Se para alguns pode parecer estranho ter uma cobra, uma iguana, uma ratazana ou um dragão barbudo como animais de estimação, para outros é absolutamente natural. A VETERINÁRIA ATUAL foi à procura de donos de animais exóticos para perceber se existem diferenças em relação aos mais convencionais. E para os médicos veterinários, que desafios colocam estes novos animais de estimação? O que mudou ao longo dos anos e o que desejam os profissionais para o futuro?
Não há limites à imaginação e em qualquer idade pode haver interesse em adquirir um animal exótico. Miriam de Melo tem 19 anos e a família há muito que se habituou aos seus gostos. Tem cinco animais considerados exóticos: a tartaruga Dypsi; a cobra Axl; Tazu e Osvaldo, dois furões, e o Kuzco, um camaleão. Em casa há ainda “a pitbull Dara e o Zezé, de raça indefinida”. Apesar de a família ter tido sempre cães e gatos, entre outros animais “de ambiente mais caseiro”, Miriam começou a interessar-se por répteis por volta dos 13/14 anos. “Comecei a achar que seria interessante ter uma cobra em casa. A curiosidade acerca de todos os tipos de animais e a forma como agiam fez-me querer estudar Biologia”.
Hoje, com 19, tem a certeza que gostaria de ser bióloga. Relativamente aos cuidados a ter, Miriam considera que “é mais fácil relativamente aos répteis, que não necessitam de tanta atenção, do que em relação aos furões, cuja exigência é mais idêntica à de um cão ou de um gato”. No que respeita às visitas em casa, sente que existe muita curiosidade. “O que chama mais a atenção é o Axl. Apesar do receio, acabam sempre por querer tocar e ver como é a pele dele. Não temos assim nenhum cuidado especial pois os répteis estão todos no meu quarto e as visitas só interagem com eles por opção. Por norma, mesmo que a pessoa sinta bastante medo do Alx, ao verem como rasteja em mim e é sossegado acabam por perceber que não há muito a temer e até acabam por tocar-lhe”, conta Miriam.
Também Nuno Cantarinho é um apaixonado por répteis, tanto que adotou o apelido de Iguana e é assim que os seus amigos o conhecem. Começou a adquiri-los aos 12 anos, numa altura “em que mal se ouvia falar de animais exóticos e ainda não era moda”. Atualmente tem “um dragão barbudo chamado Stinky e uma cobra do milho albina, a Pinky”. Quis ter uma nova experiência quando as adquiriu, há quatro anos. “Só tinha tido iguanas e um camaleão e gostava de expandir os meus horizontes com mais animais exóticos”. Também teve tartarugas terrestres, cágados, uma rã e um escorpião. “Desde muito pequeno que me senti atraído por répteis, mas a minha mãe não me deixava ter porque tinha medo. Só depois de verificar a minha interação com uma iguana é que me deixou ter a primeira iguana. Os répteis são diferentes, incompreendidos e muito inteligentes”, conta.
Os cuidados diários que estes animais exigem são, no caso do Stinky, “ao nível da comida (frutas e insetos, sempre frescos), água fresca e o facto de gostar de ser salpicado duas vezes por dia. Também gosta quando o mergulho na banheira”. A Pinky “come uma vez por semana e há que mudar a água diariamente e salpicá-la duas a três vezes por dia”. As pessoas que frequentam a casa de Nuno já sabem que são estes os seus animais de estimação. “Estão fechados nos terrários, por isso quem não gosta não chega perto. A Pinky de vez em quando foge e pode estar um dia ou um mês escondida. Tem 1,14 metros, consegue esgueirar-se e esconder-se facilmente”. Nuno sai à rua com a cobra e o dragão, tal como sempre fez com todos os seus animais. “As reações são as mesmas desde sempre: ou têm curiosidade em tocar, ou fogem e gritam”. Quando necessita de alguma ajuda aconselha-se com pessoas que têm lojas de animais, “que são conhecedores e criadores de várias espécies”, ajudando-o sempre que precisa.
