A história da Clínica Veterinária da Covilhã (CVC) começou a ser escrita a 24 de junho de 2002 e tem o seu diretor clínico – Hugo Brancal – como um dos protagonistas principais. A paixão por animais começou em pequeno e o facto de ter crescido num ambiente de campo levou a que crescesse em si o desejo de ser médico veterinário.
Depois de ter entrado no curso de Medicina Veterinária na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) em 1994, e ter estagiado no Hospital Veterinário da Universidade Complutense, em Madrid, entre 1999 e 2000, regressou à sua cidade, Covilhã, onde obteve a carteira profissional. Passou pela Direção Regional de Agricultura da Beira Interior (DRABI) num projeto que se iniciava na altura – o Sistema Nacional de Identificação e Registo de Bovinos – do qual foi responsável. “Fazia saneamento e tinha um consultório onde me dedicava, ao final do dia, ao que mais gostava, que eram os animais de companhia. Quase de imediato decidi passar de consultório a Clínica, achando que o ideal seria construir um edifício de raiz para esse fim”, conta à VETERINÁRIA ATUAL.
Decidiu construir uma clínica de 250 m2 numa propriedade agrícola nos arredores da cidade, inaugurando-a há 16 anos, inicialmente com um horário de serviço reduzido, pois ainda trabalhou na DRABI durante algum tempo. “Com o crescimento deste projeto e a saturação de ser funcionário público, dediquei-me à clínica de animais de companhia quase por inteiro, alargando o horário e o número de colaboradores da equipa”, sublinha. Atualmente estão 14 pessoas no quadro, número dividido por três rececionistas, quatro enfermeiros veterinários, quatro médicos veterinários, uma pessoa dedicada à área de relações públicas e comunicação e um diretor de operações. Existem ainda alguns colegas externos, que dão apoio periódico às áreas de Medicina interna, Cirurgia e Oftalmologia.
Localização privilegiada
Hugo Brancal considera que a localização da clínica, fora da cidade, num espaço verde e o facto de ser uma estrutura construída de raiz, com parque de estacionamento privativo, diferenciam-na. Mas também ao nível dos serviços, a aposta tem sido ganhadora. “Refiro-me à ecografia e à ecocardiografia, ao serviço de endoscopia e à colonoscopia, mas também a um serviço cirúrgico bastante completo, desde tecidos moles a ortopedia.”
O edifício também cresceu, teve duas ampliações e conta hoje com 800 m2, uma escola de treino e um hotel felino e canino, totalmente inseridos num espaço com uma paisagem típica do interior do país. “Conseguimos assim responder às mais variadas solicitações dos tutores dos animais, podendo ultrapassar as dificuldades que muitas vezes se colocavam, tais como: o que fazer ao meu animal quando vou de férias? Como lidar com um problema de comportamento? Como ultrapassar a minha falta de tempo para ensinar as coisas básicas ao meu companheiro de quatro patas? Disponibilizando todos estes serviços e num espaço apropriado e agradável pretendemos colmatar as dificuldades que possam surgir aos tutores”, explica Hugo Brancal.
A sala de espera e os consultórios diferenciados por espécie felina e canina também marcam uma distinção que o médico veterinário considera essencial sobretudo no que concerne ao bem-estar dos gatos, à maior qualidade de serviços e ao êxito dos tratamentos. “É essencial que os gatos se encontrem sem fontes de stress e a permanência destes num espaço com cães, como se imagina, não pode ser agradável, nem na sala de espera, e muito menos em internamentos, recobro e outros locais. O facto de termos um consultório exclusivo para gatos, desenhado a pensar neles, desde a decoração aos elementos que dele fazem parte [mesa de observação, balança, etc.] faz com que os animais e os seus tutores se sintam muito mais confortáveis.” E isso reflete-se na prática clínica.
