Um dos únicos ilustradores científicos do mundo com formação em Medicina Veterinária é português. Diogo Guerra explicou à Veterinária Atual como surgiu o interesse pela ilustração, como agarrou a oportunidade de trabalhar em Zurique e porque optou por se estabelecer em Portugal como freelancer.
Como foi o seu percurso?
Nasci em Lisboa, tenho 28 anos e tirei o mestrado em Medicina Veterinária na FMV-UL. E foi durante o mestrado que tive a possibilidade de fazer um estágio em Zurique, na área de Parasitologia. Desde sempre que tinha um interesse por esta área, pela parte laboratorial e por uma componente mais visual, que sempre apreciei bastante.
Depois do estágio de cinco meses fiquei em Zurique a trabalhar durante dois anos num projeto de investigação e foi durante esse percurso que me apercebi que havia uma grande lacuna na componente visual dos materiais didáticos dados nas aulas, em forma de artigos científicos ou posters de conferências. Reparei que existia falta de pessoas com formação em Medicina Veterinária, com conhecimentos de base e que estivessem à vontade para criar materiais diferentes dos poucos que já existiam.
O que aconteceu quando terminou o estágio?
Terminando o projeto de investigação vi uma oportunidade em aliar o meu background em Medicina Veterinária à paixão pela área do desenho. Juntar dois mundos diferentes, mas que faziam muito sentido para melhorar comunicação tanto entre os veterinários, como entre os alunos e os docentes ou mesmo com os donos.
Quando surgiu esta paixão pela ilustração?
Desde pequeno que gostava de ver os documentários da National Geographic e depois fazia desenhos dos animais que via. Olhando em retrospetiva, o que faço é uma versão profissionalizante de quando tinha cinco anos.
Hoje em dia, o que me dá mais prazer não é tanto o desenho realista que a maior parte das pessoas estão à espera, mas trabalhos mais visuais, com texto e elementos gráficos para materiais didáticos, como posters e infografias, que fundem imagem e texto para explicar conteúdos que são, por norma, mais complexos. Desta forma explica-se de forma mais simples. Quando me preparo para começar um trabalho, mais do que procurar informação, vejo o que não existe, ou o que existe sobre determinado assunto para criar algo novo e diferente.
Qual o seu primeiro trabalho?
Foi sobre um ciclo de parasitas, quando estava com o projeto de investigação em Zurique. Vários laboratórios estavam a desenvolver trabalho sobre o mesmo tema e a ideia era criar um ciclo de vida do parasita echinococcus multilocularis que pudesse ser usado por vários membros das várias equipas. Acabei por ter um feedback muito bom e por ser material novo, pouco visto, gerou grande interesse por vários membros. Foi uma boa forma de atrair atenção para o nosso projeto. Esta é uma das razões pelas quais defendo que apostar em materiais novos é uma ótima forma de atrair atenção para o material que estamos a criar.
Fez algum curso de ilustração?
Sim, ainda estava em Zurique quando começou a transição da investigação para parte artística com um curso de ilustração e aulas de desenho. Tive a sorte de ter conhecido as pessoas certas. Fui convidado para trabalhar no departamento gráfico da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Zurique, uma situação pouco comum pois não existem muitas instituições de ensino com estes departamentos. O projeto teve a duração de um ano e meio e depois regressei a Portugal.
Porquê?
Regressei porque há muito trabalho para fazer e tinha todo o interesse em agarrar no que tinha aprendido lá fora e trazer o conhecimento para o meu país. Por outro lado trabalho por conta própria fazia sentido ir para um local onde possa trabalhar com clientes no estrangeiro, mas com as vantagens de estar em Lisboa, como o bom tempo e a gastronomia (risos).
Neste momento estou a trabalhar na ilustração e quando me perguntam se não tenho pena de ter deixado de ser veterinário respondo que ainda me considero veterinário, apenas segui uma saída profissional pouco ortodoxa. Trabalho a 100% na área de ilustração médica.
Como surgiu a oportunidade de conduzir o workshop sobre ilustração na FMVUL?
O convite foi feito pelo departamento científico da Associação de Estudantes da faculdade. A ideia era conduzir um workshop de ilustração, mas depois decidimos que o mais interessante para os estudantes e investigadores seria apresentar uma série de competências que incluíam desenho e princípios básicos de design, para melhorar a apresentação de posters ou trabalhos científicos.
Achei a ideia interessante e acho que a minha função, enquanto ilustrador, passa por criar na comunidade científica uma maior cultura visual e sensibilização de usar bons materiais visuais para atrair atenção e melhorar a comunicação em ambiente científico.
Quais as principais dúvidas dos participantes?
Houve muito interesse por parte dos participantes em criar um bom poster científico, dúvidas sobre quais as cores a usar, qual o tipo de letra ou estilo aceitável, também falámos de copyright e sobre o que pode ser utilizado.
Quais os seus planos para o futuro?
Tenho vários projetos a decorrer. O ano passado colaborei com uma médica veterinária e uma nutricionista para um livro de receitas para cães, além de um projeto em Zurique para apresentar um manual de virologia, que vai sair em breve. Muitas dessas ilustrações – o livro tem mais de 170 desenhos – podem ser vistas no meu site (http://diogoguerra.com).
Além disso existe a parte da educação que acho interessante que vá dinamizando. Tenho projetos com os colegas de Zurique, como posters dos nervos cranianos do cão. O objetivo passa por criar materiais visualmente atrativos, completos e que sirvam de material de estudo não só para veterinários, como para os alunos. Os posters podem ser encomendados online. Depois fazemos a impressão e o respetivo envio. Também tenho alguns projetos na FMVUL, nomeadamente na área da anatomia patológica.
Créditos da Fotografia: © Tiago Almeida / www.tiagoalmeida.ch