Conhecer antes de adquirir
Em casa de Mafalda Velho moram dois coelhos, um papagaio e uma chinchila. “Tenho paixão por exóticos desde há 15 anos, com particular incidência em coelhos”, refere. Desde então já teve nove. Tem ainda três gatos e já teve um cão. “Os meus coelhos chamam-se Mickey e Jonas, o papagaio é o Nokas e a chinchila, Bill, todos machos”, conta. “Sempre fui adepta de espécies diferentes, apesar de ter tido e ter cão e gatos, porque gosto dos rituais de lhes proporcionar ambientes próximos dos naturais, de ter rotinas complexas em termos de tratamento e manutenção. Acima de tudo adoro animais exóticos porque sinto o apelo de conjugar o seu instinto mais ‘selvagem’ com a parte de domesticação, sem nunca anular a sua própria identidade”.
Relativamente aos cuidados a ter salienta a questão da temperatura e da alimentação. “O coelho, como costuma andar à solta no quintal, tenho de estar atenta às temperaturas muito elevadas para evitar golpes de calor, à limpeza e temperatura da água, visto terem tendência a entorná-la, e alguns a usá-la como banheira. Há que ter ainda em consideração a higiene das gaiolas, pois é o local onde passam grande parte do tempo, apesar de serem soltos quando estou em casa, e à variedade da alimentação, para não correrem o risco de ter falta de nutrientes, presentes na natureza”.
Quando recebe visitas em casa, alerta-as para algumas regras. “Peço-lhes para terem cuidado quando se movem (neste caso, os pés), para não os assustarem com movimentos e barulhos bruscos e tentativas de manipulação, mas até agora tem corrido tudo bem e as pessoas até acham piada”. As idas ao veterinário acontecem por altura das vacinas ou se detetarem algum problema de saúde ou comportamento fora do normal. “São animais muito frágeis em termos de saúde e, por isso, muito reativos a mudanças repentinas nos seus hábitos”. Neste momento, Mafalda está a terminar o curso de Técnicas de Reabilitação Animal, após ter tirado o curso de Auxiliar de Veterinária. “ A minha paixão por animais tem vindo a crescer de dia para dia e preocupa-me que ainda existam pessoas que escolham ter um animal pelo status que isso lhe possa proporcionar ou mesmo por considerarem que os animais são brinquedos e que não analisem, numa primeira fase, todas despesas e preocupações que daí possam advir”, defende.
Parque Jurássico
Esta é uma das preocupações de Maria João Costa, diretora clínica da Clínica Veterinária de Telheiras (CVT). Foi por altura do filme “Parque Jurássico”, de Steven Spielberg, que começou a aperceber-se que os clientes achavam graça terem iguanas por serem parecidas “com dinossauros pequenos”. Foi a partir daqui que começou a mudar o paradigma em relação aos exóticos. “As pessoas começaram a comprar répteis porque achavam engraçado, mas não havia grande informação. As lojas também não tinham grande conhecimento, e por sua vez informavam mal as pessoas. Especialmente no caso dos répteis, que começaram a aparecer muito doentes nas consultas”. O desconhecimento era sobretudo ao nível dos cuidados. “Não sabiam que os répteis tinham de viver a uma temperatura elevada, com uma humidade adaptada a cada uma das espécies, alimentavam répteis herbívoros com carne e muitos deles morreram, não os conseguimos salvar ou ficaram com cicatrizes para o resto da vida”.
Felizmente o panorama está a mudar. “Hoje em dia as pessoas já têm mais informação, embora ainda há quem compre animais sem saber das necessidades que têm. No entanto já vai sendo mais frequente receber a visita de pessoas que se aconselham connosco antes de comprar um animal. Por vezes, os donos procuram informações em fóruns de discussão ou na Internet. O que aconselho aos meus clientes é que procurem artigos científicos ou a aconselharem-se com médicos veterinários. A Internet tem muita informação válida, há que saber validá-la e procurar em fontes fidedignas”.
O desconhecimento pode ter consequências graves. “Se vamos ter um réptil (iguanas, dragões barbudos, tartarugas) há que ter condições especiais. Na minha opinião, o investimento inicial para ter um animal destes tem de ser maior porque precisamos, para o caso das iguanas e dos dragões barbudos, de ter um terrário, uma fonte de calor (tapetes, infravermelhos) e uma fonte de ultravioletas. Há que colocar troncos dentro do terrário e decorá-lo. Há que saber também alimentar estes animais convenientemente”. A médica veterinária sublinha o facto de as patologias dos animais exóticos estarem relacionadas, a maior parte das vezes, “com o seu mau maneio”.
