Há inúmeras patologias de origem genética que afectam animais de diversas raças em todo o mundo. Algumas são específicas de determinadas espécies ou até de raças, mas outras podem afectar animais de várias espécies.
Descobrir os genes responsáveis por estas patologias – os genes “maus” – é trabalho, por vezes, de uma vida de vários investigadores em todo o mundo. Em Portugal também há quem se dedique a esta área de investigação, principalmente em espécies pecuárias, tais como cavalos ou touros bravos, mas igualmente em animais de companhia como os cães.
É o caso de Mário Ginja, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que há mais de dez anos se tem dedicado à investigação da displasia da anca no cão Serra da Estrela.
Todavia, nos últimos anos, a investigação genética tem sido usada também para ajudar os produtores / criadores a identificarem os melhores reprodutores na sua busca pelo animal “perfeito”. Neste caso, procuram-se «marcadores genéticos» – genes “bons” – responsáveis por características específicas como a qualidade ou quantidade de carne ou de leite, eficiência produtiva, morfologia, etc., mas também com a resistência a patologias.
«Já estão identificados alguns marcadores genéticos para características produtivas de interesse, como por exemplo, a tenrura ou suculência da carne ou quantidade da mesma», explica Nuno Carolino, da Unidade de Recursos Genéticos, Reprodução e Melhoramento Animal – INRB, I.P.
Na base de dados Online Mendelian Inheritance in Animals (http://omia.angis.org.au/), pode aceder-se a uma enorme quantidade de genes já identificados, alguns associados a patologias, outros a características produtivas de interesse para os criadores, com a particularidade de se poder aceder aos estudos e papers relacionados.
Mesmo assim, muito há ainda para descobrir na área da genética animal, se bem que há indicações de que algumas patologias poderão ser potenciadas por práticas sucessivas de acasalamentos de animais aparentados (endogamia, de que resulta a consanguinidade), com o intuito de fixar algumas características de determinada raça ou família – como a velocidade de corrida (cavalos, por exemplo) ou formato da cabeça ou das orelhas (cães, por exemplo). No entanto, é inequívoco que estas práticas levam a uma redução da variabilidade genética e potenciam o aumento da frequência de indivíduos homozigóticos recessivos (a frequência de homozigóticos recessivos deletérios pode aumentar significativamente quando a consanguinidade é elevada).
Como alerta da bióloga Carla Cruz, «até há casos em que a tentativa de reduzir a incidência de determinada doença numa raça levou ao aparecimento de outros problemas, potencialmente mais graves. Como, por exemplo, no cão Basenji, quando a tentativa de diminuir os casos de anemia hemolítica originou um grande aumento da síndrome de Fanconi». Mas há igualmente exemplos positivos, como o que levou ao regime de controlo de reprodutores para a deficiência leucocitária adquirida canina acordado para os Setter Irlandeses, lembra.
Também na área da produção, o inbreeding (consanguinidade) apresenta como grande desvantagem a depressão consanguínea – diminuição dos desempenhos produtivos, do vigor, da capacidade de reprodução e de adaptação dos animais.
Assim, os investigadores alertam que os resultados de todos os estudos, sobre os genes “bons” ou “maus”, têm sempre de ser analisados com muito bom senso e levando em conta também factores ambientais.
Displasia da anca no cão Serra da Estrela
Mário Ginja começou por investigar a displasia da anca no Serra da Estrela para a sua tese de Doutoramento, levando a cabo um levantamento no terreno, em contacto directo com os criadores e depois em conjunto com outros investigadores da UTAD.
Muitos dos criadores diziam que a incidência desta patologia hereditária, que afecta várias raças de cães de grande porte, era reduzida mas «os estudos feitos em cerca de 350 animais adultos mostraram que a incidência é de 66%, com apenas 34% dos animais a revelarem-se completamente livres da doença», afirma Mário Ginja. Mas há animais que vivem a vida toda com este problema e que até têm pouca manifestação de sintomas…
O primeiro passo foi então incitar os criadores a fazerem o diagnóstico dos seus animais, principalmente dos reprodutores, para tentar reduzir a incidência da doença, «através de acasalamentos programados». O diagnóstico é possível através de uma “simples” radiografia que poderá ser enviada para leitura ao abrigo do Programa de Controle da Displasia da Anca do Clube Português de Canicultura, através de protocolo com a Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia.
No entanto, Mário Ginja alerta que «o controlo da população como se está a fazer não é o ideal, apesar de se recomendar o acasalamento de animais livres ou com patologia ligeira, o que permite utilizar na reprodução cerca de 60% da população, reduzindo a chamada pressão de selecção, para reduzir o risco de perda de características genéticas da população (variabilidade genética)». Pois, esta doença é de origem poligénica e a sua expressão é influenciada também por factores ambientais. Pelo que «o recurso ao BLUP – Modelo Animal, incluindo a informação familiar (irmãos, pais, etc.), para chegar ao melhor acasalamento seria o método mais fiável», alerta o investigador.
