Em 1990 foi constituída, no seio da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), a Comissão Especializada de Saúde Animal (CESA), com o objectivo «de defender a área do medicamento veterinário», declara Rui Gabriel, o seu coordenador-geral.
No fundo, a CESA, tendo como «pelouro e responsabilidade» os fármacos deste sector, concentra-se na missão de «promover, divulgar e defender o medicamento, num contexto de saúde pública e de segurança alimentar». Para tal, estabelece parcerias e protocolos com várias entidades.
A comissão, constituída por seis membros representantes de diferentes empresas, possui um estatuto próprio. Algo justificado pela «especificidade do sector veterinário, que obriga a CESA a ter na sua actuação uma certa autonomia», revela o também vice-presidente da comissão.
Neste momento, a comissão tem 21 empresas associadas, que «representam cerca de 90%» do mercado, em termos do seu valor, uma vez que «existem algumas pequenas companhias que não são membros e cuja representatividade é pouca», declara Rui Gabriel, acrescentando que «o nosso objectivo é conseguir atingir os 95%».Para alcançar esta meta, o organismo propõe-se «demonstrar o que é a sua visão e missão, ou seja, a defesa do sector e a evidência do papel que tem enquanto interlocutor junto dos diferentes parceiros». Um trabalho que tem sido reconhecido, já que o coordenador-geral aponta este aspecto como uma das razões que levaram novas empresas a se associarem à CESA este ano.
A comissão está em permanente «conformidade com todos os associados», salienta o responsável, referindo que «os seus elementos reúnem, entre si, mensalmente, e trimestralmente com todos os sócios, numa reunião-geral». Nestas ocasiões são feitas avaliações, verificam-se quais foram as novidades da área, «ausculta-se os associados e tomam-se decisões em função das suas opiniões e do seu feedback», explica.
Na relação com os sócios é privilegiado o factor comunicação. «Procuramos estimular a autocrítica, pelo que solicitamos às empresas que nos dêem os seus pareceres sobre as nossas acções, de forma a podermos melhorar». Neste sentido, «é feita uma avaliação anual da performance, onde são referidos os aspectos que funcionaram melhor e pior, são dadas sugestões, assim como mencionadas as áreas que poderão vir a ser consideradas prioritárias para a actividade do ano seguinte da comissão», explica o responsável, dizendo ainda que «quando fazemos o plano de acção, temos todas estas informações em consideração. E, posteriormente, é discutido com os sócios».
Uma questão de saúde pública
Em 1992 foi instituído o Código Deontológico e de Boas Práticas de Comercialização dos Medicamentos e Produtos de Uso Veterinários. «Estipulamos um código à semelhança, e por adaptação, do da International Federation of Animal Health – Europe (IFAH-Europe), da qual a APIFARMA é associada, e que regula toda a actividade promocional e ética, no que diz respeito à parte de venda e promoção do fármacos».
Apesar de representar «cerca de 3% do sector e face ao humano», a importância dos medicamentos veterinários «transcende em muito o seu valor facturado, dada a sua importância social, económica e sanitária, em termos de saúde pública e de segurança alimentar», defende. Além disso, «consideramos que não é possível haver saúde pública, nem segurança alimentar, se não houver sanidade animal. Algo que só é possível com os fármacos veterinários», sublinha.
No que diz respeito ao mercado, o responsável menciona que «tem, seguramente, algumas diferenças relativamente a outros países, nomeadamente Espanha e França». Uma delas diz respeito ao facto de «Portugal ser um país periférico e, à semelhança de outras áreas, sofremos com esta situação, sendo que, neste caso, até de uma maneira indirecta». Referindo-se ao sector agro-pecuário, que «está muito dependente do contexto europeu, por causa da livre circulação de animais e da carne», Rui Gabriel explica que «a área do medicamento veterinário tem uma componente económica extraordinariamente forte, em função daquilo que é a evolução do sector agro-pecuário». Outra das diferenças que destaca é que «praticamente não existe produção destes fármacos ao nível nacional».