Sensibilização dos proprietários
João Piçarra, médico veterinário na clínica Cão de Loiça, gostaria de assistir ao futuro da Medicina Veterinária de Exóticos com a sensibilização dos proprietários “para as necessidades, estatuto legal e de conservação da espécie animal que possuem ou que pensam vir a ter e pela especialização dos médicos veterinários, das instituições e dos equipamentos para poder oferecer o melhor serviço clínico. Já agora, acrescento a investigação científica que forneça sempre novos e melhores conhecimentos”.
Rui Patrício, médico veterinário na HouseVet, considera que a tendência atual é a da procura cada vez mais evidente de “um aconselhamento específico e adequado. Neste momento tudo é procurado pelos donos, desde o aconselhamento básico de manutenção e alimentação de um animal exótico, com todos os alimentos específicos que existem, até aos meios mais avançados para conseguir identificar e tratar os problemas que estes animais apresentam. Na nossa clínica tentamos dar resposta a todas as questões colocadas, e com a colaboração de colegas de várias áreas distintas, fazer com que as limitações na área dos exóticos sejam cada vez menores e o nosso trabalho caminhe para a excelência”.
Existirão donos típicos de exóticos com características que os distinguem dos proprietários de animais mais convencionais? Joel Ferraz, médico veterinário do Centro Veterinário de Exóticos do Porto (CVEP), considera que não. “Existem muitos tipos de clientes numa clínica de exóticos, ainda mais diversificados do que numa clínica de cão e gato. Recebemos desde o viciado em coleções de répteis, apaixonado pela natureza de cada espécie, ao tutor de um coelho que tem no seu animal um filho. Mas também o cliente que não tem nenhuma empatia pelo hamster, mas a sua filha chora muito se ele não ficar bom depressa, à senhora que encontrou um pombo na rua e não quer deixá-lo a morrer. São muitos mundos diferentes e muitas preocupações distintas ao nível da saúde”.
Evolução ao longo dos anos
São 29 as tartarugas de Rui Pessoa, umas há mais tempo que outras. A mais velha está consigo há 18 anos e há quase 20 que mantém esta paixão. “Sempre gostei de animais, desde muito novo. Acho que tem a ver com a circunstância de muitos deles se deslocarem tanto em terra, como em água, algo que sempre me fascinou”. Já são tantas as tartarugas que deixaram de ter nome específico. “Conheço cada uma delas pelos nomes científicos e distingo-as com facilidade”, afirma. É realmente uma paixão de longa data. “Em miúdo também tive duas das chamadas ‘tartarugas de orelhas vermelhas’ (neste momento proibidas) que morreram, mas nunca desisti pois fascinam-me imenso pela sua lentidão e, como já referi, por conseguirem estar, em muitos casos, tanto em água, como em terra”.
“As tartarugas exigem imensos cuidados, dependendo em primeiro lugar de serem exclusivamente terrestres ou aquáticas, mas sobretudo dependendo da espécie em concreto. Todas devem ter uma lâmpada especial com radiação UVB, no caso de estarem em interiores, alimentação específica o mais próximo possível da que encontrariam no seu habitat de origem, filtragem da água, entre outros aspetos”. Pelo conhecimento que adquiriu ao longo de quase duas décadas e o grau de exigência necessário para as espécies de tartarugas que mantém em cativeiro parece-lhe “mais exigente e também um bocadinho mais dispendioso cuidar de tartarugas, do que de um cão ou um gato”.
No que respeita às visitas em casa, não há qualquer problema porque as tartarugas estão confinadas “aos seus terrários e aquaterrários, com as dimensões desejadas, tendo em conta cada espécie”. Uma vez por ano vai ao veterinário para revisão geral. “São efetivamente animais que requerem cuidados específicos e algo suscetíveis a doenças, pelo que qualquer alteração à sua rotina diária, designadamente deixar de comer, requer uma visita de imediato a um veterinário especializado em répteis”.