Por agora, sabe-se que a hereditariedade (transmissibilidade) da displasia da anca no Serra da Estrela é moderada, cerca de 40%, e que os factores ambientais, como a alimentação, actividade física exacerbam ou mitigam a possibilidade de transmissão e aparecimento da patologia.
O investigador salienta todavia que a sua investigação, nomeadamente a forma de despiste da patologia, pode ser utilizada para outras raças de grande e médio porte onde a displasia da anca também tenha incidência.
Melhorar a produção animal
O equilíbrio entre a consanguinidade gerada e o aproveitamento das características desejáveis que o criador / produtor pretende fixar é a “solução milagrosa” que se procura e, para isso, quanto mais se souber de cada espécie e raça ao nível genético, melhor, salienta Nuno Carolino, da Unidade de Recursos Genéticos, Reprodução e Melhoramento Animal – INRB, I.P. (ex-EZN), e professor de medicina veterinária na Escola Universitária Vasco da Gama. «Nos equinos, por exemplo, a consanguinidade é elevada – cerca de 10% a 11% – no cavalo Puro-Sangue Lusitano, mas tem-se mantido mais ou menos constante. Os criadores arriscam um pouco, mas têm conseguido controlar o nível de consanguinidade», afirma o investigador.
E nos equinos, devido ao elevado valor que um animal pode atingir, o controlo das paternidades está até muito avançada. Em Portugal o destaque vai para o Laboratório de Genética Molecular da Fundação Alter Real, que possui cerca de 45 mil amostras de ADN de cavalos lusitanos, provenientes de todos os países onde é criado.
O Laboratório de Genética Aplicada do Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências de Lisboa, coordenado por Maria do Mar Oom, também faz identificação individual e testes de paternidade em caninos e equinos, sendo uma referência no cavalo Sorraia.
Nas espécies de pecuária, como bovinos, suínos, ovinos e caprinos, a investigação genética está a ajudar fortemente a selecção de futuros reprodutores. Por exemplo, nos bovinos de carne ou de leite, se faz já a avaliação genética dos animais, com recurso ao BLUP – Modelo Animal, metodologia baseada em toda a informação familiar, permitindo assim obter o valor genético de qualquer indivíduo a partir dos registos produtivos da sua família. Actualmente, já se podem seleccionar touros de diversas raças autóctones de carne (Mertolenga, Alentejana, Barrosã, etc.) para a capacidade maternal ou touros de leite para a capacidade leiteira, com base no mérito genético, obtido a partir dos registos produtivos das suas filhas.
Há, todavia, que ter sempre em conta a depressão consanguínea que o investigador analisou em conjunto com Luís Telo da Gama, também da ex-EZN, num estudo em Bovinos de Raça Alentejana onde se «estimou a depressão consanguínea para diversos caracteres produtivos, reprodutivos e da carcaça em bovinos Alentejanos, através do BLUP – Modelo Animal.
Nas conclusões deste estudo pode então verificar-se que devido ao aumento da consanguinidade individual se registou, por exemplo, um aumento no intervalo entre partos e diminuição na longevidade, nos partos durante toda a vida, no peso ao desmame e noutras idades, no ganho médio diário, na taxa de crescimento relativa, percentagem de peças nobres na carcaça e percentagem no rendimento de desmancha.
Nuno Carolino salienta que, em Portugal, «as metodologias de selecção dos animais (escolha de animais a utilizar como reprodutores) não são normalmente as mais eficientes e não se tira o máximo partido da transmissibilidade da maioria das características produtivas, nem das diferenças genéticas que há entre animais», acrescentando que «o ideal seria que todos os animais que viessem a ser utilizados como reprodutores tivessem a sua genealogia controlada».
E, neste campo, a Unidade de Recursos Genéticos, Reprodução e Melhoramento Animal – INRB, I.P., pode dar um contributo precioso já que pode fazer testes de paternidade de qualquer raça de bovinos, ovinos, caprinos ou suínos.
Há também várias «patologias ou susceptibilidade a essas patologias que já são determinadas geneticamente em Portugal, havendo seguramente, capacidade técnica e cientifica para implementar muitas outras», frisa o investigador do INRB, I.P. Exemplos disso são nos suínos o gene do halotano; nos ovinos a susceptibilidade ao scrapie; e nos bovinos de leite a deficiência leucocitária adquirida bovina e deficiência em uridina monofosfato sintetase. Mas Nuno Carolino não deixa de salientar que diversas raças autóctones das principais espécies pecuárias (bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equinos) actualmente já efectuam o controlo de filiação através de marcadores genéticos.