Desde a faculdade que Sérgio Luís Gomes sabia que queria seguir a área da Neurologia. A atração pelo estrangeiro fez com que praticamente não trabalhasse em Portugal. Atualmente é médico veterinário no Dovecote Veterinary Hospital, e está a fazer a residência em Neurologia e Neurocirurgia e gostaria de partilhar conhecimentos com os médicos veterinários portugueses: “é algo que não me custa e encontram o meu contacto facilmente online, no LinkedIn, por exemplo”.
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área é a Neurologia e Neurocirurgia veterinária. O gosto por esta disciplina veio já da Faculdade, do ICBAS, onde tivemos bons professores que nos aguçaram a curiosidade. O melhor desta disciplina é o combinar das abordagens médica e cirúrgica, além de toda a lógica inerente ao exame neurológico e a neuro-localização. E não há nada como operar um cão paraplégico, que sai do hospital a andar e a abanar a cauda!
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Praticamente não trabalhei em Portugal, não apenas por falta de oportunidades, mas por atração pelo estrangeiro. Desde que fiz Erasmus a sensação de sentir-me parte de um espaço maior, europeu fez sempre parte de mim. Trabalho no Dovecote Veterinary Hospital (http://www.dovecoteveterinaryhospital.co.uk), em associação com a Universidade de Nottingham, onde estou a fazer a residência em Neurologia e Neurocirurgia.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Pelo lado pessoal vivenciar novas realidades, culturas e diferentes línguas. Tenho uma verdadeira paixão por novos idiomas. A nível profissional coloquei como objetivo a obtenção de um grau de especialidade europeu em Neurologia – infelizmente tal possibilidade não existe em Portugal e era limitada no Sul da Europa. A escolha natural foi dar o salto para o Reino Unido.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Trabalho em referência, o que significa que posso dedicar o tempo suficiente em consulta com os animais e os seus donos. No entanto, em veterinária de primeira opinião (não referência), onde também trabalhei no Reino Unido, as consultas são de 10 ou 15 minutos e num dia podemos ver 20-40 animais. É um volume de trabalho enorme, que obriga a uma concentração máxima e implica a uma maior automatização do trabalho de veterinário. Isto como sul-europeu é algo que não aprecio. Uma parte importante de ser veterinário é ‘perder’ tempo a explicar aos proprietários qual é o problema e ter o tempo suficiente para criar empatia com os proprietários e o próprio animal. No entanto, o melhor de trabalhar no RU é o fator respeito. Existe um enorme respeito dos proprietários face aos veterinários, que são vistos como profissionais altamente qualificados. Isto facilita o nosso trabalho. Além do mais, a existência de seguros de saúde em mais de 50% dos animais que recebemos permite que as constrições económicas sejam deixadas de lado, e que o nosso trabalho possa ser completo a nível de provas de diagnóstico e tratamento.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Sim, a adaptação é possível e penso que os portugueses são excelentes nisso. O nosso caráter mediterrânico, suavizado pelo Atlântico, faz de nós um povo alegre e expansivo, mas também nos fornece um pragmatismo e profissionalismo muito apreciado pelos Britânicos e outros povos norte-europeus.
Quais os seus planos para o futuro?
Terminar a especialidade. Poder partilhar todo o conhecimento adquirido no estrangeiro com os ainda estudantes e também com os colegas portugueses.
Equaciona voltar a Portugal?
Sem dúvida é algo que almejo. No entanto, e acredito que esta resposta seja bastante prevalente entre portugueses no estrangeiro, o problema é como e quando. Encontro-me a realizar a residência e estou muito feliz no local onde trabalho. No futuro gostaria de encontrar um equilíbrio para poder voltar ou pelo menos participar em cursos, conferências ou outras plataformas onde partilhar todas as experiências adquiridas.
Se sim qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Embora me encontre a trabalhar no estrangeiro, gostaria de estabelecer um maior contacto com os colegas que trabalham em Portugal. Algo que gostaria de fazer seria apoiar colegas no diagnóstico de condições neurológicas, através de vídeos por exemplo. Uma mas melhores coisas da Neurologia é a quantidade de informação que é possível obter apenas por observar um animal – por exemplo quando queremos determinar a presença de uma convulsão epilética vs um síncope ou uma disquinésia. Isto será algo que poderá custar mais a priori a alguém que não vê isto todos os dias, e no qual estaria disposto a ajudar. Responder a um email, de maneira a partilhar conhecimento, é algo que não me custa – e encontram o meu contacto facilmente online, no LinkedIn por exemplo. A nível de investigação científica estou também aberto a colaborações e ideias, nunca trabalhei como Neurologista em Portugal e tenho a certeza que existem tantos casos interessantes.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Uma experiência fora de Portugal, ainda que temporária, abre horizontes e mentalidades e recomendo a quem nunca saiu do país. No entanto, se estamos a falar de tentar um emprego mais duradouro, recomendaria a todos a tentar Portugal, pelo menos inicialmente. Caso as coisas demorem demasiado em se desenvolver ou nada acontecer, não devem ter medo de partir. Os portugueses sempre foram um povo equipado para sobreviver lá fora e são inúmeros os exemplos dos que singraram.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Há um grande crescimento desta área, primeiro pela constante especialização de mais e mais profissionais e segundo por uma procura crescente dos serviços por nós praticados – a própria legislação portuguesa foi atualizada e incluí uma maior proteção dos direitos dos animais. E cada vez mais se podem ver histórias de animais na televisão portuguesa, que vou acompanhando, e isso só indica uma maior consciencialização da sociedade face aos animais e a necessidade de os prover de serviços de saúde especializados. Em Inglaterra este processo já começou há muitos anos, a televisão e os meios de comunicação social já divulgam o papel e o trabalho dos veterinários há décadas. Hoje em dia, quase todas as crianças inglesas gostariam um dia de se tornar veterinários. Creio que este será sempre o caminho, uma maior consciencialização, para o qual os meios de comunicação social são fundamentais.
Qual o seu sonho?
Profissionalmente ter a oportunidade de partilhar o conhecimento e experiências adquiridas ao longo de todos estes anos de intensa formação. E quem sabe um dia regressar com as malas feitas a Portugal!