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Entrevista

Eduardo Correia: “Vamos ser claros: não há mercado de trabalho para tantos profissionais”

Eduardo Correia: Vamos ser claros: não há mercado de trabalho para tantos profissionais

Por ano são mais de 600 os profissionais que saem das faculdades de medicina veterinária do país. Um número extraordinariamente elevado para o mercado nacional diz Eduardo Correia, da direção do Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários. Numa conversa aberta, Eduardo Correia admite que o Sindicato não tem o peso que devia e assume como prioridade contribuir para a criação de emprego neste setor.

Qual o balanço que faz destes dois últimos anos de atuação do sindicato? Quais têm sido as grandes áreas de ação?

O veterinário tem um campo vasto de ação, que vai desde os animais de grande porte ao de pequeno porte e ainda as inspeções de saúde pública. Aliás, até há alguns anos o grande empregador da profissão era o Estado. O grande problema, hoje, reside no excessivo número de veterinários que saem das nossas faculdades. Neste momento estamos a falar entre 500 a 600 por ano. E vamos ser claros: não há mercado de trabalho. Ponto. Muitos defendem que sem essas escolas quem quer ir mesmo para veterinário não teria hipótese. E eu digo que nas escolas de veterinária há muita gente que queria ser médico e não teve média para entrar.

 

A profissão tem de ser repensada?

Isto não é um problema eminentemente sindical, mas acaba por ser. A profissão e os seus órgãos vão ter de discutir seriamente tudo isto. Há que encarar este problema de frente. Não vale a pena termos seis escolas a colocar profissionais no mercado quando não há espaço. Ainda para mais com uma população a diminuir. Bem sei que ainda não temos o dramatismo que já se verifica em outras profissões precisamente por este problema. Mas exatamente por isso temos de atuar já: ainda vamos a tempo de corrigir. Porque para lá caminhamos! E repare, o Estado não vai ser mais o empregador que era. Ou que foi. Porque o Estado ainda não está a mandar embora profissionais nesta área, mas não está a repor. As pessoas não são substituídas. Logo, essa fonte de admissão de emprego deixa de existir. Na investigação científica a mesma coisa. Está a acontecer precisamente o mesmo, pelo que os veterinários estão a ser encaminhados para o emprego nas clínicas veterinárias privadas.

 

Mas então o panorama dos profissionais, nestes últimos anos, sofreu grandes alterações.

Claramente. Há uma mudança significativa no mercado de emprego.

 

Mas também é verdade que hoje as pessoas tratam mais os seus animais, vão mais ao veterinário…

Exatamente, e se assim não fosse é que a profissão nem sequer crescia. É uma realidade que atualmente um animal é visto como um elemento da família. Muitos casais não têm um segundo filho, mas têm um cão ou um gato. Isto pode parecer uma distorção, mas é a mais pura das verdades.

 

Mas qual é o papel do sindicato?

Claramente pugnar por mais e melhor emprego. E o que estamos a assistir é claramente à exploração por parte das clínicas privadas. Não vale a pena dourar o cenário. As clínicas estão a aproveitar o excesso de profissionais. O último congresso da APMVEAC (Associação Portuguesa de Médicos Especialistas em Animais de Companhia), na sua mesa redonda focou precisamente esses pontos. Há profissionais que estão a trabalhar de forma gratuita, outros a três euros à hora. E estão calados porque estão na esperança de poder ficar nesses locais a trabalhar. Por outro lado, isto leva à atonização da abertura de outros centros. Basta dinheiro e já se abre mais um centro, mais uma clínica. Os pais ajudam, financiam os jovens licenciados, que obviamente preferem montar algo próprio do que estar a trabalhar nestas condições para terceiros. E isto tem de ser dito. É um desafio muito atual da profissão.

Esta é a principal situação que o sindicato tem de resolver? Como é que atuam?

Isso desemboca em outro problema que o sindicato tem. Não há interlocutor, não há uma associação patronal.

Mas sentem-se desamparados?

