A população de gaivotas tem vindo a aumentar exponencialmente desde meados do século XX, tornando a sua presença claramente notada nas principais cidades costeiras europeias, principalmente, desde a década de 80. Existem já milhares de gaivotas que nascem, vivem, reproduzem-se e morrem nas cidades, sem nunca experimentar a vida ‘selvagem’: são as «gaivotas urbanas».
O aumento do número de gaivotas nas cidades levanta questões de saúde pública e ambiental e tem levado, cada vez mais, a reclamações de munícipes e turistas pela incomodidade provocada pelo seu ruído; pelos estragos no revestimento/pintura de edifícios e veículos (devido aos dejectos); pela sua agressividade, revelada em ataques a pessoas; pelo entupimento de caleiras e algerozes com penas e dejectos, restos de alimentos e material usado na construção dos ninhos (podendo originar inundações nos edifícios); e pelos estragos nas roupas (estendidas e em transeuntes).
As gaivotas são animais extremamente inteligentes e resistentes – são «sobreviventes» que sabem aproveitar o que de melhor o “mundo” lhes dá. E as cidades oferecem enormes benesses a estas aves.
«As gaivotas praticamente não têm predadores e podem viver até aos 35/40 anos, o que, para as aves é muito tempo, a mortalidade acontece principalmente nos mais jovens e frágeis», explica Pedro Geraldes, especialista em aves marinhas da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). «Têm duas a três posturas ao longo do ano, podendo ter oito a nove crias, pelo que a sua capacidade de recuperação populacional é muito grande», salienta.
A gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis) nidifica em Portugal e é a que causa os principais problemas nas cidades, embora a gaivota-d’asa-escura (Larus fuscus), presente no país durante o Inverno, também utilize com frequência edifícios como locais de repouso.
De acordo com Peter Rock – especialista inglês que estuda o fenómeno das «gaivotas urbanas» há quase 30 anos, principalmente em Inglaterra mas também na Europa Mediterrânica e que conhece bem este problema em Portugal –, as cidades oferecem muito melhores condições às gaivotas do que a Natureza. «As cidades são mais quentes, pelo que os casais podem reproduzir-se mais cedo e a taxa de sobrevivência dos mais novos é maior, a abundância e alimento é muito maior e podem mesmo alimentar-se de noite».
Maria de Lurdes Morais, bióloga da Reserva Natural das Berlengas (RNB) afirma que «o crescimento exponencial de populações de gaivotas é um fenómeno largamente estudado e conhecido desde a década de 50 do século passado a nível mundial, sendo causado sempre por excesso de disponibilidade alimentar (de origem antrópica – desperdícios da faina da pesca, pescado capturado pelas gaivotas no acto de recolha das artes de pesca, lixeiras a céu aberto, etc.), havendo inúmeros artigos científicos publicados desde então que reportam esta situação».
No entanto, Peter Rock afirma que muitos explicam as causas deste aumento mas «o que é preciso é fazer um estudo exaustivo que identifique claramente estas causas, acompanhe casais de gaivotas urbanas e no meio selvagem e perceba a sua interacção, com o objectivo de apontar soluções duradouras a médio/longo prazo para este problema. Isso nunca foi feito em lado nenhum da Europa».
«Portugal que não tenha ilusões: os problemas que estão a sentir em algumas cidades costeiras são apenas o início. Aqui em Inglaterra o fenómeno é mais antigo e temos provas de que o crescimento da população de “gaivotas urbanas” é mesmo exponencial».
O fenómeno começou a evidenciar-se na RNB, onde está, de longe, a maior colónia de gaivotas em território nacional. «Há cerca de 30 anos, verificou-se um aumento do volume de lixos em lixeiras abertas, juntamente com o crescimento muito significativo (quase exponencial) do pescado descarregado nos portos portugueses, como resultado de melhorias e aumento da frota de pesca. Assim, a disponibilidade praticamente ilimitada de alimento causou um crescimento exponencial de gaivotas na colónia da ilha da Berlenga (vide Morais, L., C. Santos & L. Vicente 1998. Population increase of yellow-legged gulls Larus cachinnans breeding on Berlenga Island (Portugal), 1974-1994. Sula 12(1): 27-37)», cita Maria de Lurdes Morais.
