No passado mês de novembro Luís Lourenço Martins, Ofélia Pereira Bento e Filipe Fernando Inácio publicaram no Allergo Journal um artigo de revisão sobre o ‘Diagnóstico de Alergias em Medicina Veterinária: Passado, presente e futuro*’.
De acordo com Luís Lourenço Martins, do Departamento de Medicina Veterinária da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, “dado o crescimento da prevalência das afeções alérgicas no mundo ocidental, o diagnóstico, abordagem-chave da alergia nos nossos animais, vem evoluindo consideravelmente desde a década de 80 do século XX, apresentando atualmente uma precisão já bastante avançada”.
Contudo, tal como na vertente humana, colocam-se novos desafios ao nível eminentemente molecular “de forma a melhor identificar os fatores alergénicos implicados e permitir melhorar a taxa de eficácia da imunoterapia específica, o meio terapêutico efetivamente curativo”.
Este artigo de revisão, com mais de 100 referências, alia a evolução do conhecimento nas áreas humana e veterinária, à experiência dos investigadores em ambos os domínios, revendo a evolução relevante e perspetivando as possibilidades estratégicas disponíveis.
A publicação teve como principais motivações:
- O caráter crucial da integração das vertentes clínica e laboratorial do diagnóstico alergológico, sobretudo na atopia;
- A necessidade de chamar a atenção para, tal como vem ocorrendo em alergologia humana, a importância de se saber a que moléculas se sensibilizam os animais, de cada fonte de alergénios (ácaros, pólenes, etc.) e, de seguida, começar a investigar a respetiva relevância em termos da resposta clínica (alergia);
- Construir uma biblioteca de alergénios moleculares aos quais os animais alérgicos respondem clinicamente, de forma a podermos começar a pensar num diagnóstico mais individualizado, o qual nos poderá permitir uma imunoterapia (vacinas para alergia/dessensiblização) mais específica e eficaz;
- Chamar a atenção para metodologias laboratoriais de estudo da resposta imunitária celular que, assim como sucede em alguns casos humanos, poderão revelar-se úteis para o diagnóstico de alergia alimentar em animais, um processo moroso e frequentemente sujeito a retrocessos.
Tratando-se de um artigo de revisão, as principais conclusões encontram-se plasmadas nas perspetivas futuras. “Temos hoje um diagnóstico clínico de atopia com uma elevada fiabilidade no cão, ainda que para o gato requeira maior trabalho de diferenciação diagnóstica”, refere Luís Lourenço Martins. “A metodologia clínica dos testes intradérmicos pede claramente uma maior utilização, uma vez que se baseia numa resposta biológica claramente mais fiel em termos de alergia, que a determinação das IgE específicas séricas. Em termos de metodologia de determinação (doseamento e identificação) das IgE específicas, requer-se uma tecnologia com maior especificidade e sensibilidade, também em veterinária”.
Ainda no que respeita às IgE específicas, “urge identificar o papel dos parasitas na sua indução, separando sensibilização parasitária de alérgica. Métodos, como a proteína catiónica eosinofílica, o teste de ativação de basófilos e o teste de transformação linfocitária, entre outros, deverão ser mais explorados para avaliar da sua verdadeira relevância diagnóstica em imunoalergologia veterinária”, defende o investigador.
Causas das alergias
Tal como outros estudos vêm identificando, também Luís Lourenço Martins refere que é inquestionável que a alimentação seja uma das causas do aumento das alergias nos animais. “É inquestionável. O estilo de vida ocidental, mais higienizado, conferindo estatuto de membro familiar ao cão e ao gato, associado à intensa profilaxia anti-parasitária implementada, está certamente associado. A melhoria das condições de vida, relacionada com maior aquisição de exemplares de raça, muitas vezes com predisposição, estará também associado. Estes animais vivem maioritariamente em ambiente interior, um dos fatores estatisticamente de risco”.
Quanto à alergia alimentar, “ela manifesta-se frequentemente mais cedo na vida do animal, levando a uma prevalência estatística provavelmente superior, para o que também contribui um diagnóstico mais demorado e difícil, além de não haver terapêutica vacinal eficaz, ou seja, curativa. No entanto, uma vez que a alergia alimentar em cães se vem observando com maior frequência para carne de vaca, produtos lácteos, galinha e trigo, e, nos gatos se verifica mais para carne de vaca, peixe e galinha, a implementação de dietas de restrição não comerciais poderá encontrar uma abordagem mais facilitada”.
Quanto aos novos desafios que se colocam aos médicos veterinários nesta área, o investigador não tem dúvida que são “obviamente grandes, passando pela investigação aplicada, de forma a poder aprofundar o diagnóstico ao máximo, o que permitirá aproveitar as possibilidades de evolução da imunoterapia específica. Com um diagnóstico mais específico poder-se-á evitar melhor o contacto com as fontes de alergénicas implicadas, bem como o recurso a terapêutica de longo prazo, exclusivamente paliativa da inflamação e do prurido. Encontram-se ao dispor dos clínicos bastantes especialidades farmacêuticas para se poderem abordar, de forma integrada, as condições cutâneas associadas, partindo-se do princípio de que um animal sujeito a um bom suporte cutâneo, nomeadamente ao nível da regeneração e manutenção da respetiva barreira, requererá menor associação de fármacos de ação sistémica”.
No estudo, os investigadores sublinham a necessidade de novos métodos de laboratório na medicina veterinária para se conseguir diagnósticos mais precisos e uma melhor integração entre a clínica e o diagnóstico laboratorial. Mas como isto se consegue na prática? “É necessário continuar a investir na investigação aplicada, precisamente o que se vem objetivando no seio do Grupo de Interesse em Alergologia Comparada e Veterinária da European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI) e no International Committee on Allergic Diseases of Animals (ICADA). Depois, à medida que os avanços científicos vão sendo disponibilizados para a prática clínica bastará continuar a fazer a abordagem clínica, testes cutâneos incluídos, recolher amostras para as diferentes determinações, interpretar e optar. Isto, de forma simplista, claro, pois há ainda muito ‘caminho das pedras’ a percorrer com o contributo de todos”, defende Luís Lourenço Martins.