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Clínicas Veterinárias

Licenciamento: o que preciso para abrir a minha primeira clínica?

como licenciar uma clínica veterinária
Iniciar atividade por conta própria é o sonho de muitos médicos veterinários. Por onde começar? Que caminho seguir num mercado competitivo como o atual? Reunimos alguns conselhos e estratégias que podem ser- úteis antes de dar o primeiro passo.

Num país onde existem 5509 médicos veterinários inscritos, na sua maioria com idade inferior a 40 anos, segundo dados da Ordem dos Médicos Veterinários (julho/2016), os desafios são grandes. Para muitos, a carreira e afirmação profissional passam por criar o seu próprio espaço, abrir uma clínica ou consultório à sua imagem. Contudo, se consideramos as conclusões do estudo realizado pela FVE- Federation of Veterinarians of Europe, em 2015, que confirmaram a elevada oferta no mercado português com cinco médicos veterinários por cada 10 mil habitantes (a média europeira é 3,8) o cenário não parece animador. Haverá lugar a empreendedorismo em Medicina Veterinária? Como garantir o sucesso de um projeto?

Estas e outras questões foram o ponto de partida para uma conversa com Elisabete Capitão, médica veterinária e CEO da REVET – rethink vet business, (empresa de consultoria para negócios de prestação de cuidados de saúde animal) e com Sérgio Lobato, médico veterinário, assessor e consultor na área do Pet Marketing, com vasta experiência no Brasil e a nível internacional.

Partir à aventura

“Quando iniciamos uma atividade navegamos num mar de incertezas, dúvidas e medos, mas isso não significa que estamos à mercê de ventos e correntes”, afirma Elisabete Capitão: “É importante parar e estruturar um modelo de negócio nas suas várias áreas: quem serão os nosso clientes target, qual a nossa proposta de valor distintiva, como vamos comunicar com o cliente e relacionarmo-nos com ele, que fontes de receita necessitamos para que o negócio se sustente, que recursos e parceiros chave necessitamos e, por fim, ter bem clara a estrutura de custos da atividade”.

Aqui, fazer um plano de negócios, segundo a médica veterinária, “só faz sentido quando há histórico, números e resultados reais para serem consultados e projetados em planos e objetivos e vendas”. Elisabete Capitão sublinha ainda a importância troca de ideias e pontos de vista. “ Vejo com bons olhos a capacidade de partilhar projetos, recursos e conhecimento porque traz-nos celeridade e poupança de recursos; acrescenta também parceiros com que dividir o risco e o sucesso, o que potencia a criação de propostas de valor mais fortes. Ser empreendedor é também saber confiar, confiar em nós e nos nossos instintos e confiar nos outros, no seu valor e ideias.”

Em 2009 foi aprovada regulamentação específica para os centros de atendimento médico-veterinário (Decreto-Lei nº 184/2009 de 11 de agosto), um passo que visou clarificar, regular e agilizar os procedimentos necessários para a implementação de um consultório, clínica ou hospital veterinário. A documentação necessária, assim como os processos para instrução e aprovação dos pedidos, dependem do tipo de CAMV (ver caixa), aumentando a complexidade consoante os serviços que englobará a atividade. “Esta regulação é pertinente, necessária e concordo que sistematiza e qualifica a atividade dos CAMV. Na minha experiência, a sua implementação e monitorização é tortuosa e falta consistência. Já acompanhei diversos licenciamentos e todos foram diferentes em tempo e em exigências, acompanhando a latitude que a legislação permite”, afirma Elisabete Capitão, exemplificando que “muitas coisas entendidas nas entrelinhas deste decreto ficam por apurar, também porque colidem como outras entidades reguladoras ou porque carecemos de recursos para as equipas de fiscalização”.

Apesar de eventuais dificuldades, não é abertura da clínica a etapa mais dura. “Atrevo-me a dizer que, agora, é (demasiado) fácil. Havendo alguns recursos económicos próprios ou alheios, em poucos meses as portas abrem-se com toda a pompa e circunstância. Desse dia em diante vão-se acumulando noites mal passadas. O sonho do empreendedor compete com o dia-a-dia da despreparação nos seus diversos papéis, da ausência de uma framework que sustente processos e atividades e das dificuldades de comunicação com os clientes interno e externo”, alerta Elisabete Capitão.

