Organização Mundial da Saúde define saúde mental como “Um estado de bem-estar mental que permite que as pessoas lidem com os stresses da vida, realizem suas habilidades, aprendam bem e trabalhem bem e contribuam para as suas comunidades. A saúde mental é um componente integral da saúde e do bem-estar e é mais do que a ausência de transtorno mental”. Podemos dizer que uma das formas para prevenção e promoção de saúde psicológica é a Literacia em Saúde Mental, ou seja, a habilidade de um indivíduo em pesquisar, descobrir, reconhecer ou avaliar informações para fomentar a sua saúde mental, pessoas mentalmente saudáveis compreendem que ninguém é perfeito, que todos possuem limites e que não se pode ser tudo o tempo todo. Infelizmente, vários fatores impedem as pessoas de procurar ajuda para problemas de saúde mental, incluindo acesso limitado a serviços de qualidade e altos custos de tratamentos, baixos níveis de literacia em saúde mental e estigma generalizado.
Mas o mais importante é a mensagem que quero deixar a todos/as os/as médicos/as veterinários/as e às suas equipas: sabemos que devemos cuidar da nossa saúde física para manter o nosso corpo saudável, mas é igualmente importante cuidar da nossa saúde mental. A saúde mental inclui o nosso bem-estar emocional, psicológico e social, o que significa que afeta a forma como pensamos, sentimos e nos comportamos. Também ajuda a determinar como lidamos com as dificuldades nas nossas vidas, nos relacionamos com os outros e as escolhas que fazemos. Quando experimentamos uma boa saúde mental, isso não significa que estamos sempre de bom humor, nem impede que o stresse da vida venha ao nosso encontro, mas, ajuda-nos a lidar com estas dificuldades para que possamos continuar a envolver-nos produtivamente e sermos felizes nas nossas vidas quotidianas.
  “Os médicos veterinários têm um risco de suicídio cerca de quatro vezes superior à população em geral e duas vezes superior a outros profissionais da área da saúde.”
É com muita alegria e satisfação que comunico que no próximo mês irei discorrer sobre a literacia em saúde mental e contribuir com o conhecimento de base, calcado na ciência psicológica baseada em evidências e na minha experiência de trabalho enquanto psicóloga com o público veterinário, para que os profissionais da medicina veterinária em Portugal tenham maior conhecimento sobre o seu bem-estar emocional e psicológico. Será um prazer estar com todos vocês a falar de algo que faz parte do meu trabalho, que gosto muito de abordar e, principalmente, comunicar com a classe profissional que mais admiro.
*Psicóloga, com atuação em profissionais de medicina veterinária
**Artigo de opinião publicado na edição 178, de janeiro, da VETERINÁRIA ATUAL