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Joaquim Vieira Lopes: «Alguns cursos terão de acabar»

Joaquim Vieira Lopes: «Alguns cursos terão de acabar»

Em resposta à diminuição da produção de animais de grande porte em Portugal, a classe direcciona-se, a grande ritmo, para os animais de companhia.
Há seis universidades, em Portugal, a ministrar o curso de Medicina Veterinária. Uma situação «exagerada», nas palavras do presidente da APMVEAC. Joaquim Vieira Lopes teme que «a concorrência entre postos de atendimento venha a aumentar», provocando «a falência de alguns locais». A solução para o problema passa, «provavelmente», pelo «encerramento de alguns cursos».

VETERINÁRIA ACTUAL – O aumento do número de novos médicos veterinários é um problema que está a preocupar a classe. É o único?
Joaquim Vieira Lopes – É uma das nossas maiores preocupações. Saem das universidades cada vez mais recém-licenciados, sendo que o mercado de trabalho não está a responder a este aumento de oferta. Há uns anos, apenas a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa tinha este curso. De um momento para o outro, este número aumentou de forma exagerada. A produção de animais de grande porte tende a diminuir em Portugal e, como tal, muitos colegas acabam por direccionar o seu trabalho para os centros de atendimento [clínicas, consultórios e hospitais]. O problema é que as clínicas e os consultórios são em cada vez maior número e corre-se o risco que muitos entrem em falência.

Mas há também cada vez mais proprietários que se preocupam com os cuidados a ter com os seus animais…
– Não acredito que se tenham criado tantos cursos para responder à procura por parte do público. Nunca compreendi por que razão tal aconteceu. Terá sido por diversos motivos, menos este.

 

E como se resolve este problema?
– Penso que todos os intervenientes neste processo têm que se sentar à mesma mesa e pensar em soluções consensuais. A solução poderá ter que passar por encerrar alguns cursos, mas qualquer decisão a ser tomada tem que ser bem ponderada, a bem de todos e da profissão.

Falava do risco de falência de muitas clínicas e consultórios. Não deveriam existir regras que condicionassem a criação destes espaços, como a existência ou não de locais idênticos na mesma zona geográfica?
– Para já, apenas vigoram os critérios da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV). Mas está prestes a sair a publicação de legislação específica para os postos de atendimento. No passado, estávamos enquadrados no regime jurídico dos locais comerciais diversos, onde se incluíam os cafés e restaurantes, por exemplo, e que nada têm a ver com a nossa área de actuação. Com o novo decreto que o Governo tem nas mãos (e que foi resultado do contributo de diversas instituições, inclusive a nossa), esperamos que alguma coisa mude.

 

Defender os interesses da classe é um dos objectivos da APMVEAC. Que outras razões estiveram na origem da associação?
– A APMVEAC foi fundada por António Marques de Almeida que, em 1990, convidou um grupo de 18 colegas para se reunirem em Sintra, onde tinha um hospital veterinário. Compareceram cerca de 13 amigos. O objectivo era fazer ouvir a nossa voz, já que não havia nenhuma associação do género em Portugal.

Uns anos antes, António Marques de Almeida tinha feito parte de uma outra organização com o mesmo fim, mas que acabou por fechar portas. Por isso, queríamos reunir numa só associação os interesses dos médicos veterinários especialistas em “pequenos animais”. Agora, o leque de escolha é mais vasto, a designação correcta é animais de companhia [onde já se inserem os exemplares exóticos], e houve necessidade de criar uma instituição que nos representasse no país e no estrangeiro. Assumimos a componente técnica como primordial, daí que o intuito tenha sido sempre desenvolver e aprofundar o nível científico e cultural dos médicos veterinários em áreas como a cirurgia e a profilaxia de todos os animais, mas sobretudo no cão e no gato.

 

Será uma das funções ser um grupo de pressão junto do Governo, por exemplo?
– Somos uma entidade que actua no terreno e conhecemos a realidade. Achamos, como tal, que estamos aptos e dispostos a colaborar com todas as entidades responsáveis, para que as legislações promulgadas sejam as mais adequadas e o mais realistas possível.

E como desenvolvem todo esse trabalho?
– Através de congressos, acções de formação, divulgação de iniciativas, prémios científicos, entre outras actividades.