De médico a líder

Abrir um centro de atendimento médico-veterinário (CAMV) pressupõe a passagem para outro nível de responsabilidades, além da prática clínica diária, e exige outras competências. “No momento em que decidimos ser empreendedores e abrimos a nossa clínica somos automaticamente promovidos a um lugar de liderança”, comenta Elisabete Capitão e explica: “Deixamos de ser apenas responsáveis pelo trabalho técnico e passamos a ser responsáveis pelas pessoas que trabalham connosco e pelos seus resultados. É importantíssimo desenvolver ferramentas que nos qualifiquem nestas funções ou, mais cedo do que imaginamos, somos soterrados pelo cansaço, frustração e até solidão.”

O modelo de negócio deve ser o mapa desta aventura e, além da motivação e sentido de missão, os números devem estar sempre presentes. Além das suas obrigações fiscais e laborais, conheça bem “estrutura de custos da operação. Com base nela crie a sua política de preço e saiba que resultados tem que obter diariamente para, pelo menos, não perder dinheiro. Mas aponte para um objetivo”, recomenda.

A falta de preparação académica para a gestão é um obstáculo recorrente nesta área. Como reconhece Sérgio Lobato, “o ensino de Gestão de Carreira e de estabelecimentos Veterinários é praticamente inexistente dentro das faculdades de Medicina Veterinária, obrigando que os profissionais que procuram o êxito e a satisfação pessoal, tentem encontrar respostas na educação contínua.” Atualmente são várias as empresas que oferecem serviços de consultoria neste âmbito, tanto em domínios específicos como a organização, recursos humanos, como na realização de projetos chave na mão, em que tudo é tratado, desde a conceção e montagem do espaço à implementação das várias áreas que compõem a atividade.

Pensar fora da caixa, agir no contexto

“Quem se lança ao mercado com ganas de empreendedor é-lhe exigido a tão falada resiliência, uma pitada de criatividade para pensar diferente, fora da caixa e cada vez com menos recursos; competências extraordinárias de relacionamento e comunicação – inteligência emocional & espiritual”, ilustra Elisabete Capitão. O contacto com médicos veterinários de vários países tem permitido a Sérgio Lobato identificar bons hábitos: “Colegas em países como o Equador fazem regularmente seminários técnicos onde aprendem as últimas novidades da tecnologia, investem na formação e comunicam aos seus clientes. Informam que estarão ausentes para buscar o melhor para seus pacientes”.

A aposta nas estratégias de comunicação é também apontada pelo consultor: “No Brasil a crise económica, política e moral gerou a necessidade de reinventar-se e proteger o ato médico veterinário (e, claro, atrair o cliente que tem os seus recursos escassos) com comunicados nos media. Houve um aumento na contratação de profissionais que lidam com a imagem da clínica como assessores de imprensa, advogados e web designers.” Estar de olhos postos no cliente é fundamental. “Sabemos que as suas decisões são maioritariamente emocionais por isso, assumindo que a qualidade dos produtos e serviços é satisfatória e atende as necessidades do consumidor, o add-on só aparece através das nossas pessoas”, explica Elisabete Capitão, que considera ser atulamente “crítico sustentar os negócios com ferramentas atuais de tecnologias da informação e comunicação, que nos resumirão indicadores de negócio e de qualidade de serviço e que nos ajudarão a segmentar e personalizar a comunicação com o cliente”.

Conseguir um equilíbrio entre a vocação e o sentido de missão e manter uma gestão coerente das pessoas e dos números envolvidos no negócio são os alicerces para um CAMV vingar no mercado atual. Avaliar o contexto que o rodeia, inovar e superar-se com um modelo de negócio que dê resposta ou antecipe necessidades é determinante para o sucesso de um projeto. “Acredito que copiar modelos já existentes, porque em tempos foram bem sucedidos, pode condenar-nos à mediocridade e insucesso. Temos que nos robustecer neste mundo V.U.C.A. [sigla inglesa usada para definir a sociedade atual: Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity], refletir sobre o que o mercado já oferece, quais são as oportunidades ainda não exploradas (ou até antecipar necessidades) e não parar enquanto não formos muito bons.”

<strong>Discurso direto</strong>

“Sucesso só vem antes do Trabalho no Dicionário!”

Sérgio Lobato, médico veterinário e consultor, revela o que não pode faltar numa clínica de Medicina Veterinária.

  • Que reflexão deve fazer um médico veterinário antes iniciar o seu negócio?
 

Primeiro, todo o profissional de Medicina Veterinária deve saber separar a sua paixão, vocação, o seu desejo de mudar o mundo e salvar todos os animais, da sua visão empreendedora, da necessidade de entender a Medicina Veterinária como business!

  • Isso pressupõe deixar a paixão de lado?