Simplesmente não temos com quem discutir. Não podemos discutir individualmente. Nos grandes animais era necessária uma associação empresarial com quem o sindicato pudesse chegar a um acordo. Assim é extremamente complicado atuarmos. O que, admito, às vezes leva a uma degradação da imagem do sindicato. Não temos como atuar. Ou atuamos baseado na lei geral, com uma queixa individual que chega ao sindicato, ou então não temos ferramentas. Quando olhei para a mesa redonda do congresso da APMVEAC, onde o sindicato esteve representado, reparei que não havia jovens. Estavam os proprietários dos centros. Os mais seniores e os menos seniores. Mas a larguíssima maioria era seniores, não eram jovens. O que me faz pensar, eu que sou um homem com quase 60 anos e 36 desta vida, o que ando aqui a fazer. É um desafio.

Mas como se resolve?

Há que mobilizar as pessoas para estas questões. Um sindicato tem de ser visto como uma parte da solução. Não pode ser visto como um problema. Um dos importantes trabalhos que o sindicato tem feito ao serviço da profissão é a base de dados do registo animal, o SIRA. Porque isso é algo que o sindicato pode fazer sozinho. Há outra base de dados de registo oficial, da DGAV, mas estamos em conversações com eles… o que levanta desde logo mais um problema: já vamos para o quinto diretor-geral em quatro anos.

Mas isso tem a ver com mudanças politicas, certo?

Exato, mas dificulta a discussão e o entendimento.

Voltemos aos animais de pequeno porte. Há clínicas a mais?

A questão é que uma clínica não pode passar apenas por ser bonita. Há que ter qualidade, ter o valor do trabalho. Os seus profissionais têm de estar satisfeitos. Não pode passar por ter uma parede bonita. Admito que esta desmobilização das pessoas jovens me faz um bocado de impressão. É verdade que o sindicato não tem sido capaz, não tem encontrado o antídoto para este problema.

Mas defende o encerramento de algumas das escolas, por exemplo? Ou por não abrir tantas vagas?

Sim, por exemplo. Abriram-se seis escolas sem nunca se ter feito um estudo sério da absorção do mercado. E isto é um problema geral. Já sei que alguns achariam uma loucura fechar escolas e provavelmente isso nunca se conseguiria mas vamos ter de equacionar seriamente o que fazer.

Mas quem deverá discutir isso? Sindicato, Ordem, Estado?

Claro. O Ministério da Educação, todos! Porque não fazer um acordo com os PALOP? É mau porque estou a promover a saída de profissionais? É. Mas será melhor trabalhar num call center em Portugal, que é um destino de muitos dos nossos jovens veterinários? Ou numa banca de um supermercado? Ou fazer horários noturnos nos hospitais completamente de borla, para dar a pílula ao cão ou ao gato? Porque isso existe. Vamos ter de encarar isto seriamente. E colocar em cima da mesa aquilo que toda a gente pensa, mas ninguém diz porque não é politicamente correto.

Mas esse também é um pouco o papel do sindicato, não é?

Claro. Há que fugir ao que está estabelecido. Temos de fazer alguma coisa.

Os médicos veterinários continuam a aguardar a publicação do Ato Médico Veterinário. O que acha da demora na aprovação deste documento?

Olhe, e apesar de esse ser um problema mais ordinal do que sindical, ficou claro no Congresso da APMVEAC que o ato médico está na tutela. E só não sai porque a tutela não quer. Porque isso entronca com outros problemas de outros profissionais. Um ato médico é um ato médico! Nós somos médicos, não somos biólogos… E isso, sim, já é um problema de sindicato, porque seriam possibilidades de emprego.

Mas o sindicato tem de alguma forma pressionado a DGAV para acelerar a aprovação do documento?

Voltamos ao mesmo. Vamos para um novo diretor-geral e voltamos ao zero. Mesmo a própria Ordem vai ter de voltar a conversar com este diretor-geral. Assim como o sindicato, apesar do Secretário de Estado ter sido um ex-diretor-geral. As coisas podem estar encaminhadas no sentido de ser aprovado o ato médico. Mas…

Acha que com mudança do diretor-geral, que tomou posse recentemente, o assunto pode finalmente ter alguma resolução?

