A Portaria n.º 146/2017 veio definir as regras de implementação de colónias controladas, vulgarmente designadas por programas ou projetos CED (captura, esterilização e devolução) para felídeos errantes. A Câmara Municipal de Braga, através do Programa Cheque Veterinário, disponibilizou todas as ferramentas necessárias à implementação no terreno das colónias CED, de acordo com a Portaria n.º 146/2017, e promovidas por duas associações de proteção animal do concelho de Braga (Abandoned Pets e APPANIBRAG) ao abrigo de Protocolo CED assinado entre as partes.
O Projeto CED, delineado pela Portaria n.º 146/2017, é mais do que um projeto de controlo da reprodução. Constitui-se como um projeto que salvaguarda a saúde pública e a saúde animal:
- Todos os animais são desparasitados interna e externamente, reduzindo os riscos de saúde pública relacionados com as zoonoses parasitárias, como por exemplo, a toxocarose. “A toxocarose parasitária transmitida pelos animais de companhia para os seres humanos […]” e a “contaminação ambiental por ovos de toxocarose é considerada a principal fonte de contaminação para o ser humano”. (David Otero, David, et al. Environmental contamination with Toxocara spp. eggs in public parksand playground sandpits of Greater Lisbon, Portugal. Journal of Infection and Public Health. 2017). Da mesma forma, a desparasitação externa dos animais das colónias CED controladas permite o controlo de infestações de parasitas como pulgas e carraças.
- Todos os felídeos, fêmeas e machos, são vacinados com a vacina da raiva. A raiva é uma zoonose fatal para os animais e o ser humano. É uma doença infeciosa que afeta os mamíferos, que se instala e multiplica primeiro nos nervos periféricos, e depois no sistema nervoso central. Não existem há décadas relatos e registos de animais infetados no nosso País ou pessoas com o vírus da raiva por mordedura de animais em Portugal. Esse estado de ausência da doença deve-se ao esforço de técnicos e população na vacinação contra a doença, quase de forma massiva. O projeto CED visa a manutenção dos felídeos em modo livre e errante, a vacinação permite que não sejam uma população vulnerável à zoonose. É pretensão da Portaria n.º 146/2017 a saudável convivência entre animais, felídeos, e o ser humano, não procurando o alarmismo das populações, mas tomando medidas preventivas para essa saudável relação.
- A definição pela entidade promotora da colónia de um responsável pela monitorização desses animais, pela sua alimentação e abeberamento permite a redução de insalubridades e conspurcação do ambiente com alimento. Desta forma, os incómodos pela presença dos grupos de felídeos são reduzidos e controlados, e novamente a salvaguarda da saudável convivência entre os gatos e as pessoas fica defendida.
- A redução das conspurcações ambientais, insalubridades e da quantidade de alimento disponível reduz e controla a proliferação de pragas oportunistas, como roedores e pombos e, novamente, é a saúde pública que sai reforçada.
- A monitorização e controlo dos animais pertencentes às colónias controladas assegura que gatos doentes das mesmas possam usufruir dos cuidados médico-veterinários necessários à salvaguarda do seu bem-estar e, em última análise, à proteção da saúde pública e das pessoas.
As colónias promovidas pelas associações de proteção animal de Braga, através do Programa Cheque Veterinário da Ordem dos Médicos Veterinários, ao qual aderiram vários centros de atendimento médico-veterinário do concelho de Braga promovem o controlo da reprodução e da população de felídeos errantes. Esse controlo passa pela captura, esterilização dos animais e devolução. Mas também passa pela promoção da adoção dos felídeos, cujo comportamento e sociabilização com o ser humano lhes permite sair da “vida de rua”.
Através do projeto CED, foram intervencionados vários locais do Concelho de Braga. Analisando os resultados de uma das associações promotoras, num espaço temporal de dois meses e 12 dias, conseguiu-se que 15% dos animais saísse das ruas e fosse adotado por uma família, abandonando a condição de errante ou “vadio”. Das várias dezenas de felídeos recolhidos, em menos de três meses, foram provavelmente salvos da morte natural aproximadamente 20% desses gatos, dado que receberam tratamento médico adequado previsto no Programa Cheque Veterinário e, nomeadamente, internamento hospitalar, colocando um fim ao seu estado de saúde debilitado. De todos os casos de sucesso assistidos, o Kiko é motivo de orgulho para todos os voluntários e envolvidos no projeto, por ter sido assistido a uma fratura e ter sido adotado por uma família.
O projeto CED não é um projeto destituído de emoções, é também um projeto rico em situações peculiares que alimentam a coragem e determinação das equipas de voluntários, que, de forma gratuita, dedicam o seu tempo aos animais e que se autoestimulam pelo sucesso alcançado e pelo carinho e bem-estar proporcionado aos animais que eram de ninguém.
Através do Projeto CED foi igualmente possível fazer um estudo da prevalência do vírus da leucemia felina e da imunodeficiência felina na população de felídeos errantes do concelho de Braga, dado que uma das associações promotoras testou todos os animais intervencionados. A amostra recolhida relativa ao período de dois meses e 12 dias, constituída por 72 gatos selecionados em grupos de risco elevado, de nove locais distintos do concelho de Braga, errantes (100%), foram capturados para serem esterilizados e integrarem programas de adoção ou de restituição ao habitat natural no âmbito do CED. O vírus da leucemia felina (FeLV) e o vírus da imunodeficiência felina (FIV) pertencem à família retroviridae. Nos nove locais distintos do concelho de Braga, com uma amostra de 72 felídeos, obteve-se um resultado de 2,78% positivos à doença de Felv relativamente à amostra total da população analisada naquele período.
O Projeto CED, delineado pela Portaria n.º 146/2017, é um projeto de controlo da reprodução, de salvaguarda da saúde pública e a saúde animal e uma oportunidade de recolha de informação relativa a aspetos de suma importância para a população de felídeos em geral.
O projeto CED em execução no concelho de Braga foi possível graças ao total apoio do senhor vereador Altino Bessa, à disponibilização por parte do Município de todos os meios e ferramentas necessárias, de acordo com a Portaria n.º 146/2017, às associações de proteção animal aderentes, que voluntária e voluntariosamente executam os trabalhos no terreno.
Liliana Vaz de Carvalho
Médica veterinária da Câmara Municipal de Braga
Nota de edição: Não perca, na edição de janeiro (n.º 134) da VETERINÁRIA ATUAL, a reportagem no Centro de Recolha Oficial de Braga.