Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
Com a minha primeira oportunidade de emprego no Reino Unido surgiram diversos desafios, nomeadamente o de ingressar num curso europeu de pós-graduação em cirurgia de animais de companhia, que terminei recentemente com sucesso e aproveitamento positivo. A cirurgia de animais de companhia assume-se como a minha área de eleição, compreendendo todos os benefícios de um cirurgião dotado na resolução de patologia cirúrgica dos animais e seu impacto na qualidade de vida dos mesmos.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Nem sempre as oportunidades surgem, por vezes têm de ser procuradas. Já com emprego em Portugal, mas confrontando-me com a escassez de ofertas alternativas senti necessidade de alargar horizontes e descobrir um pouco mais sobre a medicina veterinária fora do país e também sobre mim mesma, relativamente a novas áreas de interesse, aptidões e preferências.
A procura foi ativa e sem grandes apoios, por tentativa e erro, desde o processo de registo no Royal College of Veterinary Surgeons até à concretização da primeira experiência profissional como médica veterinária no Reino Unido. De momento exerço funções num hospital de animais de companhia na área de Northamptonshire, onde lido com uma casuística diversificada, recebendo inúmeros casos referenciados por outras clínicas.
O que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Creio que a falta de oportunidades (tanto de emprego, como de formação), provavelmente mais marcada nos anos de crise económica, foi a grande impulsionadora de todo este processo. A limitada oferta de trabalho/remuneração existente no nosso país condiciona o desenvolvimento pessoal e profissional, impossibilitando o investimento em formação académica avançada, não só por razões económicas, mas por falta de reconhecimento/empregabilidade das mesmas.
Ingressei no doutoramento em Ciências Veterinárias da Universidade de Évora em 2013, imediatamente antes de emigrar, mas além do enorme esforço económico a que me propunha percebi desde cedo que havia mais por explorar nomeadamente a nível de aquisição de competências práticas (médicas e cirúrgicas) e senti que precisava disso mesmo antes de avançar com um compromisso de tamanha envergadura, como é um doutoramento.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
A maior diferença é a abertura do mercado de trabalho. A procura é claramente superior à oferta, o que permite alguma margem de escolha tanto nas oportunidades de trabalho, como nas oportunidades de formação contínua associadas. O ritmo de trabalho no meu dia-a-dia é muito exigente, as jornadas laborais raramente têm menos de 12 horas e a taxa de produção é igualmente elevada. É esperado que seja capaz de atender um cliente e resolver os problemas que apresenta a cada 15 minutos. É igualmente esperado que seja capaz de assumir de forma independente 10-15 pacientes cirúrgicos (desde a ortopedia à cirurgia de tecidos moles, passando pela cirurgia oftalmológica) num dia de trabalho normal.
A maioria da medicina veterinária praticada no Reino Unido é da responsabilidade de entidades privadas, o que estimula a aposta no desenvolvimento de bons profissionais, mas também na sua capacidade de compromisso e alto rendimento técnico, clínico e relacional.
Com a situação do Brexit há alguma pressão para os veterinários estrangeiros voltarem ao país de origem? Ou há constrangimentos à entrada de profissionais estrangeiros no país? Como vê esta situação?
O processo do Brexit encontra-se ainda envolto em incertezas e no desconhecimento. Não sinto, de momento, qualquer tipo de pressão nesse sentido e o Royal College of Veterinary Surgeons tem vindo a emitir diversos comunicados dirigidos a veterinários europeus residentes no Reino Unido, procurando transmitir certezas e confiança num futuro “pós-Brexit”. Quando forem conhecidas as linhas e traços com que se desenhará o futuro dos cidadãos e profissionais europeus no Reino Unido talvez seja possível responder mais assertivamente a esta pergunta. Por enquanto, nada mudou. O Reino Unido e a Europa continuam à espera de respostas e decisões.
Quais os seus planos para o futuro?
Com a obtenção do estatuto de Praticante Avançada em cirurgia de animais de companhia, atribuído pelo Royal College of Veterinary Surgeons pretendo continuar a cimentar e aprofundar todo o conhecimento adquirido. A nível académico sinto-me agora mais preparada para ingressar e levar a bom porto o desafio de um doutoramento em ciências veterinárias.
Equaciona voltar a Portugal?
O objectivo passará sempre por regressar a Portugal, até por motivos familiares. O único receio mantém-se associado à escassez de oportunidades de trabalho e valorização associada às mesmas. Mas na eventualidade de uma oportunidade de emprego em Portugal que abarque todas as competências que tenho vindo a desenvolver claro que sim, sem dúvida.
Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Gostaria de poder continuar a praticar cirurgia de animais de companhia num centro de referência e de ingressar na carreira docente, algo que sempre me atraiu.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
O melhor conselho que posso deixar é: “não se acomodem!”. Nada é definitivo e, por vezes, uma experiência fora do país abre portas e horizontes que se assumiam, à partida, impossíveis. O português é, por excelência, um mestre na capacidade de se adaptar e encarar positivamente desafios e provações. Nem sempre o caminho é linear e direto, mas às vezes as curvas e contra curvas compensam, ensinam, moldam-nos, enriquecem-nos.
O mercado de trabalho em Portugal, tanto na medicina veterinária, como em muitas outras áreas diferenciadas requer oportunidades e investimento, sim, mas requer também que os profissionais tenham noção do seu valor, capacidades e exijam mais e melhor, a bem do seu crescimento e da qualidade dos serviços prestados. Compromisso e padrões elevados de qualidade e exigência só trazem vantagens para empregados, empregadores e claro, para os clientes.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Acredito que a medicina veterinária em Portugal tem imenso potencial, acima de tudo pela qualidade de formação. Ao iniciar a minha prática no Reino Unido não me deparei com lacunas ou falhas de conhecimento, não me senti em nada inferior aos colegas britânicos. Julgo que as limitações que tanto nos afectam se prendem com a condição geral do país, nomeadamente no que concerne a dificuldades económicas. Creio que a implementação de um sistema de seguros de saúde para animais de companhia beneficiaria em muito tanto os animais, como os seus proprietários e, claro, o estado da medicina veterinária em Portugal.
Sendo a componente económica a limitação mais premente na prestação de cuidados de saúde aos animais de companhia, a introdução e cultivação dos seguros de saúde permitiria alargar o espectro de cuidados oferecidos, criando caminho para novas oportunidades, mais formação, mais emprego, mais qualidade e melhoria do estado de saúde dos nossos animais de companhia. Se a limitação não se prende com a qualidade da formação, mas sim com o mercado de trabalho, com a introdução de algumas destas medidas, creio que a medicina veterinária em Portugal teria condições para se desenvolver e afirmar, a par das melhores do mundo.
Qual o seu sonho?
Poder regressar ao meu país. Para junto da minha família, dos meus amigos. Viver uma vida equilibrada, com realização profissional, mas com espaço para desafios que nada tenham a ver com o trabalho. Encontrar uma oportunidade de emprego que não me limite, nem me “corte as asas”, pelo contrário, abarque todas as minhas competências. Contribuir de forma ativa para uma mudança de mentalidades na medicina veterinária em Portugal, através do ensino e de uma oportunidade de carreira de docente. Quem sabe desenvolver o meu projeto na área da medicina veterinária, com rosto e personalidade próprias, apostando na qualidade da oferta, na satisfação dos clientes, mas também dos seus profissionais.