Afinal, quais são as maiores preocupações dos donos de animais exóticos? “Há os donos que, quando detetam problemas, se preocupam enquanto outros estão sensibilizados para a prevenção e para a necessidade de check-up regular. Há ainda aqueles que só se preocupam tarde demais… Diria que o tipo de preocupações, por norma, está mais relacionado com o grau de sensibilidade e de responsabilidade do dono do que com a espécie animal propriamente dita. Na generalidade, os donos têm a noção de que o seu animal é mais frágil do que um cão grande e rústico. Logo, quando são cuidadosos, são mesmo cuidadosos. Ainda há aqueles que, ao longo do tempo, e à medida que as coisas vão correndo bem, e que o animal até já ultrapassou uma ou outra situação de doença, passam a ser mais descuidados”, foca João Piçarra. São ainda donos preocupados com a possibilidade “zoonótica das doenças, tal como nos cães e gatos”, sublinha.
A preocupação varia de pessoa para pessoa, e não tanto relativamente ao animal. “Dependem da espécie animal, da idade e das doenças existentes. Claro que relativamente aos check-ups anuais, quando os animais estão saudáveis ainda tendem a falhar com alguma frequência, embora já existam alguns donos que trazem os animais para ver se está tudo bem e não só quando estão doentes”, explica Rui Patrício.
No CVEP, os animais que mais chegam à consulta são “as ratazanas e os porcos-miniatura (mini-pigs). Curiosamente ambas as espécies são muito afetuosas. As ratazanas são muito fáceis de manter, os porcos não. São dos animais, simultaneamente, mais brutos e mimados que conheço. São intratáveis, por vezes, sobretudo na clínica, para qualquer procedimento básico, mas para os donos são sempre uns amores. Muitos deles dormem na cama com eles. Na clínica vamos tendo cada vez mais consultas de rotina com estas espécies. Mas os coelhos e os porquinhos-da-índia continuam a ser os vencedores em popularidade”, refere Joel Ferraz.
Quando começou, há 15 anos, era tudo muito diferente. Os donos hoje exigem mais dos médicos veterinários o que, na sua opinião, “é ótimo”. A nível de orçamento disponível, Joel Ferraz sente que “já não desistem tantas vezes por causa do orçamento ou por falta de ligação ao animal”.
A CVT abriu em 1995. Dois anos depois, Maria João Costa começava a trabalhar com exóticos. Apesar de nunca ter sentido grande apetência pela área, nem de se sentir sensibilizada para os animais exóticos, confessa que começou a sentir necessidade de saber mais quando as pessoas ligavam a saber se a Clínica recebia determinado animal e a resposta era negativa. “Comecei a pensar que era veterinária e nem sabia muito bem o que aconselhar ou a quem referenciar. Percebi que deveria tentar saber mais”. Passados 30 anos confessa que não está arrependida. “Os animais exóticos reagem e comportam-se de forma diferente todos os dias e é uma aventura constante. Os problemas de saúde são específicos das espécies. Cada uma tem as suas particularidades e não podemos mesmo parar. Certo dia, a minha filha disse-me que gostava de ter um trabalho que fosse diferente todos os dias, em que trabalhasse num ambiente alegre e que pudesse também exercer a sua função ao ar livre. Eu disse-lhe que podia ser veterinária. Não há monotonia possível. É acima de tudo um desafio”.
A médica veterinária sente que a especialidade tem evoluído e que se notam diferenças ao longo dos anos, desde logo a começar pela formação. “Segundo sei, o currículo universitário já engloba uma cadeira relacionada com animais exóticos, mas na altura em que me formei isso não acontecia. Saíamos da faculdade a saber tratar de animais de companhia e de animais de reprodução”, explica, adiantando que foi estudar para Espanha para se dedicar a esta área. “Hoje em dia já existem clínicas veterinárias a trabalhar apenas com animais exóticos. Inicialmente começámos com animais de companhia, mas atualmente 80% dos animais que tratamos na clínica são exóticos. As espécies que recebemos mais são aves, pertencentes a espécies completamente diferentes, e os pequenos mamíferos: chinchilas, hamsters, coelhos e porquinhos-da-Índia”, foca Maria João Costa.