«Em 1994, o quantitativo de gaivotas na ilha da Berlenga era tão elevado que punha em risco o próprio ecossistema», explica a bióloga, assim «de 1994 a 1996, a exemplo de outras colónias estrangeiras, houve que adoptar medidas radicais de controlo da população (por abate de gaivotas adultas), para conter o crescimento».
Mas «como as causas do crescimento se mantiveram e ainda se mantêm, desde 1999 que se controla a natalidade de gaivotas na Berlenga através da destruição de ovos. Ainda assim, a dimensão da colónia mantém-se em cerca de metade dos valores de 1994».
Municípios avançam com controlo de população
A Associação Nacional dos Médicos Veterinários dos Municípios (Anvetem) «não possui dados quantitativos e objectivos», afirma Ana Elisa Vieira da Silva. «Não obstante, há a informação não oficial, e não quantificada, de que há problemas crescentes de reclamações relacionadas com gaivotas. Fomos contactados por alguns médicos veterinários municipais que, por solicitação do seu município, e porque este é um tema relacionado com saúde pública, saúde animal e bem-estar animal, estão a acompanhar este assunto, nos respectivos concelhos, na qualidade de Autoridades Sanitárias Veterinárias Concelhias», explica a presidente da direcção da Anvetem.
Em várias cidades costeiras nacionais o fenómeno tem, de facto, vindo a assumir proporções significativas, pelo que algumas câmaras municipais, através das suas divisões de ambiente e serviços veterinários, iniciaram estudos e mesmo programas de controlo populacional de gaivotas. É o caso de Peniche, de Lagos e da Área Metropolitana do Porto (AMP).
O município de Peniche – talvez pela proximidade da grande colónia da Berlenga – foi pioneiro e, com a autorização do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, conforme estipulado na lei, técnicos da Luthisa – Lusitana de Tratamentos de Higiene, levaram a cabo em 2007 uma acção de inviabilização de cerca de 300 ovos (mergulhando-os em óleo mineral para impedir as trocas gasosas através da casca, inviabilizando, por asfixia, o desenvolvimento do pinto).
A par desta acção, a autarquia pediu também a colaboração dos munícipes para eliminar algumas das causas da proliferação de gaivotas na cidade. A Câmara Municipal de Peniche pediu assim que os moradores colocassem correctamente pico, redes ou outros elementos dissuasores nos locais onde habitualmente as gaivotas pousam; que acondicionassem correctamente o seu lixo e impedir que as gaivotas aí se alimentassem, fechando devidamente os sacos e contentores; que não alimentassem voluntariamente as gaivota; e, aos operadores do sector alimentar (indústria e comércio da pesca, talhos e restauração e bebidas), que acautelassem devidamente o destino dos seus subprodutos para que não pudessem servir de alimento às gaivotas.
Também em Lagos, a empresa Strix está a levar a cabo um estudo que compreende várias fases. Começando pela identificação da população residente e também da população de Inverno para depois poder propor algumas soluções. «Em Julho/Agosto teremos concluído o acompanhamento do ciclo anual das gaivotas e aí poderemos traçar um plano de acção», afirma Miguel Repas, director-geral da Strix. No entanto, esse plano terá sempre de ser discutido com a autarquia de Lagos porque depende muito se se pretende «controlar as causas – disponibilidade de alimento, de locais para nidificar, etc. – ou apenas os efeitos – inviabilização de ovos, etc.», explica salientando que «queremos também aproveitar as forças e recursos da região, como o serviços de ambiente, os bombeiros, etc.».
Em Novembro último, também «a AMP decidiu celebrar um protocolo com a Universidade do Porto, mais concretamente com o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), com vista ao controlo da natalidade das gaivotas, que afectam sobretudo os concelhos metropolitanos do litoral, sem ser necessário recorrer ao abate. Prevê-se que dentro de um ano e meio a dois anos a situação esteja debelada», segundo a acta da reunião de 28 de Novembro de 2008 da Junta Metropolitana do Porto.
