Todos, sem exceção, estamos a sofrer com esta horrível pandemia que já ceifou mais de 60 mil vidas em todo o mundo — e talvez até algumas tenham fugido a esta contabilidade —, o que é realmente dramático. Nunca perspetivámos que no ano de 2020 pudéssemos passar por uma situação tão devastadora. É dramático, assustador pensar nos números que nos são apresentados. Uma vida é uma vida, única e insubstituível. Por isso, quando nos apresentam estatísticas, gráficos e quadros com os valores que crescem a cada dia, sentimos horror e impotência. Passámos por alguns avisos, sustos anteriores, recorde-se recentemente a gripe aviária, o H1N1, e atrevo-me a afirmar que pensei que fosse algo semelhante. Provavelmente muitos outros também o acharam, mas o SARS-CoV-2 (Covid-19) é diferente: veio em força e muito apoiado. É assustador.
Acresce que os números apresentados pela China, Itália, Espanha e Alemanha, por exemplo, terão todos os mesmos critérios? Será que a Alemanha tem um sistema de saúde tão diferente do italiano? Será que os médicos e enfermeiros da Alemanha são deuses? Não tenho uma resposta fundamentada, mas sei que há muita manipulação, uns escondem, outros parecem que procuram números tipo “caça às bruxas”. Discute-se muito se se está a contar todos os que faleceram “com” e “por” coronavírus e esquecemos os mortos “colaterais”, aqueles que morrem por falta de assistência e/ou meios, porque os sistemas de saúde estão focados num “mal maior”. Que se saiba, ninguém está a fazer a estatística colateral de quantos morrem colateralmente a esta pandemia.
Outro aspeto colateral é claramente político e tem que ver com o futuro da UE. Se numa situação destas em que valores como a saúde pública, a importância da vida humana e a solidariedade não conseguirem unir os países-membros, há que temer realmente pelo seu futuro como instituição supranacional. É outra grande incógnita, numa época já de si com poucas certezas. Por exemplo, podemos refletir se nós, portugueses, estamos a fazer tudo que é possível para apoiar os nossos vizinhos espanhóis, que às vezes chamamos irmãos.
Apoio e fico orgulhoso com a atitude das nossas autoridades, que, de forma unânime, entraram em acordo e tomaram decisões em tempo certo, como por exemplo, fechar os aeroportos, a fronteira terrestre com Espanha. Ficaram a destoar os arrufos entre Rui Moreira e Graça Freitas, mas nem tudo pode ser perfeito e talvez ambos também estivessem fatigados com toda esta crise, que os deixará com os nervos à flor da pele.
Continuamos bem-encaminhados e também bem-comportados, razão pela qual a decisão de não sairmos do nosso concelho de residência na época pascal é inteligente, não fosse agora o senhor da cidade levar ao meio rural o “corona” que tanto mal poderia fazer a nossa população envelhecida do interior. Porém, devemos começar a pensar com tempo o período que vem a seguir, o depois de 13 de abril, o depois da Páscoa.
A nossa curva, em termos de evolução, mostra claramente que estamos a evoluir em forma de planalto, em vez de pico. Era o objetivo das nossas autoridades de saúde pública.
Não nos podemos esquecer que até surgir uma vacina e fármacos adequados, a proteção para uma segunda vaga só pode ser conseguida pela imunidade natural, que obriga a qua a maioria da população tenha contacto com o coronavírus. Assim, defendo que devemos pensar em segmentar a nossa sociedade, e manter mais resguardados ou mesmo em isolamento o grupo dos mais vulneráveis, a saber, os maiores de 60 anos, doentes crónicos e imunodeprimidos. Em contrapartida, dever-se-á começar, progressivamente, a pôr os grupos de menor risco nas atividades normais, embora com os cuidados que todos fomos aprendendo, como a lavagem frequente das mãos, o uso de máscaras, o respeito dentro do possível dos dois metros de distância entre congéneres…
Neste sentido, as Universidades devem programar a sua abertura. Precisamos dos jovens a batalhar para nos ajudarem a arranjar solução para o dia seguinte, eles vão ser a chave do problema que vai surgir e que não vai ser pequeno; e, progressivamente, tudo ir voltando ao normal, abrir o secundário, depois o terceiro ciclo e assim sucessivamente, uma semana de cada vez. Tal ajudará a vida a voltar ao normal, sem descurar o apoio aos mais vulneráveis, que até se poderá proporcionar, levando bens e serviços ao domicílio.
Neste formato, vamos conseguir não desgraçar o futuro próximo do País, em termos económicos e, mais do que tudo, também imunizar naturalmente, e de forma cruzada, a sociedade, pois vacina segura e efetiva não será para o próximo outono. É claro que as opções de tratamento melhoram dia a dia, mas tempo é necessário.
Todos juntos, venceremos.
*Luís Montenegro é médico veterinário e diretor clínico do Hospital de Referência Veterinária Montenegro.