Paulo Borges, médico veterinário especialista em Reprodução Animal pelo ECAR
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área de especialidade é a reprodução animal, conhecida como Colégio Europeu de Reprodução Animal (ECAR) com a subespecialidade de carnívoros domésticos. A razão pela qual decidi enveredar por esta área foi exatamente pelo potencial que possui. Existindo apenas um diplomado no país, o Prof. António Rocha, significa que existe muito caminho a desbravar e muitas oportunidades para descobrir. Não obstante, tenho um especial carinho pela fauna selvagem, à qual espero poder dar o meu contributo na preservação de espécies em vias de extinção.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Tudo surgiu com a experiência Erasmus, que me permitiu expandir os horizontes e procurar mais além. Aproveito para incitar todos os jovens em experiências deste âmbito, que permitem descobrir, enriquecer-se e especialmente conhecer sítios e pessoas que nos podem verdadeiramente mudar o futuro. Atualmente trabalho na Escola Veterinária de Maisons-Alfort, Paris, uma das mais antigas da Europa, cujo hospital veterinário é dos maiores, senão o maior em termos de casuística. Além da Universidade, trabalho em duas clínicas privadas com serviço maioritariamente de referência e faço consultoria veterinária para empresas especializadas.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Infelizmente a situação económica do país incitou-me a procurar trabalho lá fora para obter melhores condições. No entanto, o principal motivo foi querer algo diferente, não seguir o caminho que a grande maioria dos meus colegas queriam seguir e isso culminou numa especialização, uma das etapas que considero fulcrais para o desenvolver da nossa profissão.
Como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Um dia normal começa com cirurgias, seguindo-se as consultas especializadas de reprodução assistida e de patologia de reprodução, sempre com a parte pedagógica aos estudantes com componente teórica e prática. Aos fins-de-semana, o teor do trabalho altera-se um pouco e maioritariamente faço serviço de urgência em clínicas privadas e sobretudo sou orador frequente, tenho como público-alvo alunos, mas sobretudo criadores e veterinários.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Em 2009 tive a oportunidade de viver um ano em Wroclaw, na Polónia, durante uma experiência de intercâmbio europeu, o que facilitou bastante a minha capacidade de adaptação. Tendo em conta que a cultura francesa é relativamente semelhante à nossa, a adaptação fez-se quase naturalmente. No entanto, em completa sinceridade, não defino o meu presente e a minha situação como estando em casa, havendo sempre algo que falta, há sempre um sentimento de querer voltar a casa, um dia…
Do que mais tem saudades de Portugal?
Sinceramente, de tudo. Tenho a sorte de poder viajar pelo mundo devido às conferências que faço e posso afirmar, sem sombra de dúvida, que de todos os locais que conheci o nosso “cantinho” é de longe o mais bonito, saboroso, simpático e por tudo isto, o mais saudoso e nostálgico. Tenho saudades da comida, da espontaneidade e simpatia característica do nosso povo, da tasca da esquina, do belo chouriço assado acompanhado da mini, mas sobretudo da pureza e transparência dos amigos e do calor da família que tanto me fazem falta.
Quais os planos para o futuro?
Começo a orientar-me mais para o sector privado e desenha-se no horizonte o desenvolvimento de um centro de reprodução orientado para os carnívoros domésticos na região parisiense. Trabalhar na fauna selvagem entra nos meus planos de futuro e fará seguramente parte do projeto do centro de reprodução, onde atualmente já fazemos expedições a determinados países, nas quais espero participar mais ativamente e dedicar-lhe mais tempo.
Equaciona voltar a Portugal?
Sim, sem dúvida alguma.
Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Gostaria de participar, com colegas eventualmente de outras especialidades, na elaboração de um hospital veterinário de referência, mas isso é o sonho de grande parte dos especialistas que conheço que estão no estrangeiro. Além disso tentarei que a fauna selvagem seja parte integrante dos meus projetos.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Aconselho que procurem alternativas à escolha “base” e ao efeito de “rebanho”. Que explorem a nossa tão complexa profissão, que lhe deem valor e sobretudo polivalência. Algo muito incompleto na nossa formação é a parte prática, o que é um grande handicap quando se procura um primeiro emprego. Aproveitem bastante os períodos “mortos” para fazerem estágios e sobretudo aprender os gestos básicos da medicina veterinária nos respetivos campos de competência.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal?
Não me arrependo do meu percurso. Algo que via na altura, e continuo a ver hoje em dia, é a falta de diversificação da nossa profissão. Temos tantas competências no nosso currículo e estas podem ser tão variadas que acho que mais atenção e dedicação, talvez mesmo nos programas curriculares, deviam ser exploradas para que estas possam verdadeiramente ser conhecidas. Porque a clínica generalista está cada vez mais saturada, o que não é saudável, nem para o presente, nem para o futuro da profissão.