Para o diretor clínico da Cão de Loiça, a Medicina Veterinária de Exóticos está “abaixo do que seria ideal”. O médico veterinário é mais crítico do que a colega, sobretudo no que respeita ao nível académico, ainda que denote uma evolução nos últimos anos. “Nenhuma instituição portuguesa tem conseguido produzir trabalho científico do nível das principais organizações europeias. Por outro lado já temos algumas clínicas privadas dedicadas apenas a animais exóticos e há bastantes colegas com interesse e formação em clínica e medicina de animais exóticos. Assim, se compararmos a qualidade dos cuidados prestados hoje e há 10 anos, a evolução é evidente, mas Portugal não é uma referência europeia. Talvez nos falte a presença de colegas diplomados em instituições de ensino que sirvam de dinamizadores para o resto”.
Já Rui Patrício é da opinião que a Medicina Veterinária de Exóticos “está a progredir” da mesma forma que as outras especialidades. “Em termos técnicos, os meios de diagnóstico e tratamentos oferecidos são cada vez melhores e mais diversificados, e em termos de procura por parte dos donos, estes já sabem que, se quiserem, os animais podem ter acesso aos mesmos meios de diagnóstico e de tratamento do que um cão ou gato”.
O que procuram os donos?
São alguns os desafios que se colocam aos donos de animais exóticos. “Ao nível de gastos, o desafio é o mesmo, ou seja, o nível de cuidados (diagnóstico e tratamento) é proporcional ao que se pretende/pode gastar e não ao que se gastou com a aquisição do animal. Esquecendo a limitação que, por vezes, animais muito pequenos nos trazem, conseguimos fazer praticamente tudo a um animal exótico que se faz a um cão ou gato. E não é por ser um animal mais pequeno ou mais ‘barato’ que os custos do trabalho e do material veterinário serão mais baixos. A periodicidade dos cuidados é que varia com a espécie, idade e estado de saúde do mesmo”, defende Rui Patrício.
Algumas espécies requerem uma adaptação ao meio ambiente dos donos, e aí pode haver diferenças em relação aos felinos e aos canídeos. “Há que construir um novo habitat dentro do seu ambiente, muito menos simples que uma casota, ou uma caixa de areia”, explica Joel Ferraz.
É neste aspeto que Maria João Costa tem maiores dificuldades: no que os clientes estão dispostos a pagar pelo melhor método de diagnóstico ou pelo tratamento mais adequado. “Hoje em dia, os donos de cães e de gatos investem nos animais e esforçam-se para pagar alguns métodos mais adequados de diagnóstico. No caso dos exóticos alguns estão dispostos a pagar, mas outros não. Cada vez mais é importante sensibilizar os donos dos animais exóticos que a componente de pesquisa e de tentativa de estabelecer um diagnóstico mais adequado é importante, e isso implica alguns gastos. Hoje em dia já temos uma componente sólida de análises à nossa disposição para fazer as coisas da melhor forma mas, por vezes, os donos não têm capacidade financeira para acompanhar”.
O facto de alguns destes animais representarem um investimento inicial pequeno pode fazer a diferença na decisão de melhor tratar. “Um pássaro pequeno custa 20 euros numa loja de animais e pode ter que gastar cem euros em análises. Um cão pode custar mil euros, e há donos que investem mais na parte de diagnóstico e tratamento. No caso de alguns exóticos não consideram que faça sentido. Muitos clientes afirmam que, com o mesmo dinheiro, compravam vários pássaros mas não é disso que se trata. Estamos a tratar aquele, que faz parte do envolvimento emocional e da família do cliente. Isso é que é importante. Trabalhar com animais exóticos, especialmente pequenos, tem este desafio. Quando se trata de um papagaio é mais fácil sensibilizar os donos porque também houve um investimento com a aquisição do animal e as pessoas acham que faz mais sentido investir também nesta componente”, sublinha.
No que diz respeito à profilaxia, a medicina preventiva é fundamental. “A medicina de rotina é bem mais reduzida nos animais exóticos, e na maioria das vezes procuram-nos quando eles já estão doentes. Temos também quem nos procure de imediato após a aquisição destes animais até para saberem o que devem fazer, em termos de alimentação, de habitat e de cuidados necessários”, explica a médica veterinária.
