Diana Gander Soares
Médica veterinária em internato de ortopedia na Universidade de Cambridge, Inglaterra
Qual é a sua área de especialidade e porque é que escolheu essa área?
Cirurgia de animais de companhia, com especial interesse na área de ortopedia. A paixão pela cirurgia de tecidos moles começou cedo, durante o curso. O gosto pela ortopedia surgiu num estágio na Universidade de Zurique, onde tive oportunidade de experienciar ortopedia, especialmente felina, a um alto nível. Apesar de ser uma área muito exigente, também consegue ser bastante gratificante, principalmente porque podemos modificar totalmente o prognóstico e qualidade de vida dos nossos pacientes.
Como e quando é que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?
Desde os tempos de faculdade que tinha o sonho e a ambição de ir trabalhar para o estrangeiro, mais especificamente em Inglaterra. Neste momento estou a trabalhar como junior clinical veterinarian in small animal orthopaedics na Universidade de Cambridge – essencialmente, um segundo internato de especialidade que funciona como preparação para uma futura residência em cirurgia.
O que é que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Ao sonho de conhecer outras realidades e ganhar conhecimento, juntaram-se algumas experiências menos boas que vivi a trabalhar em Portugal. A paixão pela cirurgia e a busca pela especialização também fizeram necessária a mudança de Portugal para um país como Inglaterra, onde existe oferta de internatos e residências necessários à obtenção da especialização pelo Colégio Europeu de Cirurgia (ECVS).
Como é que é um dia de trabalho normal para si?
Como interna de ortopedia o meu dia começa às 8 h, ajudando os alunos com a avaliação dos pacientes que se encontram hospitalizados e preparação das consultas ou cirurgias desse dia. Às 8h30 fazemos rondas com os alunos, residentes e seniores em que discutimos os casos. Em dias de consultas, estas geralmente começam as 9 h e prolongam-se pela manhã, sendo a tarde reservada para fazermos todos os métodos de diagnóstico complementares necessários, tais como raio-x ou TAC. Em dias cirúrgicos, os pacientes são admitidos pela anestesia logo pela manhã e as cirurgias prolongam-se pelo dia, dependendo do número de casos e da complexidade do procedimento. Existem ainda outras atividades durante a semana, como Journal Club e Book Club, com vista à preparação para o exame da especialidade. Uma das funções inerentes à minha posição de interna de ortopedia é garantir a aprendizagem contínua dos alunos durante a sua rotação de ortopedia, com revisão de radiografias e TAC, discussão de tópicos específicos e estudos em cadáveres. Por volta das 16h30, reunimos uma vez mais para discutir os casos desse dia e estabelecer planos clínicos para os pacientes que iram ficar hospitalizados nessa noite. Depois há que terminar todos os relatórios dos pacientes vistos nesse dia, responder a e-mails e programar o dia seguinte.
Quais são os principais desafios que enfrenta na sua prática clínica diária?
O ensino de veterinária em Inglaterra é bastante mais profundo e em sintonia com a prática clínica atual. Isto exige muito mais de quem, como eu, contribui diariamente para o ensino destes alunos. Como interna de ortopedia sou também a primeira linha de comunicação entre os colegas de primeira opinião e a referenciação. Por vezes isto implica lidar com casos urgentes em que os colegas precisam de ajuda e temos de aconselhar a melhor forma de lidar com o caso até a referenciação ser possível.
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
Tendo estudado no colégio inglês a adaptação a Inglaterra foi bastante fácil. Nos diferentes sítios onde já trabalhei, houve sempre um cuidado por parte da direção clínica em manter o balanço entre o trabalho e a vida pessoal.
Quais os seus planos para o futuro?
Gostaria de ter a oportunidade de me dedicar exclusivamente à cirurgia, principalmente a ortopedia felina. Para já não equaciono voltar a Portugal, apesar de as saudades da família, do clima e da cultura serem muitas, temo que não consiga alcançar os meus objetivos se voltar, entretanto.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Sigam os vossos sonhos. Nada é impossível, pode é requerer algum tempo e muito trabalho até os atingirem. Não tenham medo de arriscar e principalmente não tenham medo de dizer que não. Na minha opinião, em veterinária em Portugal existe algum desrespeito pelos recém-licenciados. Todos estivemos nessa posição um dia e dar o apoio e suporte necessários a um recém-licenciado pode ser extremamente importante para essa pessoa, mas pode também ser uma grande mais-valia no futuro para a clínica/hospital. Escolham um primeiro emprego em que exista o apoio e suporte suficientes para que possam crescer enquanto profissionais.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Acho que vivemos um tempo de grande mudança na área dos animais de companhia. Cada vez mais as pessoas têm animais de companhia, sendo estes uma parte integrante da família. O nível de cuidados de saúde exigidos pelos tutores é cada vez maior e, para isso, as especialidades serão cada vez mais necessárias, incluindo a de médico de clínica geral, que será tão ou mais importante do que em medicina humana. Em Portugal, acho que os tutores irão começar a exigir mais e, talvez, com a introdução dos seguros e com o retorno de especialistas dos diferentes colégios (europeu e americano) a Portugal, as especialidades se comecem a desenvolver mais, apesar de tal também depender da vontade da classe.
* Artigo publicado originalmente na edição de fevereiro de 2020 da revista VETERINÁRIA ATUAL.