Ao longo desta semana temos vindo a falar dos benefícios da alimentação natural, elaborada com produtos frescos e poucos ou nenhuns alimentos processados e aditivos. Chegamos hoje à BARF (Biologically Appropriate Raw Food) que tem sido um tema polémico entre a comunidade veterinária e académica. Muitos advogam que é a mais adequada para o animal, pois é isso que ele sempre comeu na natureza, mas há recomendações de associações veterinárias que a desaconselham devido aos riscos de desenvolver agentes infeciosos.
Catarina Luz, médica veterinária, fundou a Dogs’ Wish há seis anos, depois de ler muito. “Tudo começou quando trabalhava em clínica e recebia muitos casos de dermatologia que beneficiavam de uma dieta hipoalergénica. Cheguei à conclusão que uma dieta caseira cada melhores resultados que as dietas comerciais”. Explicava aos clientes as receitas, mas como as pessoas tinham receio de falhar “achei que poderia fazer esta alimentação crua só com ingredientes frescos num espaço próprio tipo Take-Away”, explica a médica veterinária.
Mas é o facto de serem ingredientes crus, nomeadamente carnes, que são misturados e depois dados aos animais sempre em cru, que é o centro da polémica pelos riscos que pode acarretar.
O professor de Nutrição da Faculdade de Medicina Veterinária (FMV), Luís Manuel Ferreira, é muito claro ao afirmar que “esta alimentação tem riscos para os animais, os donos e a saúde pública”. Uma posição que alinha, por exemplo, com a recomendação, emitida em 2012, pela American Veterinary Medical Association (bem como com outras recomendações e estudos), que desaconselha a BARF, devido aos riscos pela presença de agentes infeciosos, nomeadamente Escherichia coli e Salmonella enteria, entre outros.
Uma cozinha ‘de restaurante’ para animais
Catarina Luz conhece esses estudos e recomendações, mas considera que “destinam-se essencialmente a avisar os donos – e há cada vez mais em todo o mundo a perceber que esta é a alimentação mais adequada e saudável para cães e gatos – que, ao optarem por esta alimentação, têm de saber a carne que compram e terem todos os cuidados com a sua manipulação e conservação. Como fazemos para a nossa própria alimentação, para reduzir ao máximo os riscos de desenvolver agentes infeciosos”.
Exatamente como Luís Ferreira Rodrigues, da New Global, já tinha salientado ontem ao falar da Natures Menu, que também oferece dietas RMBD (Raw Meat-Base Diets).
Para facilitar a vida dos donos existem já em todo o mundo, com destaque para Austrália, Estados Unidos e norte da Europa, muitas empresas que garantem esta qualidade e sanidade dos produtos, fornecendo BARF em embalagens, normalmente ultracongeladas de diversos tamanhos. Como a Dogs’ Wish, em Telheiras, Lisboa, que em três lojas contíguas, mas separadas, oferece serviços e produtos tais como consultório veterinário, banhos e tosquias, e ainda Pet Shop com a alimentação BARF, ração natural e acessórios para animais. Uma destas lojas tem uma cozinha industrial, pequena, mas em tudo igual à de qualquer restaurante.
Nesta cozinha, com HACCP (inspecionado periodicamente por uma empresa externa), ao lado da mãe, Catarina Luz mostra-nos todo o processo, que acompanhamos do ‘lado de cá’, através das janelas e de uma das portas envidraçadas. Estão rodeadas de ingredientes em tudo iguais aos que usamos em casa para preparar uma refeição para nós.
Estamos num ambiente bem refrigerado, numa cozinha industrial, de inox, com tigelas também de inox, com a carne de peru e frango numa zona própria junto ao lava-louça, e ao lado a zona dos legumes e frutas: abóbora, cenoura, nabo, salsa, peras e maçãs. As facas são também próprias para cada categoria (carne ou legumes/frutas) e tudo é desinfetado com produtos específicos, respeitando o HACCP. A mãe de Catarina retira já da panela cutter uma pasta de todos estes ingredientes, que inclui também osso triturado (normalmente pescoços de frango) para ter mais cálcio.
A pasta (mais ou menos triturada de acordo com o pedido do cliente) é imediatamente embalada em tigelas próprias para take away, de diversos tamanhos (250gr – o que equivale normalmente a 2 refeições, 500gr e 1 kg), rotuladas e colocadas na máquina de congelação rápida para depois poderem ser passadas para as arcas (a -30°) que estão na loja ao lado, onde os clientes as vêm buscar.
Catarina Luz adianta: “a carne que compramos à Aviludo é a mesma que eles vendem para os supermercados e restaurantes, vindo identificada com rótulo onde estão todas as informações que permitem a total rastreabilidade do produto”. Devido a todos estes cuidados, a médica veterinária não tem qualquer dúvida em garantir que “ingredientes frescos de qualidade são sempre superiores a uma alimentação processada, sujeita a temperaturas elevadas, que alteram a biodisponibilidade dos nutrientes”.
Riscos para saúde pública?
Voltando aos potenciais riscos de administrar aos animais uma alimentação crua, nomeadamente para a saúde pública, o professor Luís Manuel Ferreira salienta que “há estudos que encontraram salmonela no estômago dos cães, mas também nas fezes, o que é um risco potencial para os donos e a saúde pública”. Mas Catarina Luz lembra que “há provas que a salmonela também está presente em cães alimentados com ração, isso não é novidade”.
Sobre a questão de preferir uma alimentação crua e não à base de ingredientes frescos na mesma, mas cozida, uma opção sugerida pelo professor de Nutrição da FMV, Catarina Luz justifica com o facto de ser a alimentação mais adequada à fisiologia do cão e do gato: “em todo o mundo há fóruns de médicos e donos que atestam a melhoria da saúde dos seus animais com esta alimentação e atenção que trabalhamos muito com animais mais sensíveis, com alergias, principalmente dermatológicas e perturbações gastrointestinais que, em geral, melhoram quase imediatamente”.
E, mais uma vez, se se garantir a origem da carne e a sua manipulação for criteriosa, os riscos serão minimizados. “Em seis anos nunca tivemos qualquer problema”, lembra a médica veterinária, frisando que “fazemos cerca de 100kg de comida fresca por semana”.