Há muito que a medicina veterinária tem as atenções voltadas para o comportamento de cães e gatos. Mas e os exóticos? O que se sabe sobre o comportamento destes novos animais de companhia? E como isso pode ter influência nas suas doenças?
“As áreas comportamentais mais relevantes são as do comportamento alimentar e social”, refere Rui Patrício, médico veterinário de espécies exóticas. “Sem o conhecimento de como um animal se alimenta e de que se alimenta será difícil mantê-lo em bom estado de saúde”, afirma.
Como a maioria das doenças está relacionada “direta ou indiretamente com a alimentação”, este passa a ser “o comportamento mais importante”. Por outro lado, o comportamento social torna-se relevante “quer para se perceber se existe algo anormal com o animal, quer para tentar, no caso dos proprietários, manter um relacionamento com o mesmo que não altere a sua fisiologia ou mesmo o seu estado de saúde”, acrescenta.
O problema que muitas vezes parece ser físico, porque o animal não come ou não tem a sua atividade normal, acaba por ser comportamental. É aqui que começam os grandes desafios e dificuldades, sobretudo quando se tenta escolher os melhores tratamentos para estes problemas. Rui Patrício aponta como desafio principal “saber como funcionam os diferentes princípios ativos nas diferentes espécies, quais as doses e as vias de administração, que podem variar bastante, mesmo dentro do mesmo grupo de animais, quer sejam aves, répteis ou pequenos mamíferos exóticos.
Como principal limitação Rui Patrício refere o tamanho do paciente. “É muitas vezes impossível, quer em relação a tratamentos, mas também ao diagnóstico, ultrapassar este problema. Um paciente de 20g ou menos apresenta limitações para o veterinário”. Outra dificuldade é a falta de acesso em Portugal a todos os medicamentos que os profissionais necessitam para tratar os animais exóticos convenientemente.
Tentar conhecer e compreender os seus comportamentos é tanto um desafio, como uma dificuldade pelo facto de haver a tendência “de fazer comparações com outras espécies, nomeadamente o cão ou o gato (no caso dos veterinários) ou de antropomorfizar os mesmos (no caso dos proprietários) que condicionam a forma de os tratar”. Nestes casos, o mais importante é assumir que “todas as espécies são diferentes entre si”, aconselha Rui Patrício.
Para Daniela Zurr, médica veterinária em Medicina Comportamental, membro da European Society of Veterinary Clinic Ethology e secretária da German Association of Veterinary Behavioural Medicine, “em muitas espécies, o conhecimento sobre o comportamento é menor do que nos cães e gatos, o que torna mais difícil distinguir o que é normal ou não em certos comportamentos. Como existem muitas espécies distintas com diferentes linguagens corporais e necessidades específicas, nenhum médico consegue ser especialista em todas elas”, explica.
Uma vez que os animais exóticos não partilham a vida com os seus donos, tanto como acontece com cães e gatos, os problemas comportamentais são desconhecidos ou mesmo ignorados, até que se tornam mais graves. “É neste momento que se torna realmente difícil selecionar um tratamento ideal”. Por exemplo, no que diz respeito à tipologia e comportamento social da iguana verde e do Dragão Barbudo, “ambas as espécies podem ser ótimos animais de companhia, mas também têm mais problemas de comportamento. Muitas pessoas subestimam as capacidades cognitivas de uma tartaruga ao mantê-la permanentemente enclausurada numa ilha”, explica a médica veterinária alemã. Esta é uma das razões que explica muitos dos problemas de comportamento destas espécies.
Algumas das técnicas utilizadas na prevenção de doenças do comportamento passam por oferecer “boa luz, temperatura e humidade às espécies, o que no passado era muito difícil de conseguir”. Por outro lado há que atuar após tentativas e erros até chegar a um tratamento sistemático e científico. “O diagnóstico tem de passar pela história clínica, observação, exame físico e um teste”. Os proprietários são então informados sobre o prognóstico e é delineado um tratamento individual. “Nas espécies mais perigosas, os profissionais têm de contar com sistemas de proteção de contacto de forma a manter comportamentos desejados e suprimir os indesejados”.
Daniela Zurr trabalhou muitos anos em clínicas que trabalhavam exclusivamente pacientes com répteis e deparou-se com muitos problemas comportamentais. Na sua opinião, o conhecimento sobre esta área tem de ser incrementado. Existem ainda muitas espécies onde o comportamento normal é desconhecido por parte dos profissionais. “O que sabemos sobre o comportamento dos animais exóticos é ainda a ponta do icebergue e julgo que é entusiasmante que mais profissionais se interessem por esta área, como já se assiste na Alemanha relativamente aos porquinhos-da-Índia e em Inglaterra em relação aos répteis”.