Investigadores internacionais estão a explorar a possibilidade de cães, gatos e outras espécies manifestarem formas de neurodivergência semelhantes às identificadas em humanos, como impulsividade extrema, dificuldades de socialização ou padrões de atenção atípicos.
A discussão tem ganho destaque à medida que tutores vão relatando comportamentos que classificam como perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), sobretudo em raças energéticas como os Cocker Spaniel. Estes cães, conhecidos pela inteligência e afeto, podem também mostrar impulsividade ou sensibilidade acentuada, características que, segundo a ciência, podem ter raízes biológicas mais complexas do que se pensava.
Genética e química cerebral levantam novas pistas
Estudos recentes identificaram diferenças genéticas e comportamentais em várias espécies, incluindo cães, ratos e primatas, que sugerem paralelos com condições humanas. Em particular, alterações em genes associados a comportamento hipersocial foram observadas em cães, e níveis reduzidos de serotonina e dopamina têm sido ligados a impulsividade canina. Estes neurotransmissores estão igualmente envolvidos na regulação emocional e da atenção em humanos.
Os investigadores levantam mesmo a hipótese de que a domesticação possa ter selecionado traços comportamentais que hoje reconhecemos como comparáveis aos presentes em pessoas neurodivergentes.
Beagles ajudam a compreender o autismo
Um dos avanços mais marcantes vem do estudo sobre Beagles com mutações no gene Shank3, associado ao autismo em humanos. Nestes cães, surgem dificuldades na interação social e sinais de comunicação cerebral reduzida em áreas ligadas à atenção. Estudos recentes revelaram também menor acoplamento neural com pessoas, um fenómeno em que a atividade cerebral de dois indivíduos sincroniza durante a comunicação ou contacto visual.
Curiosamente, a administração controlada de uma única dose de LSD em cães com a mutação mostrou aumentar a atenção e melhorar o acoplamento neural durante cinco dias. Apesar das fortes restrições éticas e legais no uso de psicadélicos, estes resultados abrem portas para futuras investigações sobre mecanismos cerebrais da neurodiversidade.
Avaliação comportamental mais rigorosa
Tal como acontece com diagnósticos humanos, identificar a neurodivergência em animais é complexo. Os animais não podem expressar a sua experiência interna, e muitos comportamentos considerados “problemáticos” podem ser normais para certas raças.
Ainda assim, ferramentas objetivas começam a surgir: sistemas de análise por vídeo e aprendizagem automática já conseguem identificar comportamentos semelhantes aos de PHDA em cães, com acordos de 81% face a diagnósticos tradicionais.
Este tipo de metodologia poderá inspirar processos mais objetivos no diagnóstico humano, como os testes que analisam movimentos oculares em pessoas com suspeita de perturbação de hiperatividade e défice de atenção.
Um desafio crescente para tutores
Dados recolhidos em 2024, nos Estados Unidos da América (EUA), envolvendo mais de 43 mil cães, mostraram que mais de 99% apresentavam pelo menos um problema comportamental.
Muitos destes, desde ansiedade de separação, comportamentos obsessivos e medos intensos, aproximam-se de desafios vividos por pessoas neurodivergentes. Quando não compreendidos, podem resultar em sofrimento para o animal e levar ao abandono.
Um futuro com maior compreensão
A evidência acumulada sugere que os animais, tal como os humanos, experimentam o mundo de formas diversas. Parte dessas diferenças reflete personalidade; outra parte pode ser explicada por variações estruturais e químicas no cérebro.
Esta linha de investigação pode permitir desenvolver métodos de treino e gestão mais sensíveis às necessidades individuais dos nossos companheiros e, assim, reforçar os laços que unem os humanos aos animais.

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