Também em Lagos, a empresa Strix está a levar a cabo um estudo que compreende várias fases. Começando pela identificação da população residente e também da população invernante para depois poder propor algumas soluções. «O objectivo principal é identificar as gaivotas que usem os edifícios da cidade para repouso ou nidificar», afirma Ricardo Tomé, director científico da Strix. «Estimamos que no Outono e Inverno da gaivota-de-patas-amarelas, que é a espécie que nidifica em Portugal, havia cerca de 250 casais na cidade, mas agora em Maio-Junho vamos aferir essa estimativa. Sabemos também que elas se concentram na zona antiga da cidade e vamos analisar todas as variáveis possíveis para perceber porque escolhem esses locais, para além da disponibilidade de alimento, etc.», explica.
«Em Julho/Agosto teremos concluído o acompanhamento do ciclo anual das gaivotas e aí poderemos traçar um plano de acção», acrescenta Miguel Repas, director-geral da Strix. No entanto, esse plano terá sempre se ser discutido com a autarquia de Lagos porque depende muito se se pretende «controlar as causas – disponibilidade de alimento, de locais para nidificar, etc. – ou apenas os efeitos – inviabilização de ovos, etc.», refere salientando que «queremos também aproveitar as forças e recursos da região, como o serviços de Ambiente, os Bombeiros, etc.».
Em Novembro último, também «a AMP decidiu celebrar um protocolo com a Universidade do Porto, mais concretamente com o Ciimar, com vista ao controlo da natalidade das gaivotas, que afectam sobretudo os concelhos metropolitanos do litoral, sem ser necessário recorrer ao abate. Prevê-se que dentro de um ano e meio a dois anos a situação esteja debelada», segundo a acta da reunião de 28 de Novembro de 2008 da Junta Metropolitana do Porto.
Do Ciimar, dirigido por João Coimbra, não foi possível obter informação de como é que o controlo irá ser feito, uma vez que, de acordo com o Gabinete de Informação e Relações Públicas «o estudo ainda está na fase inicial».
A solução a longo prazo para o aumento exponencial das «gaivotas urbanas», para Maria de Lurdes Morais, «embora dificilmente concretizável, é a eliminação das fontes de alimento artificiais. Para dar uma ideia: as gaivotas da Berlenga alimentam-se sobretudo dos desperdícios da pesca ao longo da costa do Atlântico desde o Norte de África, costa da Península Ibérica, Norte de França e Sul de Inglaterra (comprovado por observação de gaivotas nascidas na Berlenga e anilhadas com marcas coloridas).
Importa também referir que o fenómeno da colonização urbana na Europa remonta pelo menos à década de 80 do séc. XX (Inglaterra) e que desde então e de forma crescente inúmeros municípios costeiros têm o mesmo problema (por exemplo, França, Espanha, Itália)».
Por isso, Peter Rock diz que é tão importante que «os governos da União Europeia financiem um estudo sério e exaustivo destas aves, com recurso, por exemplo, a satélites, para sabermos como é que “vivem as suas vidas” e assim, conseguirmos tomar medidas eficazes e duradouras» para controlar esta praga.
População de gaivotas quase triplicou em Portugal
Entre 1984 e 2002 a população nidificante de gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis), claramente dominante no nosso país, praticamente triplicou, passando de pouco mais de 5.500 casais para perto de 16 mil, de acordo com o «Atlas das Aves Nidificantes em Portugal», lançado em Dezembro de 2008 pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade em parceria com a SPEA, o Parque Natural da Madeira e a Secretaria Regional do Ambiente e do Mar dos Açores.
E estes números referem-se apenas às duas zonas onde estes animais estão presentes em número significativo – Berlengas e costa rochosa a Sul do cabo Carvoeiro (com cerca de mil casais).
Nos Açores a população desta gaivota cresceu cerca de 60% entre 1984 e 2004, para cerca de 4.150 casais e na Madeira o número de gaivotas-de-patas-amarelas tem-se mantido relativamente estável, rondando os quatro mil casais.
A gaivota-d’asa-escura (Larus fuscus), não reproduz em Portugal, mas durante o Inverno acorre em grande número a todo o território continental.