A revista VETERINÁRIA ATUAL publicou em maio deste ano uma reportagem sobre a IRA – Intervenção e Resgate Animal, organização que está agora a ser investigada pela Unidade de Contraterrorismo da Polícia Judiciária e pelo Ministério Público, de acordo com uma notícia avançada pela TVI. Recorde a reportagem.
A missão IRA – Intervenção e Resgate Animal é constituída por “um grupo de pessoas de cara tapada, que se dedica ao resgate de animais” e “dotado de valências militares” que acredita estar a conseguir mudar mentalidades. O grupo afiança que veio “dinamizar ou estimular as ações das diversas autoridades e entidades municipais”.
Há várias entidades que se dedicam ao resgate de animais (e ao seu cuidado), algumas já com décadas. No entanto, nos últimos meses uma destas entidades tem vindo a ganhar particular destaque. Falamos da missão IRA – Intervenção e Resgate Animal.
Na sua página de Facebook, que conta com mais de 97 mil fãs, é especificado que esta entidade é dedicada ao “resgate de animais vítimas de maus-tratos, negligência ou quando as suas condições de segurança previstas na lei não estão asseguradas”.
A atuação do grupo está circunscrita “aos municípios de Lisboa, Amadora, Oeiras, Cascais, Sintra e Loures”, mas em situações de calamidade pública “interviremos a nível nacional”. Exemplo disso foi a intervenção aquando os incêndios que fustigaram o país, em outubro passado, recolhendo medicamentos, produtos de primeiros-socorros, alimentos e outros bens para as zonas afetadas.
Um grupo de resgate
Recorrendo às próprias palavras do IRA, que falou por email com a VETERINÁRIA ATUAL – mantendo o anonimato que caracterizado grupo – foi explicado que “somos um grupo de pessoas de cara tapada, que se dedica ao resgate de animais e fá-lo sem pedir donativos”. Este grupo apostou na criação de “uma imagem misteriosa” e é “dotado de valências militares e respetiva logística”. Não confundir, contudo, com o Irish Republican Army (IRA). Neste ponto, o grupo de resgate animal defende que “IRA pode remeter para diversos significados enquanto acrónimo ou palavra. Torna-se irrelevante determinado tipo de comparações quando o branding é funcional e o acrónimo tem um significado conhecido a nível nacional. A mensagem existe e foi aceite a todos os níveis pela maioria”.
Dentro do grupo, que existe desde o dia 20 de setembro de 2016, foram criados vários departamentos distintos “para lidar com cada fase do processo: Denúncia, Resgate, Reabilitação, Acolhimento e Adoção”. E desde então já fez mais de 50 resgates de animais em condições de maus-tratos ou até risco de vida. O IRA é ainda produto do seu tempo e, por isso, viu nas novas tecnologias – nomeadamente nas redes sociais – uma ‘ferramenta de trabalho’ e um veículo para levar, cada vez mais longe, o trabalho que desenvolve em prol da causa animal. Neste sentido, os elementos do grupo “filmam, editam e publicam as suas ações”.
Surpreender as instituições
Mas esta missão foi criada com uma finalidade diferente da atual. Surgiu “após o segundo resgate de um canídeo”, sendo que a página de Facebook “foi criada no âmbito da divulgação para adoção do mesmo, mas o efeito foi totalmente diferente”, ou seja, “em vez de recebermos candidaturas, recebíamos denúncias”. E foi a partir daqui que assumiram como meta “surpreender-nos com alterações na legislação e em instituições competentes, de forma a fazer face aos crimes que visam o bem-estar de todos os animais. Enquanto isso não for feito, surpreenderemos as demais instituições competentes”.
Há, inclusive, quem aponte o dedo ao IRA de fazer resgates à margem da lei. Porém, o grupo argumenta que, em contrapartida, também “há quem nos aponte o dedo de fazer um excelente trabalho em prol da causa animal, que estamos a conseguir mudar mentalidades e que, de certa forma, viemos dinamizar ou estimular as ações das diversas autoridade e entidades municipais”.
Relação com médicos veterinários
No que toca ao modus operandi do IRA, “após avaliação da respetiva denúncia contactamos as entidades competentes para que nos possam auxiliar ou agilizar o processo de resgate”, sendo que “colaboramos maioritariamente com entidades municipais e veterinárias, no âmbito da recolha e tratamento das diversas denúncias. Contudo já tivemos situações onde foi necessário acompanhamento policial para a retirada de animais”.
Quanto à relação com os médicos veterinários, o grupo refere que “no departamento de Reabilitação trabalhamos com entidades veterinárias, seja em simples colocações de microchips, vacinas e consultas de rotina, seja em cirurgias de urgência, esterilizações ou internamentos por qualquer motivo”. Além disto “muito pontualmente surgem denúncias onde carece de acompanhamento de um médico veterinário ao local, derivado ao estado do(s) animal(ais) em questão”.
Golias – hospital veterinário itinerante
Mas a maior dificuldade do IRA, ao contrário do que se poderia pensar, nem é o contacto com as demais entidades que um resgate possa exigir. É mesmo “ a disponibilidade”. Neste sentido, a missão de resgate animal explica: “uma vez que não aceitamos financiamento de particulares, temos de reservar as nossas ações sempre para um horário pós-laboral”.
Se esta é a dificuldade, o desafio é outro: “contrariar uma mentalidade ultrapassada, onde os animais são vistos como ferramentas ou propósitos absurdos”. Enquanto esta mentalidade não mudar, a IRA promete não parar e, por isso, em termos de projetos futuros pretende abrir “mais espaços comerciais para a sustentabilidade financeira da nossa estrutura”, assim como criar aquilo a que denomina ‘Golias’: “uma viatura pesada com a valência de hospital veterinário itinerante para dar resposta a catástrofes nacionais e apoio à medicina veterinária municipal”.
Quanto ao anonimato, nomeadamente no relativo a manter esta característica, o IRA salienta que “o anonimato ou revelação das nossas identidades em nada afeta a nossa missão” e, por isso, “no dia em que tivermos um bom motivo para mostrarmos os nossos rostos iremos ponderar”.
Por agora, a missão é continuar a salvar animais e o grupo tem sido bem-sucedido. “Cremos que é a estrutura em que assenta a nossa instituição e o sucesso das nossas ações que nos distingue e projeta da forma como tem sucedido nos últimos meses”.
Lei “meramente ilustrativa”
Até ao momento em que concedeu a entrevista à VETERINÁRIA ATUAL, o resgate mais difícil que o IRA tinha feito foi o da Kira, uma cadela american staffordshire terrier, vítima de maus tratos e de violência, em 2016. “É com ela que vivemos todos os dias e cada vez que olhamos para ela relembramos o estado em que se encontrava. Nenhum animal merece passar por aquilo e nós, no que nos for possível, iremos garantir isso mesmo”. Por isso, a missão de resgate animal olha para Portugal, em termos dos maus tratos e do abandono, como um “país num bom e longo caminho a percorrer”.
O IRA considera que a lei que criminaliza os maus tratos e o abandono “é meramente ilustrativa” pois, na sua opinião, “a lei protege um cão se for considerado animal de companhia, mas não se estende a esse mesmo cão se for considerado de guarda ou caça”. Por outro lado, alerta que “as entidades policiais, na sua grande maioria, não possuem formação, meios humanos nem logística para a sua aplicação e as entidades veterinárias municipais não possuem verbas, nem instalações suficientes”.