No caso da Cão de Loiça, “os donos procuram principalmente resolver problemas de saúde que detetaram, efetuar rotinas de prevenção (vacinação e desparasitação), cortar ou limar unhas, realizar tosquias e adquirir alimentação ou outros produtos. Infelizmente procuram-nos menos do que o desejável para receber aconselhamento na aquisição de um animal exótico. Neste ponto somos frequentemente trocados pela loja de animais ou Internet, onde nem sempre recebem os melhores conselhos, como bem sabemos”, refere João Piçarra. A política da clínica passa por formar os donos, ensinando-os a prevenir os problemas e a dar a melhor qualidade de vida possível aos animais. “Claro que adoramos intervir e tratar os animais, mas tudo o que se puder evitar é ainda melhor”, sublinha.
Existe também uma articulação com os colegas de clínicas de cães e gatos. “A tendência, com a especialização, deverá passar pela referenciação e nos exóticos essa referenciação é ainda mais importante. O que é básico para um coelho, para uma tartaruga ou para um petauro do açúcar é muito distinto do que é básico para um cão ou gato. Pode ser difícil para um clínico generalista saber quando está na esfera de um problema de simples resolução, ou de outro, que deverá ser reencaminhado com celeridade, mas essa articulação está muitíssimo melhor, quando comparamos com o passado. O próprio cliente assim o vai exigindo mais”, salienta Joel Ferraz. Daqui a dez anos, o médico veterinário gostaria de ver “clínicas só de répteis, de coelhos, de aves, e por aí adiante”. Já Rui Patrício gostaria que a Medicina Veterinária de Exóticos caminhasse “no sentido do reconhecimento, quer pelos colegas, quer pelos donos de animais, bem como da excelência de procedimentos diagnósticos e de tratamento”.
Médicos generalistas e referenciação
“No geral, penso que o médico veterinário ‘generalista’ cada vez mais tem conhecimento das necessidades e doenças dos animais exóticos, ao mesmo tempo que faz mais uso da referência para um colega com mais habilitação nesta área específica, o que é bom. Naturalmente, quem não investe a sua formação avançada numa determinada área tem que admitir a sua falta de conhecimento. Todos os dias acontece o mesmo com os cães e gatos em qualquer ‘clínica de bairro’. Se acharmos que temos competência, experiência e equipamento para aceitar e tratar um determinado caso podemos fazê-lo. Se não estamos seguros devemos referenciar, especialmente se estiver em jogo o sofrimento ou a própria sobrevivência do animal, o que é frequente na medicina de animais exóticos”, explica João Piçarra.
Relativamente aos colegas generalistas, o médico veterinário tem vindo a sentir que optam por referenciar por se sentirem inseguros em tratar de uma espécie que não conhecem bem e por terem noção que não irão prestar os melhores cuidados. “A exigência dos donos é cada vez mais elevada na região onde exerço, o que considero positivo para a profissão. No entanto nem sempre sabem onde procurar ajuda e frequentemente seguem conselhos errados fora dos CAMV. Essa é uma luta dificílima de vencer”, acrescenta.
Rui Patrício considera que os médicos generalistas têm um papel fundamental no aconselhamento dos donos destes animais. “A informação mais importante é que os animais exóticos não são cães ou gatos pequenos ou que não merecem o mesmo nível de cuidados de saúde de todos os outros animais. São animais diferentes com fisiologia, comportamento, maneio e nutrição distintos, pelo que necessitam de cuidados diferenciados, e têm todo o direito de os ter, tal como qualquer outro animal. Os donos já sabem onde procurar ajuda especializada, mas a melhor referência que podem ter será a que é dada por outros veterinários, uma vez que mesmo não sendo da área de animais exóticos, conseguirão referenciar para os colegas que consideram mais competentes, pois a avaliação técnico-científica que fazem será mais adequada do que a das pessoas em geral”.
Ler o artigo na íntegra na edição de julho/agosto de 2017 da revista VETERINÁRIA ATUAL