Exigências específicas do interior
É fácil ter esta profissão numa cidade como a Covilhã? Hugo Brancal responde prontamente: “não é fácil ser veterinário em lado nenhum!” E justifica a rapidez na afirmação: “É uma profissão muito desgastante, quer pelos horários e constante disponibilidade, como pela exigência de resolução de situações constantes que ocorrem no dia-a-dia. O facto de lidarmos com afetos e sentimentos causa tensões emocionais que desgastam os profissionais.”
“É uma profissão muito desgastante, quer pelos horários e constante disponibilidade, como pela exigência de resolução de situações constantes que ocorrem no dia a dia”, salienta Hugo Brancal
O facto de a CVC estar localizada no interior do país e de, por esse motivo, estar longe de meios complementares de diagnóstico, como a Ressonância Magnética ou a TAC, tornam os desafios da prática clínica mais exigentes. “Por outro lado não temos fácil acesso a colegas de áreas mais específicas, como a ecografia, a consulta de exóticos, por exemplo, o que nos obriga a investir em equipamentos e em formação dos clínicos num maior número de áreas pois não podemos estar dependentes de serviços externos, como muitas clínicas que se encontram nos grandes centros. A somar a isto, se hoje em dia é difícil encontrar veterinários para trabalhar em todo o país, no interior ainda é mais dramática esta escassez”.
A maior luta passa por encontrar o equilíbrio entre os grandes investimentos que se fazem versus o retorno por preços bastante baixos que se praticam no interior. “Na generalidade, as pessoas têm menos poder de compra. Um ecógrafo custa o mesmo para uma clínica no interior do país e para estruturas localizadas em Lisboa ou no Porto. No entanto, o preço da realização de uma ecografia no interior é um terço menor do que nos grandes centros. Por isso é um grande desafio prestar serviços de qualidade e a preços, muitas vezes, extremamente injustos e insuficientes”, partilha.
As situações clínicas que mais surgem na CVC são diversas, desde logo a simples profilaxia, até a urgências cirúrgicas como as torções gástricas. “Recebemos bastantes casos de ortopedia e vários ligados ao foro reprodutivo pois damos apoio a muitos criadores.”
Evolução da Medicina Veterinária
É com agrado Hugo Brancal tem assistido “à evolução espantosa” da Medicina Veterinária com uma necessidade de adaptação e de resposta a solicitações cada vez mais exigentes por parte dos tutores. “Não me recordo, no ano 2000, de existir alguma estrutura veterinária no distrito de Castelo Branco que não abrisse apenas ao final da tarde. Hoje temos várias opções durante todo o dia. Antigamente, a maioria dos médicos veterinários do interior faziam, em simultâneo, sanidade, clínica de espécies pecuárias e clínica de animais de companhia. Hoje, a maioria só de dedica a uma destas áreas e além disso já há inúmeros colegas a terem interesse por especialidades clínicas concretas”, explica. A qualidade evoluiu, não só pela disponibilidade de serviços, mas também no que toca à preparação científica de quem os presta.
Ao fazer um balanço do ano de 2018, o diretor clínico assume que o crescimento continua a ser uma constante, mas também uma maior aposta formativa e ao nível da melhoria de serviços das estruturas já existentes. “Notou-se uma maior valorização da profissão junto da sociedade em geral, passando de ataques constantes a um período de reconhecimento. Muita desta valorização deve-se ao trabalho dos colegas da direção da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV)”, sublinha. “Destaco um acontecimento que reflete essa valorização e que foi a distinção dada à OMV aquando dos 100 anos do Ministério da Agricultura”, acrescenta.
