Chantal Rosa conquistou recentemente o diploma do ECVIM-CA. Quisemos saber o que significa esta conquista. “Passar com sucesso o exame do Colégio Europeu de Medicina Interna e tornar-me uma diplomada é simplesmente um alívio e uma alegria extrema. São anos de investimento pessoal e profissional que agora vejo reconhecido. Fazer uma residência implica muitos sacrifícios a nível pessoal e profissional, as horas são longas e o trabalho intenso. O exame é muito exigente e implica uma dedicação extrema ao estudo não só antes do exame, mas durante os anos de residência. O mais importante é o conhecimento que se ganha e o crescimento pessoal e profissional que se tem quando se passa por este percurso.
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área de especialidade é Medicina Interna de animais de companhia. Durante o curso universitário sempre foi a minha área preferida. Quando comecei a trabalhar, os casos de medicina interna fascinavam-me e faziam-me querer saber mais. É uma área fantástica e muito completa onde integramos o conhecimento de todos os órgãos e juntamos as peças do puzzle.
É uma área muito vasta e que requere uma interação próxima com outras disciplinas como imagiologia (uma vez que para chegar aos diagnósticos muitas vezes dependemos de radiografias, ecografias, TAC), patologia clínica (interpretação de citologias, histopatologias) e cirurgia (biopsias, correção de shunts, remoção de tumores ou corpos estranhos). E claro, ainda temos as endoscopias dos tratos gastrointestinal e respiratório, que torna tudo ainda mais interessante.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Em 2009 fiz uma pós-graduação em Medicina Interna de animais de companhia e logo percebi que queria especializar-me nesta área e que a melhor forma seria fazê-lo através do Colégio Europeu/Americano. Assim tive de emigrar e lutar por um internato e residência.
Concorri a hospitais e universidades veterinárias onde ofereciam internatos e residências e acabei por fazer o internato em Inglaterra e a residência na Africa do Sul. Depois de completar a residência voltei a Inglaterra e comecei a trabalhar em Medicina Interna num centro de referência, onde ainda me encontro. Completei os exames finais em Março deste ano, adquirindo o diploma em Medicina Interna de animais de companhia pelo colégio Europeu.
O que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
O desejo de aprender e de me especializar. Tendo em conta a inexistência de um programa de residência em Portugal tive de procurar a minha oportunidade no estrangeiro.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Creio que as grandes diferenças entre trabalhar em Portugal e no Reino Unido estão relacionadas com diferenças na cultura e no poder económico. Penso que os veterinários no Reino Unido veem mais casos por dia do que em Portugal, também existe uma melhor separação de tarefas entre médicos veterinários, enfermeiros e auxiliares e havendo especialistas nas diferentes áreas pode-se oferecer mais e diferentes opções de diagnóstico e tratamento. Quanto ao meu dia de trabalho, geralmente começo por volta das 08h00 e nunca se sabe bem quando acaba. Em geral 12-13h por dia, muitas vezes sem tempo para almoço.
Começamos com rondas aos internados onde discutimos o plano para cada paciente, depois consultas externas e internas com exames complementares. Durante a tarde fazemos procedimentos como endoscopias, damos alta aos pacientes, vemos “check-ups”, fazemos quimioterapias e no meio disto falamos com donos e veterinários que
nos ligam porque querem discutir algum caso ou precisam da nossa opinião. Depois começo a escrever os relatórios para o veterinário que referiu o caso e há também noites onde estou de urgência e posso ter de ficar para receber urgências.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Viver fora de Portugal não é o mesmo que viver em Portugal. Nem sempre é fácil. Nós que viemos para o estrangeiro tivemos de renunciar estar com amigos e família, mas também fizemos novos amigos e crescemos a nível profissional e pessoal. Hoje em dia o longe torna-se relativo pois existem viagens de avião, Skype, WhatsApp que ajudam a manter o contacto com família e amigos. Pessoalmente tive sorte, vim para o Reino Unido e comecei a trabalhar com pessoas de todas as culturas vindas de muitos países da Europa, incluindo outros Portugueses, o que tornou a integração mais fácil.
Do que mais tem saudades de Portugal?
Da família, amigos e da vida portuguesa rodeada de boa comida, praia e sol.
Quais os seus planos para o futuro?
Neste momento estou a trabalhar como especialista no Reino Unido, mas estou sempre aberta a novas propostas. Quero aproveitar um pouco os tempos livres, já que até então não foram muitos e a maioria passados a estudar para exames. A médio-longo prazo não faço ideia, mas gostaria de um dia regressar a Portugal.
Equaciona voltar a Portugal? Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
A voltar seria para continuar a trabalhar na minha área e idealmente com colegas de outras especialidades. Um centro de referência ou Universidade Veterinária seria o ideal. Neste momento, as especialidades veterinárias ainda não são reconhecidas em Portugal, mas tenho esperança que esta realidade portuguesa mude. Gostaria de
continuar a oferecer a possibilidade dos veterinários referenciarem casos de forma a oferecer o melhor que podemos a cada animal. Gostaria também de continuar a estar envolvida no ensino. A interação com os alunos serve também como forma de autoaprendizagem contínua.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Julgo que tudo depende das expectativas e ambições de cada um. Acredito que temos de ter veterinários em todas a diferentes áreas, clínicos gerais e especialistas. Existem muitas áreas na medicina veterinária e julgo que cada um deve lutar pelo seu sonho/ambição. O mercado de trabalho está cada vez mais competitivo e os clientes
também começam a ter acesso a mais informação e a exigir um melhor cuidado dos seus animais, por isso há que ser proactivo e trabalhar para progredir e melhorar o que fazemos. O importante é continuar a tentar e fazer algo que vá contribuindo para a nossa formação, sem nunca parar.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
A Medicina Veterinária em Portugal tem bastante potencialidade, existem muitos portugueses veterinários espalhados pela Europa a trabalhar e não vejo que sejam menos competentes que os veterinários licenciados noutros países. A grande diferença entre Portugal e, por exemplo, o Reino Unido está no poder económico, mentalidade e na exigência de formação continua por parte do veterinário.
No Reino Unido existem seguros de saúde animal, o que ajuda imenso, mas também os clientes são mais exigentes e querem o melhor, abrindo portas para a referência a especialistas. Espero que a realidade Portuguesa em relação a especialistas veterinários mude. Com o mercado a ficar cada vez mais exigente e especializado, Portugal terá de se adaptar a essas tendências. Alguns colegas especialistas já regressaram a Portugal e espero que isto venha a melhorar o que podemos oferecer em Portugal.
Qual o seu sonho?
Neste momento aproveitar o tempo com amigos e família e ter férias! Profissionalmente, o sonho era tornar-me especialista em Medicina Interna e agora que o consegui só quero continuar a minha formação em algumas das áreas que mais me interessam dentro da Medicina Interna e contribuir na formação de outros veterinários que partilham a mesma paixão pela Medicina Interna. Quero privilegiar a vida pessoal, coisa que até aqui tem ficado para segundo plano por força das circunstâncias.