 

Quantos associados tem a APMVEAC?
– Cerca de 1100. Penso que este é um número excelente se tivermos em conta que, a nível nacional, existem quase quatro mil médicos veterinários e nem todos se dedicam aos animais de companhia. Calcula-se que 40% dos profissionais do ramo exercem nesta área. Contas feitas, praticamente a grande maioria dos clínicos que trabalha os animais de companhia são sócios da APMVEAC, o que diz muito da importância da associação e da necessidade que eles sentem em ter alguém que os represente.

Em quase 18 anos ao serviço da APMVEAC, que principais diferenças constata na Medicina Veterinária portuguesa?
– Evoluiu-se imenso. A nível científico e prático estamos perfeitamente enquadrados com o resto da Europa. A maioria dos médicos veterinários procura cada vez mais o aperfeiçoamento, o que se reflecte, depois, na qualidade do serviço que prestamos ao público. Mas a grande mudança passa pelo aumento do número de animais de companhia e, sobretudo, assiste-se a um crescimento da quantidade de indivíduos que se preocupam com a saúde dos seus animais. Todavia, ainda há uma grande percentagem que descura os cuidados a ter com os seus companheiros, mas a tendência tem invertido.
Estamos igualmente a assistir ao aumento do número de gatos, em detrimento dos cães e, nestes, o porte tem vindo a diminuir devido a todas às condicionantes de se levar uma vida citadina.

A lei também não ajuda.
– De facto, em Portugal, apenas é obrigatório que os animais considerados perigosos ou cães de caça, por exemplo, tenham registo de identidade, com microchip. É desejável que a regra seja aplicada a todos eles. Em termos de vacinas, no país apenas é mandatória a vacina contra a raiva.

Que nem toda a gente cumpre…
– É verdade. Mas em Portugal não há registo de casos há mais de 30 anos. Somos, felizmente, um dos países do mundo com a doença considerada erradicada. No entanto, isso não quer dizer que se deva “facilitar”. O problema, também, é a falta de fiscalização…

Há alguma ideia da quantidade de animais de companhia que existem em Portugal?
– Adiantar um número seria especular. Sei que os serviços oficiais estão a fazer um trabalho nessa área, elaborando uma base de dados e estudos que nos possam dar uma ideia do panorama nacional. Essa é uma responsabilidade que cabo ao Ministério da Agricultura.

Uma das mudanças passa pela especialização da classe.
– De facto, em Portugal e no resto da Europa, os médicos veterinários têm procurado formação específica em determinadas áreas. A própria OMV está a pensar nisso, até porque não há colégios de especialidade. Daí que tenham sido criadas as comissões instaladoras. Com o evoluir de todas estas problemáticas, deverão surgir duas grandes áreas: a Medicina e a Cirurgia. Penso que, o mais urgente, é explorar estes dois ramos de trabalho.

Como vê o papel da Indústria Farmacêutica no seio da Medicina Veterinária?
– É um parceiro fundamental do nosso trabalho. Embora ainda existam muitas lacunas em algumas áreas, como nos animais exóticos, o certo é que tem havido um esforço para a criação de produtos que complementem as nossas ferramentas de trabalho. A prova disso é que têm surgido novas moléculas e substancias activas só para animais de companhia, e cada vez menos fazemos uso de medicamentos de uso humano.

As farmácias estão a tentar recuperar a área de negócio dos medicamentos veterinários. Como vê esta atitude?
– Acho que cada um tem o seu espaço e campo de actuação. O médico veterinário é o elemento ético e cientificamente habilitado para assumir o processo de prescrição e de acompanhamento do processo de administração dos fármacos. Não nos podemos esquecer que os postos de atendimento, tal como acontece nos hospitais para os seres humanos, prestam um serviço que têm uma forte componente clínica e hospitalar, de diagnóstico e terapêutica. Os animais vão lá e são tratados com medicamentos que os donos depois levam para casa. Isso é um processo eticamente normal e legal, porque as clínicas, os consultórios e os hospitais veterinários estão legalmente habilitados a dispensar medicamentos que são necessários para os tratamentos.

Admite que haja médicos veterinários a dispensar medicamentos em caixas fechadas?
– Não. Dispensamos, simplesmente, os produtos que são usados no tratamento e que devem continuar posteriormente em casa. Até porque acho que as farmácias devem dispensar os fármacos que estiverem devidamente prescritos.