Claro que não! É justamente saber definir os momentos e espaços de cada face da Medicina Veterinária na sua vida, e saber os momentos em que uma delas será capaz de mudar ou influenciar a outra que reside o segredo do sucesso. Feito isso deverá procurar saber mais e mais do business do seu negócio, do seu mercado consumidor e das regras que regem os mercados onde ele deverá atuar.

  • Num mercado competitivo como este como pode uma clínica “afirmar-se”?
 

Um trinómio simples, mas muito esquecido: Relacionamento humano e comunicação + controlo de custos operacionais + elevado nível técnico.

  • Na sua opinião, o que não pode faltar numa clínica veterinária de sucesso?

Paixão em cada minuto, mas principalmente com o mantra que ensino aos meus alunos e clientes – controle, controle, controle – pois ao menor sinal de que há algo errado devemos ser mais proactivos e atuar corretivamente antes que os estragos sejam maiores. E claro fazer valer a perceção de valor que os  clientes precisam ter de uma clínica, que é a extensão de um profissional dedicado, ético e apaixonado pelo que faz. Trabalhe muito, pois o sucesso só vem antes do trabalho no Dicionário. Pense nisso!

 
<strong>Brainstorming</strong>
 

As questões de que deve colocar antes de abrir o primeiro negócio

1 – Qual minha expertise? E a minha especialidade?

2 – Onde abrirei minha clínica?

3 – Que tamanho precisa de ter para oferecer os serviços que pretendo?

4 – Que serviços estou tecnicamente capacitado para oferecer?

5 – Pesquisei sobre as regras para construção e gestão de estabelecimentos veterinários onde irei estabelecer-me?

6 – Pesquisei sobre o mercado concorrente?

7- Qual a verba de que disponho para montar e manter o negócio nos primeiros seis meses a um ano?

8 – Tenho equipa de apoio?

9 – Qual o perfil socioeconómico da minha região?

10 – O que pensa meu possível cliente?

FONTE: Dados fornecidos por Sérgio Lobato, consultor

<strong>O que diz a lei</strong>

O decreto-lei nº184/2009 regulamenta a atividade dos centros de atendimento médico-veterinários (CAMV). Destacamos aqui alguns pontos essenciais

Os CAMV podem ser classificados da seguinte forma: Consultório veterinário (A); Clínica veterinária (B) ou Hospital veterinário (C).

Procedimentos previstos:

  • Declaração prévia – aplicável nos casos de consultórios veterinários (A)
  • Autorização prévia de funcionamento – aplicável nos casos de clínicas e hospitais veterinários (B e C); pressupõe a realização de uma vistoria ao local e inspeção periódica do estabelecimento.

Pedido: Os formulários dos requerimentos acima previstos são disponibilizados online pela DGV, bem como a minuta do termo de responsabilidade que deverá integrar o pedido de exercício de atividade, o qual pode ser efetuado em Balcão Único ou via correio eletrónico. A documentação a apresentar depende do CAMV em causa.

Requisitos:

  • A atividade de CAMV deve ser exercida em local específico para esse fim, com acesso direto e privativo à via pública. As instalações (paredes, divisórias, revestimento do solo, entre outros) devem permitir o grau de higiene, desinfeção, isolamento e ventilação compatíveis com a atividade. O local deverá incluir, no mínimo, duas áreas: uma clínica (gabinete clínico) e outra não clínica (sala de espera, instalações sanitárias). A especificidade das instalações e equipamento previsto dependerão do tipo de CAMV. Por exemplo, o consultório deverá ter no mínimo 25m² de área útil, a clínica ou hospital deverá prever áreas adequadas aos vários serviços: consulta, cirurgia, recobro, esterilização, armazenamento do material, entre outras.
  • O consultório deverá garantir, durante todo o horário de funcionamento, a presença permanente de, pelo menos, um médico veterinário. A este requisito adiciona-se o horário de atendimento mínimo de 30 horas semanais, na clínica, e um serviço permanente de urgência no caso do hospital.

Início da atividade: No caso de declaração prévia decorre um prazo de 20 dias após o qual, se não houver rejeição do pedido, o requerente pode iniciar atividade. A data de início deverá ser comunicada à DGV com uma antecedência mínima de cinco dias. No regime de autorização prévia é realizada uma vistoria por uma comissão técnica (CTC) até 20 dias a contar da data de entrega do requerimento e no prazo de 45 dias de deverá ser emitida uma decisão. Caso não tenha sido emitida uma decisão 75 dias após a entrega do requerimento este considera-se tacitamente deferido.

NOTA: Os dados acima referidos são uma breve síntese indicativa. Para informação detalhada sobre regulamentação e procedimentos consulte o decreto-lei nº184/2009 na íntegra em www.dre.pt.

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