Por outro lado, e como nota negativa, critica o Conselho Profissional e Deontológico da OMV. “Passados três anos de mandato ainda não conseguiu fazer uma atualização do nosso código profissional e deontológico, nem sequer fazer as adaptações necessárias e elementares para o adaptar à lei quadro, tal como outras ordens profissionais fizeram, como a Ordem dos Médicos, que alterou o seu código em 2016.” Ao estar desatualizado, esse código encontra-se desajustado daquilo que é a atividade veterinária do país, defende Hugo Brancal, o que prejudica “as empresas que se encontram com limitações desadequadas. Assim, ao não se respeitarem as disposições da lei quadro que regulamentam a atividade das Ordens profissionais, a OMV fica numa posição que não é digna para a classe veterinária, perante as outras ordens”.
Serviços de excelência têm de se refletir no preço
Hugo Brancal e o colega Miguel Matos, diretor clínico Grupo do Animar decidiram unir esforços para passar informação fidedigna aos tutores, por um lado, e dar a conhecer o trabalho que é feito. A criação do canal de Youtube “Animal Talks”, em 2017, e de um blog com o mesmo nome, em 2018, tem permitido “mostrar os bastidores das clínicas e hospitais e dar a conhecer o dia-a-dia da profissão. “Tentamos mostrar aos tutores o que são boas práticas clínicas. Ao mostrarmos como fazemos uma OVH ou uma destartarização, por exemplo, estamos a valorizar o nosso trabalho e o dos colegas que, tal como nós, realizam estes procedimentos médicos de uma forma responsável e correta, com sala de cirurgia adequada, com exames prévios à anestesia, anestesia volátil, monitorização contínua, áreas de recobro, etc.”
O canal está ao serviço da classe e das várias estruturas de referência espalhadas pelo país. É uma forma de os tutores ficarem dotados de mais e melhor informação, de conhecerem os procedimentos a que os seus animais são sujeitos tendo a possibilidade de comparar serviços e perceber o motivo que pode levar a uma “disparidade de preços entre dois serviços que parecem semelhantes”. No que respeita à questão particular do preço, Hugo Brancal é crítico. “Um serviço de excelência tem que se refletir no preço, não há milagres. Não se pode querer segurança numa cirurgia, bom controlo de dor, bom recobro e adequada recuperação e não fazer exames prévios, não usar material adequado, não monitorizar um animal, não usar fármacos de primeira linha, entre outros aspetos”, defende. No entanto, tem consciência que apesar do crescimento do interesse e da responsabilidade por parte dos tutores, os ordenados em Portugal não evoluem em igual proporção das exigências e vontades. “Temos que prestar um serviço premium, mas com um preço desadequado. Não me parece que os seguros existentes configurem uma solução para este problema. Presumo que será uma questão que, nos próximos anos, irá por à prova a criatividade na nossa classe”, defende.
Relativamente à referenciação, ao contrário do que é referido por médicos veterinários dos grandes centros urbanos, é algo que pauta a atividade da clínica. “Recebemos muitas referências de estruturas clínicas de cidades vizinhas, o que muito nos orgulha. E tentamos estabelecer parcerias com as mesmas que tragam benefícios às duas partes para que possamos, em conjunto, prestar um melhor serviço aos nossos animais e aos seus tutores.”
Blog disponibiliza informação credível a tutores
O lançamento do blog “Animal Talks”, em 2018 [www.animaltalks.pt], veio colmatar uma dificuldade sentida diariamente na prática clínica: a tendência que alguns tutores têm de consultar o “Dr. Google”. Não são raras as vezes em que surgem tutores que procuram informação sobre um diagnóstico mal saem do consultório. Como forma de fazer frente a pesquisas em sites ou blogs escritos por “curiosos, criadores ou pessoas sem formação, e muitas vezes, com conteúdos muito duvidosos”, Hugo Brancal e Miguel Matos optaram por criar um espaço com apoio de outros colegas de profissão. A informação é mais credível e facultada por veterinários a tutores que se interessem por conteúdos mais fidedignos. “Lançámos o desafio a vários colegas que consideramos verdadeiros experts em várias áreas e neste momento, temos a colaboração de 15 veterinários e de 11 estruturas clínicas que escrevem mensalmente para o blog”.