Quais são os vossos parceiros privilegiados?
– A nível nacional, a OMV, a Direcção-Geral de Veterinária e o Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários são as instituições com as quais mais dialogamos. A nível mundial, existe a World Small Animal Veterinary Association (WSAVA) e, na Europa, a Federation of European Companion Animal Veterinary Associations (FECVA). Em ambos os casos somos os representantes portugueses. Uma vez por ano, a WSAVA organiza um congresso mundial, sempre numa cidade diferente. Quando o evento calha na Europa é organizado, em simultâneo, o congresso da FECAVA e do país anfitrião. É o que vai acontecer, em 2008, na Irlanda. Em Portugal, o nosso congresso é no início do Verão. O próximo será no primeiro fim-de-semana de Junho, mas ainda sem data marcada nem um local escolhido.

Durante o ano decorrem, também, encontros das secções regionais…
– Tentamos sempre ter os melhores oradores e temas que possam cativar a audiência. As novidades na área da investigação não são primordiais para nós, o que nos interessa discutir é, sobretudo, os problemas que surgem no dia-a-dia da prática clínica.

Quais os temas para o próximo congresso?
– Ainda não estão decididos. Mas sem querer revelar, importa frisar que tentaremos dar um cunho forte às questões com as quais lidamos diariamente em áreas como a Dermatologia, a Ortopedia, a Medicina Interna ou a Endocrinologia, que preenchem mais os casos que aparecem nos centros de atendimento.

Portfólio da APMVEAC

A Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC) desenvolve uma série de actividades.
– Organiza um programa de rastreio da dispepsia da anca, uma doença que afecta, sobretudo, o cão. O plano de controlo e despiste da doença consiste no seguinte: «os médicos veterinários tiram radiografias aos animais, enviam as imagens para a associação que, depois, envia o resultado da leitura. Paralelamente, temos um protocolo com o Clube Português de Canicultura que, por sua vez, reconhece os nossos resultados incluindo na sua lista quais os animais a quem foi detectada a doença. O objectivo é que os animais que tenham o problema não sejam utilizados como reprodutores e tentar, consequentemente, erradicar a doença», explica Joaquim Vieira Lopes, presidente da APMVEAC.
– Ministra cursos de aperfeiçoamento para auxiliares de consultórios. «A maioria destes funcionários trabalha nos centros de atendimento sem curso, apenas com o que a experiência profissional lhes ensinou. Existe já um curso de Enfermagem de Medicina Veterinária, mas só agora começam a sair os primeiros finalistas. Esta é uma forma de colmatar uma lacuna. No entanto, apenas podem frequentar o curso aqueles que tiverem sido inscritos por um médico veterinário», adverte o responsável.
– Anualmente, organiza encontros das secções regionais e encontros de Educação Contínua onde são abordados dois temas.
– Foram criados os Grupos de Interesse Especiais. «Cada associado pode escolher duas áreas. Temos já instituído a Ortopedia, a Medicina Felina e os Cuidados Intensivos, que começaram este ano. Temos outros grupos que vão ser aprovados na próxima assembleia-geral, por isso, esperamos que, em 2008, possa ocorrer o lançamento, a sério, desta secção da APMVEAC.
– Todos os anos é entregue o Prémio Marques de Almeida. O galardão visa premiar os trabalhos de médicos veterinários que melhor se distinguiram na área clínica e de cirurgia nos animais de companhia. O troféu, no valor de dois mil euros, é «totalmente suportado pela associação».

Perfil
Em mil e uma frentes

Natural de Avis, no Alentejo, Joaquim Vieira Lopes tem 50 anos e é licenciado em Medicina Veterinária pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa. Já estudou na Universidade da Califórnia, passou pelo Colégio Militar de Lisboa, onde foi aspirante e oficinal médico veterinário. Recebeu um louvor pelo comandante da Escola Prática de Administração Militar, é membro da Comissão Instaladora do Colégio de Especialidade em Animais de Companhia e Desporto da Ordem dos Médicos Veterinários. Além de membro e fundador da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC), também ajudou a criar o Clube Português de Canicultura, de quem recebeu o emblema de prata, em 2005. Foi o proponente da criação do Grupo Europeu de Doenças Hereditárias da Federation of European Companion Animal Veterinary Associations (FECVA). Além de proprietário agrícola, dá assistência a animais de grande porte e exerce numa clínica em Cascais e é director clínico no Centro de Tratamento e Recolha de Animais Abandonados da Fundação S. Francisco de Assis, em Cascais.

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