No seu global, estima-se que o valor do mercado veterinário «ronde os 90 milhões de euros», sendo que em Portugal são comercializados «mais de 500 medicamentos».
A necessidade de regulamentação
Conforme explica Rui Gabriel, as actividades da CESA podem ser divididas em três componentes: «os assuntos regulamentares – que são, claramente, a nossa prioridade -, a área da imagem e da segurança alimentar e os estudos de mercado».
«Sempre tivemos uma relação muito próxima com as autoridades, devido ao facto de entendermos que é na base do diálogo e da confrontação de ideias que se obtém resultados», diz e, por isso, define a relação da comissão com a Direcção-Geral de Veterinária (DGV) como «cordial e construtiva».
Se anteriormente os medicamentos veterinários estavam sob tutela da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED), actualmente passaram a estar sob responsabilidade da DGV e «durante muito tempo pensámos, provavelmente de uma forma ingénua, que era possível conviver com estas duas entidades», comenta, revelando que, inclusive, «tentámos muitas vezes estimular o diálogo entre os dois organismos. Infelizmente, os factos vieram a provar que isso era difícil e teve de ser feita uma opção, em termos de decisão política».
Apesar de considerar que uma cooperação entre o INFARMED e a DGV poderia trazer vantagens, o facto é que «a situação estava a tornar-se cada vez mais estranguladora para nós, devido às dificuldades de comunicação e de articulação entre estas duas entidades», continua o responsável. A partir de um determinado momento, «começámos a manifestar a opinião de que era bom termos apenas um interlocutor, pois isso permitia eliminar muito do tempo desperdiçado e que estava a ser prejudicial para as empresas», acrescenta, esclarecendo que os «atrasos processuais, nomeadamente de registos, talvez fossem as situações mais críticas».
Quando questionado sobre que dificuldades de funcionamento enfrenta a comissão, Rui Gabriel diz que estas advêm exactamente desta transição de poderes, já que «está a ser mais lenta do que aquilo que gostaríamos que fosse». Por outro lado, «o facto da transposição da directiva do medicamento não estar concluída também causa algumas entropias, dado que, no fundo, vai ser o documento regulamentador de toda a actividade deste sector.
O reverso da medalha
Há áreas da saúde animal para as quais não existem fármacos. Significa isto que, por um lado, existe um problema de «disponibilidade dos medicamentos, considerado, aliás, uma das maiores preocupações do sector, não só da Indústria, mas também de saúde pública e animal», refere o coordenador-geral, alertando que, «por outro lado, há que analisar, igualmente, a dimensão do mercado nacional, assim como europeu, uma vez que há sectores onde os custos regulamentares e de investigação são de tal maneira elevados, que o lançamento dos fármacos acaba por não compensar».
Quanto a esta questão, o responsável salienta ainda que «a área regulamentar é cada vez mais exigente e as empresas têm de gastar muito dinheiro para manter os fármacos no mercado». Na verdade, «há um momento em que acontece um estrangulamento relativo à sobrevivência de alguns medicamentos», afirma.
Neste aspecto, Rui Gabriel não faz grandes distinções entre a área humana e a animal, visto que são as duas muito regulamentadas. «O grau de exigência tem sido de tal forma crescente nos últimos anos, sobretudo na Europa, que, na prática, só cerca de 20% dos custos de R&D das empresas são utilizados para investigação de novas moléculas». No entanto, revela, «nos Estados Unidos da América (EUA) passa-se exactamente o oposto, ou seja, as companhias gastam mais dinheiro na investigação de novas moléculas do que nas outras áreas de R&D».
A consequência mais visível desta conjuntura é que «a investigação de novas moléculas tem-se deslocalizado da Europa para os EUA, tanto no sector humano como veterinário, limitando, assim, a disponibilidade de fármacos e a inovação».