Hoje senti-me impelida a começar com uma pergunta. Pergunta aparentemente basilar, mas cuja resposta pode levantar controvérsia. Convido-os a refletir na seguinte questão: na vossa opinião, qual é o papel do médico veterinário de pequenos animais na sociedade? Antes de prosseguir conceda-se um minuto e responda honestamente.
Concordamos que “curar” e tratar de animais doentes ou acidentados faz parte do nosso papel, mas quero acreditar que a medicina veterinária moderna pode e tem a capacidade de oferecer muito mais aos donos de animais de estimação: somos profissionais cuja dedicação e devoção, know-how e tecnologia permitem que estes animais cumpram o seu papel social dentro das famílias, pois aumentamos a sua esperança média de vida e qualidade de vida. E mais do que isso necessitamos assegurar que há um “fit” certo entre estes animais e as suas famílias, que aparentem uma boa imagem e que acima de tudo preencham as expectativas e gerem satisfação aos seus tutores.
Seguindo esta linha de pensamento, a medicina veterinária do seculo XXI é maioritariamente uma medicina preventiva, proactiva. Temos que ver mais além da ponta do iceberg (doença, reatividade), ver abaixo da superfície todo o potencial pouco explorado que reside na prevenção e acompanhar as tendências destes tutores, também eles focadíssimos em tudo o que são estratégias e produtos que lhes possibilite a sensação de mais saúde e bem-estar.
“Millennial…They prioritize the health, well-being, and happiness of their pets and their purchases reflect the value that Millennials place on these significant relationships.” Gallup
“More people share their love with pets and care about their health, well-being and quality of life more than ever, if a record $60.28 billion in overall pet industry spending is a measure of love.” Ellyce Rothrock, editor-in-chief of Pet Product News International.
Quando pensamos em negócio e estratégias de diferenciação, o desenvolvimento de serviços de saúde e bem-estar para animais que não estão doentes contribui bastante para aumentar a satisfação e lealdade dos tutores e consequentemente melhora a nossa performance económica. É senso comum que a confiança e transparência necessárias para bem desempenhar o nosso trabalho não se constroem em visitas de urgência quando as emoções estão ao rubro. Temos que nos dar a conhecer, ao nosso trabalho, equipa e serviços, rotina após rotina.
Vamos ver alguns números: um animal vive em média 12 anos com o seu tutor. Durante esse período visita o veterinário 10 a 15 vezes para serviços de saúde e bem-estar, com uma frequência maior no primeiro ano de vida e 7 a 20 vezes para serviços relacionados com trauma ou doença, varia de acordo com o acaso e o grau de cuidados do seu tutor. Ou seja, podemos dizer que em uma clínica generalista, as visitas de saúde representam 40-50% do negócio com uma margem bruta 25-40%.
Muito temos vindo a evoluir disponibilizando cada vez mais serviços de medicina preventiva, mas o paradoxo reside no facto de nós veterinários, muitas e demasiadas vezes, não identificamos o potencial destas visitas, desvalorizamos o seu impacto no negócio e até as banalizamos depreciando o valor percebido pelo cliente.
Voltemos ao cálculo. O resultado do nosso negócio não é mais do que o produto do número de clientes ativos que temos, pela frequência de visita e pela transação média realizada. Não há nada que enganar.
INCOME= #CLIENTES ACTIVOS x FREQUÊNCIA VISITAS X TRANSAÇÃO MÉDIA
Quando avaliamos o mercado ibérico é verdade que os negócios vão crescendo acima dos 5,5%, maioritariamente pela venda de serviços, o número de clientes ativos também cresce, mas a frequência de visitas cai. Atrevo-me a opinar que não estamos a investir na sensibilização para a saúde e bem-estar, ou a perdê-la para outros players que reconhecem o potencial destas visitas.
Sabemos que este ajuste de mindset das nossas equipas totalmente alinhadas no “salvar a qualquer custo todas as vidas, quanto mais near death, melhor” para um mindset de saúde, bem-estar, qualidade de vida e tutores bem informados parece à partida pouco desafiante e economicamente desinteressante. E se falarmos nas exigências destes novos tutores na qualidade do serviço e praticabilidade da informação que pretendem, a toda a hora e momento, parece ainda mais surrealista.
Ser reativo não é a solução. Temos que sair da casca e trilhar caminhos.
- Planos de saúde, sim ou não?
Verdade seja dita, os planos de saúde não são panaceia para qualquer modelo de negócio e por isso, sim para uns e não para outros. Aqueles com uma grande fatia de negócio resultante de referenciação, ou que tem um a transação média e frequência de visita altas não são candidatos. Já uma clínica com uma frequência de visitas baixa, equipa com tempos mortos não alocados e necessidade de melhorar resultados, encontra neste serviço o aumento do número de visitas e oportunidade de crosselling. Não me inibo de dizer que a principal barreira à implementação e sucesso seremos nós e o nosso mindset “anti-vendas”. Os clientes não irão entrar porta a dentro e pedir um plano de saúde como que pede um bica…É necessário crer para vender.
- Criar sinergias, verdade ou mito?
Um dia alguém me disse, a propósito de sociedades: “meias só para os pés”. Desde essa altura muito aprendi e sei agora que sozinho, todos os caminhos parecem mais duros e os sonhos são mais difíceis de se concretizarem. Atualmente é possível criar parcerias, sinergias, sociedades, etc., de tal forma claras e transparentes com pactos legais que beneficiamos da capacidade de criar para o mercado propostas de valor mais competitivas. São vários os exemplos de colegas que, percebendo as suas limitações individuais para se manterem competitivos neste mercado, procuraram outros para trabalhar de forma organizada, compartindo estruturas de custos e responsabilidades. Liste as tendências e necessidades deste mercado que se ajustam a curto/médio prazo ao seu negócio e procure parceiros que robusteçam a sua oferta.
Desde a saúde e bem-estar, a estética e beleza, treino e comportamento, nutrição, wellbeing e lifestyle, pet teck e outros que tais, pensar animal primeiro sempre me ajuda a orientar caminho no que respeita a este nosso negócio: “O que estou ou vou fazer beneficia ou pelo contrário não prioriza o animal?”.
Quando em vez de animal primeiro vivemos o nosso ego primeiro – “eu não estudei tanto para vender”, “bom bom, era o cão vir à clinica sozinho com o cartão de crédito na boca”, “eu é que sei o que é melhor para ele” – chocamos com o “não” dos tutores, a sua falta de compliance, a sua falta de lealdade e tantos outros sintomas que desmotivam equipas e destroem negócios.