Não sei, mas vou crer que sim. Não posso ir para uma conversa, para uma negociação, partindo pelo princípio que vai correr mal. Não! Mas isso faz-se muito em relação ao sindicato. Uma boa proposta e um bom trabalho feito pelo sindicato é sempre subavaliado. Porque sempre pensam que tem outras intenções. Não é verdade! Não tem necessariamente de ser verdade. Não posso ir discutir com o patrão desconfiando logo dele… Nem o contrário. Depois vão-se conseguindo coisas por conversa fora da mesa, à margem… aquilo que se poderia ter conseguido na mesa, oficialmente. Nos anos 90, este sindicato – e eu estou à vontade porque eu não pertencia, só estou na última direção – apresentou uma estruturação da carreira de inspeção sanitária. Por uma ou outra razão isto nunca foi aceite pelo poder político. Ou era por razões económicas, ou por razões economicistas ou por razões políticas ou por desconfiança ou por…. Enfim. Se essa carreira tem sido aprovada nos anos 90 imensos problemas que hoje existem no Estado na área da inspeção sanitária, na área dos médicos veterinários oficiais (pagamentos e deslocações, exclusividade, etc..) não existiam. E hoje existem processos em tribunal e existem entendimentos por fazer e indemnizações já pagas pelo Estado… tudo isto não existiria. É inércia! Pura e simples. Olhe, nós só nos sentamos a uma mesa e não chegamos a acordo se não quisermos.

O sindicato é o organismo observador da Federação dos Veterinários Europeus. Uma vez que Portugal carece de estudos sobre a profissão, nomeadamente quais as zonas onde há excesso ou falta de médicos veterinários, ou mesmo dados em comparação com outros países, poderá o sindicato fazer algum tipo de estudo, com o apoio da FVE, sobre o presente e o futuro da profissão de médico veterinário em Portugal?

É complicado pois requer meios que o sindicato não tem. Houve uma altura em que a representação na FVE se fazia em partes iguais pelo sindicato e pela Ordem. Mas desde a entrada desta nova direção e desta Bastonária que isso não acontece. Só não é atualmente porque o sindicato e a Ordem não se entenderam em relação a esse assunto.

Então neste momento como é que é?

A Bastonária informou o sindicato a seu tempo que iria propor os representantes da profissão na FVE. E estamos ai. Neste momento não temos ninguém indicado na Federação. Ainda tivemos uma conversa pessoal com a senhora Bastonária, tudo indicava que íamos chegar a um acordo, mas a verdade é que ainda não chegamos. É um assunto que vai merecer a nossa atenção. Apesar de, digo-lhe, isto só diz alguma coisa aos mais antigos. Os mais novos estão demasiado preocupados em arranjar emprego. Eu se falar disto com os novos colegas não lhes diz nada!…

Outro tema: o vosso congresso. Porque deixaram os eventos de lado? Estão a pensar reativá-los?

Falta-nos algum peso. Ao longo destes anos houve algumas cisões com o sindicato e no sindicato. Houve colegas que estão inscritos e são representados por outros sindicatos, nomeadamente no Sindicato da Função Pública, no Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado. Cisões provocadas precisamente por todas estas questões das carreiras, uma história muito antiga que já nem a consigo contar convenientemente. O que temos proposto é fazer uma revisão profunda dos estatutos, já que eles datam de 1975, apenas com algumas revisões que foram sendo feitas, até pelo aparecimento da Ordem. Estamos a pensar fazer uma baixa significativa da cotização, além de já termos procedido à reformulação do departamento jurídico.

Mas porque houve necessidade dessa reformulação?

Porque se crescermos em número de sócios, o departamento jurídico vai ter de ser uma parte importante no apoio. E não nos satisfazia o que tínhamos, temos de estar preparados para receber mais alguns sócios. Vamos manter o cariz independente do sindicato, pelo que não vamos integrar nenhuma federação. Queríamos voltar a fazer uma newsletter ou revista. E para responder concretamente à sua pergunta anterior, os congressos virão a seguir. Neste momento não são prioridade para o sindicato. A nossa prioridade é mesmo o emprego.

É ingrato estar no Sindicato?

É ingrato para uma pessoa como eu, que não tem futuro, só tem passado. E gostava de deixar as coisas mais encaminhadas. Melhores. Muitas vezes admito que não sei porque vou às reuniões a Lisboa e chego a casa às quatro da manhã. Para quê? Quero acreditar que serve para muita coisa. E há de servir para muito mais.

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