Estivemos à conversa com César Gomes, cirurgião veterinário que revela como é o seu dia de trabalho no Anderson and Abercromby Veterinary Rereffals, no Reino Unido.
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
Cirurgia de Animais de Companhia. É uma área que sempre me interessou não só pela capacidade de congregar várias especialidades numa só, mas também por todo o trabalho de destreza física e intelectual que lhe é adjacente. Além disso dá-nos muitas das vezes a possibilidade de resolvermos os problemas de saúde dos animais de forma mais célere e definitiva. Sempre me senti bem, enquanto estudante, no bloco de cirurgia e penso que ter feito bastantes estágios, enquanto estudante, me permitiu conhecer diferentes cirurgiões e isso foi definitivo para a minha escolha. É uma área desafiadora pela complexidade de algumas patologias e das técnicas cirúrgicas necessárias para as resolver. É uma área trabalhosa, em constante aprendizagem, e que requer muita persistência, mas é apaixonante.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
A oportunidade fui eu próprio que a criei, mas de forma gradual com as sucessivas vindas ao Reino Unido. O primeiro contacto surgiu no meu estágio de final de curso, durante quatro meses, na Universidade de Cambridge. Após esse estágio voltei para Inglaterra por mais três meses fazendo visitas de “porta em porta” a clínicas de Londres, sendo que apenas duas me aceitaram para entrevista. Posso desde já aconselhar que é algo que não resulta em Londres na busca por um primeiro emprego. Após as duas entrevistas não me foi oferecida nenhuma posição. Regressei a Portugal e comecei a trabalhar numa clínica e numa associação para ganhar experiência clínica, mas com a esperança de um dia poder voltar ao Reino Unido. Após cinco meses em Portugal fui contactado por uma das clínicas inglesas na qual tinha sido entrevistado. Fiquei surpreendido e satisfeito com a proposta e voltei para cá. Passaram-se três anos e seis meses e ainda aqui estou. Primeiro trabalhei em clínicas de primeira opinião em diversos locais. Fiz vários externships (estágios de curta duração) em locais de referência. E agora, após terminado o primeiro internato “a rodar” por várias especialidades na Universidade de Cambridge, à qual entretanto regressei, estou a completar um segundo internato apenas na área da cirurgia ortopédica no hospital de referência Anderson Abercromby Veterinary Referrals.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
A busca por conhecimento e experiência. Infelizmente em Portugal as oportunidades são escassas, apesar de ter tido a sorte de conseguir um trabalho. É difícil encontrar a orientação correta para aprender cirurgia, sobretudo cirurgias mais complexas. E muitas das vezes nem sequer se fazem. Em Inglaterra senti que isso seria mais fácil de ver e de alcançar fazer. Hoje sinto que tomei a decisão correta. O meu maior objetivo é conseguir uma especialização pelo Colégio Europeu em Cirurgia (ECVS) e penso que essa foi a minha decisão de querer e ter que sair do meu País.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
O elevado nível de organização, estratégia e método de trabalho nas clínicas e hospitais daqui. Cada pessoa tem a sua função, sabe qual é a sua função e é responsável pelo sucesso ou insucesso da sua função. Penso que os veterinários têm a vida um pouco mais facilitada aqui no UK, uma vez que trabalham com muitos mais enfermeiros qualificados. Aqui existem dois enfermeiros para cada veterinário. Penso que em Portugal a pirâmide está invertida existindo quase cinco a seis veterinários com a ajuda de um ou dois enfermeiros. Não funciona. Essa inversão, no meu entender, prejudica em muito o trabalho das clínicas em Portugal, pois confundem-se funções. O veterinário só pode evoluir a fazer mais e melhor quando delegar funções de enfermagem para os enfermeiros. Por essa razão os veterinários daqui conseguem cumprir horários (09h00-18h00) e os enfermeiros também. Cada um sabe o que pode e deve fazer. Existe um tempo para fazer o que há agendado para o dia e cumpre-se o que está agendado. Não dão margem para erros e os clientes sabem que é assim que funciona. Neste momento, como interno, trabalho num hospital com dois especialistas, duas rececionistas e oito enfermeiras. É um local de referência que apenas recebe casos de neurocirurgia e ortopedia. No dia-a-dia tenho de acompanhar os animais internados, decidir protocolos de sedação e anestesia, radiografar todos os casos pré e pós cirurgia. Colaboro no planeamento das cirurgias e ajudo durante as cirurgias, como segundo cirurgião. Tem sido uma experiência enriquecedora e penso que será uma mais-valia para me ajudar a conseguir uma residência.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Não foi fácil no início, mas agora estou bem adaptado à cultura, ao clima e ao país. Tive a sorte de encontrar a minha namorada aqui, o que me ajudou bastante com a adaptação uma vez que ela é inglesa. É um país fantástico.
Quais os seus planos para o futuro?
Especializar-me em cirurgia, casar, ter filhos e quem sabe um dia voltar a Portugal.
Qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver caso voltasse a Portugal?
Gostaria de me juntar a uma universidade e poder passar os conhecimentos que irei adquirir aqui. Gostaria de poder ajudar a desenvolver um programa de residências em cirurgia ou dar o meu contributo para que essa área se desenvolva mais em Portugal.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Foco. Saber o que realmente gostam e querem fazer enquanto profissionais. Não desesperem, deem o vosso melhor, não parem a vossa formação e continuem a desenvolver as vossas maiores capacidades. E se sentirem que a oportunidade não aparece, “vão à luta” e não se acomodem…nem que para isso tenham que sair do conforto do nosso país, até porque esse conforto também existe noutros locais. Eu vim “à luta”, mas ainda se pode “lutar” em Portugal. Penso que o segredo é não deixar de tentar lutar pelo que realmente queremos fazer!
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Penso que o estado da MV em Portugal é muito dependente dos fatores económicos, mas também culturais. Em Portugal existem locais com boas condições de trabalho, colegas com bastante qualidade profissional, mas que estão dependentes das limitações financeiras e da forma de pensar dos donos. Os seguros podem eventualmente mudar este paradigma. Também a sensibilização de alguns deveres junto da sociedade em geral para o facto de que os animais não são nenhuma obrigação de ter, mas sim um membro da família e como tal têm direitos a assistência médica, pode ajudar muito a nossa atividade a crescer. Existe a parte cultural que é muito importante e necessária de mudar. Tornar o animal mais importante na sociedade é fundamental. Globalmente penso que a MV evoluiu e continuará a evoluir duma forma que nos deve orgulhar a todos os veterinários.
Qual o seu sonho?
Especializar-me em cirurgia pelo ECVS. Voltar a viver e trabalhar em Portugal como cirurgião de pequenos animais e poder contribuir para que a medicina veterinária evolua.