Catarina Gonçalves, 27 anos, natural de Vila das Aves, Porto. Licenciada em 2012 pelo IPB, ESAB Bragança.
É enfermeira veterinária. Porque escolheu essa área?
Cresci rodeada de animais e desde cedo que a minha avó materna me ensinou a cuidar e ter compaixão para com todos eles. Sempre soube que queria seguir algo relacionado com a saúde animal. Enfermagem Veterinária pareceu-me ser a profisão ideal para o que queria do meu futuro. A ideia de poder passar os meus dias a ajudar a melhorar a vida de tantos animais fez com que me candidatasse ao curso. E nunca me arrependi de ter tomado essa decisão.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento e o que faz?
A oportunidade surgiu em 2015 quando dois representantes de uma empresa veterinária do Reino Unido vieram a Portugal tentar recrutar enfermeiros veterinários. Após uma entrevista fizeram-me uma proposta de emprego e, após bastante consideração, decidi aceitar. Neste momento trabalho numa clínica de 1ª opinião em Bristol, no Reino Unido, onde sou enfermeira-chefe.
O que a fez tomar a decisão de sair de Portugal?
A principal razão foi a possibilidade de evolução como profissional. Na verdade, até esta oportunidade ter aparecido não ponderava sair de Portugal. Pelo menos não imediatamente. Ter recebido essa proposta e perceber o que um enfermeiro veterinário pode fazer no Reino Unido fez-me abrir os olhos para uma realidade que desconhecia. As condições de trabalho são completamente diferentes e o apoio à formação é muito mais evidente.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal?
É claro que isto é dependente da minha própria experiência profissional em Portugal, que será diferente de outros colegas. Mas em Portugal nunca tive grande envolvimento com certas coisas que cá sou responsável por fazer ou supervisionar. Havia outras coisas que fazia em Portugal e que cá não faço. No Reino Unido, os médicos veterinários estão mais dependentes dos enfermeiros que têm. Na clínica onde trabalho temos um racio de 1,2 EV para cada MV e muitas das vezes não é suficiente! Acho que só isso em si traduz a importância dos EV neste país.
Os EV têm as suas funções muito bem definidas e todas elas vão ao encontro das necessidades das clínicas e hospitais onde trabalham. O turno em que estiver a trabalhar dita as funções exercidas nesse dia, quer elas sejam de bloco operatório, de consultas ou de internamento. No turno que faço mais frequentemente começo o dia a admitir pacientes cirúrgicos, a certificar-me das pré-medicações, cateteres intravenosos e afins. Passo a manhã na sala de cirurgia a monitorizar anestesias, recobro anestésico e, mais tarde, a dar alta dos mesmos pacientes. Quando posso seguir um caso do início ao fim, faço-o. A continuidade é muito importante não só para os proprietários, mas também para o cuidado do animal. Em turnos de consultas, por exemplo, acabo por passar o dia mais em contacto com os proprietários e os seus animais. Desde consultas preventivas/ informativas a consultas pós-operativas, de pediatria, geriatria, mobilidade, maneio de diabetes e casos renais. Nestas últimas, o contacto do EV com os proprietários é vital no maneio dessas doenças e isso reflete-se na esperança de vida dos animais por eles afectadas.
Sendo “clinical coach” e sendo esta uma clínica-escola, sou responsável por supervisionar os estudantes de Enfermagem Veterinária. Então todos os momentos são oportunidades de aprendizagem para eles. Sempre que possível reúno com os estudantes a esclarecer dúvidas, testar conhecimentos ou a explicar procedimentos/ casos, etc. A formação académica de Enfermagem Veterinária no Reino Unido é muito mais intensiva e exigente. Gostava que, com o passar dos anos, o fosse também em Portugal. A evolução do curso e profissão está obrigatoriamente relacionada com a situação financeira das comunidades e também a mentalidade do público em geral.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
É diferente! Bastante. Para o bem e para o mal. O clima é muito diferente, muito mais chuvoso e húmido. Não tenho o mar tão perto quanto estava habituada e o Verão não parece Verão (embora este ano pareça). Mas é um país lindíssimo, com paisagens maravilhosas e pessoas acolhedoras. Os primeiros meses foram complicados, questionei bastante se tinha tomado a decisão certa. O choque de realidades foi tremendo. Venho de uma família grande e sou bastante ligada a ela, isso foi o mais complicado de gerir. Mas tudo melhora e o facto de ter o namorado comigo e de haver bastantes portugueses no local onde estou fez com que tudo fosse mais fácil.
Do que mais tem saudades de Portugal?
Família, sol e comida! Não há comida como a nossa. Por muito que saibamos disso, só damos verdadeiramente conta disso quando deixamos de ter. Como tudo na vida.
Quais os seus planos para o futuro?
Evoluir muito mais profissionalmente, fazer mais formações, dar mais palestras e ajudar a treinar mais EVs.
Equaciona voltar a Portugal?
Sim, sem dúvida! Quero muito voltar a Portugal quando as condições para tal se reunirem. Gostaria de voltar e continuar a praticar o mesmo nível de Enfermagem que pratico cá. Não tenho dúvidas que isso irá acontecer um dia.
Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Adoraria contribuir para a evolução da nossa profissão em Portugal. Ajudar a melhorar a qualidade de serviços prestados aos nossos animais. Lecionar e tentar passar algo aos novos e futuros EVs.
Que conselhos dá aos recém-licenciados que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Por vezes temos de alterar toda a nossa vida de forma a alcançar realização profissional. Mudar de cidade, ou até mesmo de país. Por muito que custe têm de começar por algum lado, mas não se contentem com pouco. Não se deixem acostumar com a rotina e com o normal. Procurem aprender, evoluir e ensinar sempre que possível. E lembrem-se que cada passo dado por cada um de nós influencia o futuro da nossa profissão no nosso país.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Temos das melhores universidades de MV da Europa, mas infelizmente ainda não é assim com EV. Não é culpa de ninguém, temos óptimas universidades e docentes, mas temos de continuar a batalha pela mudança de mentalidades e também, claro, a batalha financeira que tanto influencia tudo isto. Da experiência que tenho, os MVs portugueses são bastante conceituados pelo mundo fora, não só pela óptima formação académica, mas pela ética de trabalho. A fama de trabalhadores árduos e de humildade no trabalho acompanha qualquer português para onde quer que vá.
Qual o seu sonho?
Tenho alguns, mas poder voltar para junto dos meus, exercer Enfermagem de excelência em Portugal (e ser reconhecida por isso) e dar a volta ao mundo. Este é o top 3!