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Defeito ou feitio: O que escondem os cães da moda?

pug

Pastor Alemão, Labrador ou Dálmata. Estas são apenas algumas das raças que já estiveram na moda e que hoje em dia foram destronadas pelo Bulldog Francês ou pelo Pug. O pequeno porte e o ar simpático parecem ter conquistado o coração dos portugueses, mas muitos desconhecem os problemas de saúde associados aos cães braquicéfalos e multiplicam-se as visitas às clínicas veterinárias por problemas respiratórios. Falámos com Luís Cruz, que sublinhou a importância do diagnóstico precoce.

Basta fazer um scroll e refresh nas principais redes sociais para perceber uma tendência: o Bulldog Francês, o Pug ou o Shi-tzu são os cães da moda. O ar simpático e o pequeno porte estão a conquistar cada vez mais portugueses, mas as visitas às clínicas veterinárias também se multiplicaram. É que estas raças de cães braquicéfalos (com uma mandíbula de comprimento proporcional ao seu tamanho, mas com um maxilar superior mais curto) sofrem de vários problemas de saúde, fruto da conformação da boca, nariz, laringe e traqueia.

“Recentemente tornaram-se muito populares os Buldogues franceses e os Pugs, que são adoráveis brincalhões com um carácter inconfundível. Estes cães possuem uma conformação da boca, nariz, laringe e traqueia que pode dificultar a respiração e perturbar a sua qualidade de vida. Além disso possuem frequentemente vértebras com conformações anómalas e problemas alérgicos”, referiu Luís Cruz, responsável pelo Hospital Veterinário das Laranjeiras.

Entre as principais raças de cães braquicéfalos estão Buldogues franceses e ingleses, Pugs, Shi-tzu e Boxers e entre os principais problemas de saúde destacam-se “problemas respiratórios e digestivos, problemas alérgicos e da coluna vertebral”.

French Bulldog (2 years old), French Bulldog (2 years old)

“A síndrome respiratória é a mais prevalente e grave. O problema principal é a respiração estertorosa e difícil com dispneia inspiratória por vezes grave, pois existe um estreitamento (estenose) das passagens do ar ao nível do nariz, boca, laringe  e traqueia. Este estreitamento é causado pela presença de narinas estreitas, macroglossia, hipertrofia das tonsilas/amígdalas palatinas, prolongamento e espessura excessiva do palato mole (que é aspirado para  glote) e hipoplasia da traqueia. A laringe, frequentemente hipoplásica, apresenta muitas vezes eversão dos ventrículos laríngeos com prejuízo do lúmen da glote”, explica Luís Cruz.

Como os animais afetados apresentam pressão negativa excessiva e constante na via aérea superior acabam por originar “eversão dos ventrículos laríngeos. O excesso de pressão negativa estende-se a todo o esófago, o que associado a características específicas do esófago dos Buldogues e Pugs origina retenção de saliva no esófago, refluxo de conteúdo estomacal e esofagite de refluxo por incontinência do cárdia. Esta é a razão por coexistirem muitas vezes problemas respiratórios e digestivos, com presença de baba de saliva, bolsados frequentes e vómitos. Em alguns casos graves existe aspiração de saliva e alimento para a árvore traqueo-brônquica com infeção respiratória”.

Como resolver

Na opinião de Luís Cruz, o diagnóstico precoce é essencial pois “animais tratados antes dos dois anos (antes de ocorrerem lesões graves da laringe e traqueia por fadiga) apresentam melhor prognóstico. A melhor forma de diagnosticar e tratar é realizar uma endoscopia tripla com retronasofaringoscopia (para detetar hipertrofia dos cornetos nasais), endoscopia esofágica e laringoscopia. Após ventriculotomia faz-se a avaliação da dimensão das narinas e do palato mole. Caso o palato mole seja excessivamente comprido e espesso propõe-se realizar a técnica da plastia e excisão parcial do palato mole e rinoplastia de aumento das narinas”.

Hospital Veterinário de Telheiras Endoscopia alta. 2015/05/05 Eduardo Martins

Luís Cruz, diretor clínico do Hospital Veterinário das Laranjeiras

“Um cirurgião experiente pode obter resultados satisfatórios com várias técnicas descritas, desde a cirurgia convencional, laser e bipolar, mas deve ter-se em conta que o palato mole excessivamente espesso deve ser corrigido e que os cormetos nasais hipertrofiados são causadores de estenose significativa das narinas, que deve ser corrigida. Em caso de macroglossia extrema, a cirurgia é especialmente exigente”.

Sinais de alarme 

Um dos sinais característicos destas raças é o ruído provocado pela respiração. “De início, o ruído respiratório pode ser considerado normal, já que o dono do animal acompanhou o seu crescimento e habituou-se ao mesmo. Como sinais de alarme temos a existência de estertor (ronco) respiratório intenso e arfar constante. O animal pode  apresentar cansaço excessivo frequente e dificuldades em suportar exercício físico ou calor ambiental”, refere Luís Cruz.

Esta dificuldade respiratória facilita os golpes de calor e o animal por ainda apresentar “regurgitação e vómito frequentes. Alguns destes animais dormitam frequentemente durante o dia pois à noite, durante o sono, apresentam episódios de apneia que impedem o sono profundo REM”.

Possíveis compilações

As complicações principais são a dificuldade extrema em respirar, desmaios, intolerância ao exercício, obesidade, infeções respiratórias por inalação de saliva e alimentos e regurgitações e vómitos frequentes. Os golpes de calor são também mais frequentes nestes animais.

“Os roncos altos, dispneia inspiratória, desmaios e sinais gastrointestinais fazem parte de uma síndrome que pode ser mortal ou, no mínimo, prejudicar seriamente a qualidade de vida dos animais”. Assim torna-se essencial “tratar cedo o problema. O despiste precoce das situações mais graves é importante, pois se tratadas antes dos dois anos de idade possuem melhor prognóstico e garantem uma melhor qualidade de vida futura”.

Também é importante uma “manutenção adequada da higiene da via respiratória com nebulizações e “coupage”, o tratamento da infeções respiratórias, exercício físico regular e dieta adequada para manter o peso certo. Os bolsados e vómitos não são normais e fazem parte do mesmo problema causado pela pressão negativa excessiva na porção mais alta da via respiratória”.

Donos atentos

São vários os sinais de alarme que os donos devem ter em atenção, nomeadamente “roncos muito audíveis e ressonar constante, intolerância ao exercício, desmaio durante brincadeira ou exercício, sonolência excessiva durante o dia, bolsados e vómitos frequentes, bem como aumento do peso. Estes animais devem ser protegidos do calor pois têm alto risco de ter golpe de calor”.

Perante alguns destes sinais de alarme é aconselhada uma visita ao médico veterinário para conselhos, tirar dúvidas ou seguir uma dieta adequada. Luís Cruz deixa ainda uma chamada de atenção para criadores amadores ou profissionais: “Os pais da ninhada são animais saudáveis ou foram operados para melhorar a sua respiração? Os pais conseguem correr e brincar ou existe história de desmaios, sonolência, vómitos e bolsados? Estas anomalias, por alguns considerados “feitio” da raça, são na verdade defeitos, pois se não existe conforto e qualidade de vida, e se o animal é um candidato a cirurgia dos ditos “feitios”, então devem ser considerados defeitos. Animais com características deste tipo não podem ser premiados em concursos de raça, pois são selecionados e perpetuam o problema nas próximas gerações”.

 

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