Um estudo da Universidade de Auburn e do Centers for Disease Control and Prevention, nos EUA, veio confirmar as altas taxas de suicídio entre os médicos veterinários e aponta o pentobarbital como o método mais utilizado
Conjugar o exercício da prática clínica com a gestão do CAMV, lidar com tutores e equilibrar as emoções tantas vezes abaladas por situações de doença ou eutanásia – os desafios para os médicos veterinários são muitos e criam frequentemente um cenário propício ao desenvolvimento de problemas de saúde mental.
Estas foram as conclusões de um estudo apresentado em julho pela World Small Veterinary Association (WSAVA), que estabelecia uma correlação entre uma carreira em medicina veterinária e o elevado risco de problemas de saúde mental. De acordo com a pesquisa, as mulheres, jovens profissionais e auxiliares veterinários são os grupos mais afetados, e as conclusões levaram mesmo a WSAVA a prometer “um plano de ação urgente”.
Agora, um novo estudo conduzido por investigadores da Universidade de Auburn, nos Estados Unidos da América, e pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) veio não só confirmar as conclusões das investigações anteriores, mas também introduzir um dado alarmante: grande parte dos médicos veterinários utilizam medicamentos eutanásicos para cometer suicídio, sendo o pentobarbital o mais utilizado. A maioria dos veterinários que recorreu a este método (13 em 18) fê-lo na sua própria casa.
Intitulado Suicides and deaths of undetermined intent among veterinary professionals from 2003 through 2014 e publicado na revista científica Journal of the American Veterinary Medical Association, o estudo utilizou dados recolhidos entre 2003 e 2014 pelo National Violent Death Reporting System (Sistema Nacional de Informação de Mortes Violentas). Os dados vieram reiterar que as taxas de suicídio entre veterinários e técnicos são significativamente mais altas quando comparadas com as do resto da população do país.
O estudo corrobora ainda as conclusões da pesquisa da WSAVA, realizada com 4258 veterinários de todo o mundo, destacando que são as profissionais do sexo feminino e os auxiliares técnicos veterinários (ATV) os mais afetados: enquanto a taxa de suicídio dos médicos veterinários é 1,6 mais alta do que a da restante população, a das suas congéneres mulheres é de 2,4.
Quanto ao universo dos auxiliares técnicos de veterinária, o panorama inverte-se em relação aos médicos, com cinco vezes mais mortes de profissionais do sexo masculino comparativamente à restante população e 2,3 vezes mais mortes de auxiliares femininas.
Os dados vão ainda ao encontro de outra pesquisa do CDC, publicada na mesma revista científica, que apontava que – entre 1979 e 2015 – a taxa de suicídio foi até 3,5 vezes mais alta entre médicos veterinários estado-unidenses do que a população em geral.
Os investigadores da Universidade de Auburn revelaram ainda que apenas 13% dos veterinários tinha um historial de tentativas de suicídio antes da sua morte, número que sobe para os 38% no grupo dos técnicos de veterinária. Já as intenções de suicídio foram reveladas por 33% dos veterinários e 24% dos ATV a outra pessoa no período anterior à sua morte.
No entanto, quase metade (49%) dos veterinários e 55% dos técnicos tinha tido problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias a dado ponto na sua vida.
Maior controlo sobre fármacos
Como parte das conclusões do estudo, os cientistas recomendaram “maior controlo administrativo” sobre as substâncias eutanásicas que podem ser utilizadas nas tentativas de suicídio e ainda a “implementação de estratégias de prevenção de suicídio com base em evidência, como as que promovem a ligação social, identificação e apoio de pessoas em risco e a melhoria de competências de gestão e de resolução de problemas”.
Na sequência de suicídios da parte de veterinários e da publicação do estudo do CDC em janeiro deste ano, a American Veterinary Medical Association (AMVA) criou um conjunto de recursos de promoção do bem-estar mental para os seus membros, incluindo sessões gratuitas para aprender a identificar colegas em risco e a direcioná-los para apoio profissional.
Discussões sobre o equilíbrio da vida pessoal e profissional foram também encetadas e foi criada uma lista de serviços de apoio à saúde mental, que os veterinários podem consultar caso necessitem de ajuda, por forma a reduzir o estigma associado a estes problemas.
Citado pelo Washington Post, o presidente da AMVA, John de Jong, disse que “a única forma que podemos lidar com isto e alcançar progressos é através de uma abordagem holística e all-hands-on-deck [‘mãos na massa’]”.
“Pela primeira vez, este assunto está a ser falado desde que as pessoas entram numa escola de medicina veterinária, no início da sua carreira e até ao topo da indústria”, acrescentou o presidente da AMVA.
Em Portugal, em declarações à SIC Notícias, Jorge Cid, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, disse que a veterinária é uma profissão “extremamente stressante” e que os veterinários estão sujeitos a muitas pressões, incluindo lidar com o desgosto dos clientes e resolver situações quando não têm meios para tal.
“Tudo isto causa alguma depressão e que pode, eventualmente, dado o alto stresse, levar a pessoa a suicidar-se”, disse.
Lidar com o luto
Ainda este ano, em julho, o Núcleo Académico de Estudos e Intervenção sobre Luto (NAEIL) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa voltou a discutir o luto na saúde animal, no âmbito do seminário ‘Suportar o luto do outro – o papel dos profissionais de saúde animal’.
“Hoje, a nossa ligação [com os animais] deixou de ser fundamentalmente funcional e passou a ser uma ligação emocional e afetiva, o que quer dizer que os cães e os gatos passaram a ter um significado particular na nossa vida”, disse à VETERINÁRIA ATUAL Ricardo Reis dos Santos, biólogo, um dos responsáveis pela organização do evento, em conjunto com Miguel Barbosa, psicólogo clínico.
O NAEIL tem vindo a colaborar com a Associação Portuguesa dos Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC) para promover ações de formação que ajudem os médicos veterinários a lidarem com estas situações. “Foi justamente com este objetivo que organizámos, em colaboração com a APMVEAC, um workshop especificamente sobre luto e um curso de estratégias de comunicação clínica para que estes profissionais adquiram conhecimentos, teóricos e práticos sobre o processo de luto e o modo como devem lidar com estas pessoas, que, naquele momento, estão numa condição extremamente vulnerável, para não lhes fazer mal […]. Por outro lado, ao aprenderem como estes processos de luto funcionam, ao aprenderem as ferramentas e as técnicas que podem usar nestas situações, estamos certos de que pode constituir um fator protetor para os próprios profissionais de saúde animal”, conclui.