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CAMV

“Uma resposta de vanguarda na cardiologia veterinária em Portugal”

A especialização em medicina veterinária é um caminho sem retorno e o Centro de Cardiologia Veterinária do Atlântico prova isso mesmo. A VETERINÁRIA ATUAL apresenta a nova aposta do Anicura Hospital Veterinário do Atlântico para responder à demanda crescente de tutores e de Centros de Atendimento Médico-Veterinário (CAMV) no campo do tratamento médico e de intervenção nas cardiopatias veterinárias.

A mudança está a ser operada e não é expectável que haja retorno na cada vez maior especialização da medicina veterinária. Querendo integrar o pelotão da frente deste movimento, o Anicura Hospital Veterinário do Atlântico (AHVA), em Mafra, abriu em abril deste ano o Centro de Cardiologia Veterinária do Atlântico, que em agosto passado passou também a disponibilizar técnicas de cardiologia de intervenção.

 

A ideia inicial do projeto passava por criar “um centro de referência nacional”, conta à VETERINÁRIA ATUAL Sónia Miranda, dotando esse centro “de serviços de especialidade e com a qualidade que permitisse uma resposta clínica diferenciadora e de confiança”. E assim se começou a delinear o plano para fazer nascer este centro especializado e a diretora clínica do AHVA explicou a conjugação de fatores que sustentaram a decisão de apostar nesta especialidade e, sobretudo, na área de intervencionismo cardíaco. “Por um lado, deveu-se a uma procura cada vez maior de serviços minimamente invasivos e, por outro, ao crescimento do serviço de cardiologia, através dos colegas Rui Máximo e Manuel Monzo, que se dedicam a esta especialidade médica há muitos anos na região de Lisboa” e “a vinda para Portugal dos dois colegas portugueses diplomados pelo colégio europeu nesta especialidade, João Neves e Brigite Pedro, o que permitiu unir esforços e vontades para concretizar este projeto”.

 

Foi desta forma que o AHVA conseguiu reunir as condições necessárias “para criar este serviço tão especializado e quase inexistente na medicina veterinária em Portugal, munindo o hospital dos equipamentos, da estrutura e dos recursos humanos auxiliares necessários para a concretização deste projeto ambicioso, que permite uma resposta de vanguarda na cardiologia veterinária em Portugal”, explica a diretora clínica.

Rui Máximo, que dedica especial interesse à área da cardiologia veterinária há quase 20 anos, recorda que “não há muito tempo, não tínhamos especialistas em Portugal, só pessoas que, tal como eu e o Manuel Monzo, desenvolveram esta área de interesse e atuavam, sobretudo em matéria de diagnóstico e de tratamento sistémico”. O médico veterinário esclarece que a chegada dos dois especialistas “veio complementar o que fazíamos na área do diagnóstico e terapêutica e são uma mais-valia importante porque nos vai permitir avançar com técnicas terapêuticas às quais não tínhamos acesso” o que, acredita, “será um salto importante para nós e para a cardiologia veterinária em Portugal”.

 

” O AHVA conseguiu reunir as condições necessárias “para criar este serviço tão especializado e quase inexistente na medicina veterinária em Portugal, munindo o hospital dos equipamentos, da estrutura e dos recursos humanos auxiliares necessários para a concretização deste projeto ambicioso” – Sónia Miranda, diretora clínica AHVA

 

O especialista João Neves confessa que tanto ele, como Brigite Pedro já tinham recebido propostas para regressar a Portugal e formar uma equipa dedicada à cardiologia de intervenção, mas, assegura, “o AHVA foi o centro mais proativo a ceder o equipamento de que precisávamos e com o qual já trabalhávamos no Reino Unido”, assim como todos os consumíveis e dispositivos necessários aos procedimentos realizados na sala de intervenção.

Contudo, o caminho não foi fácil em matéria de logística. Primeiro, a pandemia de covid-19 trouxe todas as dificuldades inerentes ao transporte, às quais acresceram as dificuldades causadas pela escassez de materiais em resultado da guerra na Ucrânia. Sónia Miranda recorda que “as maiores dificuldades se prenderam com a disponibilidade de stock dos dispositivos necessários para uma gama de tamanhos de animais tão grande quanto a necessária em medicina veterinária”. Contudo, apesar da demora no olear de todas as linhas de fornecimento dos dispositivos, “neste momento, temos um stock efetivo e uma rede de possibilidades de resposta que permite uma disponibilidade do serviço quase de uma forma imediata”, assegura a diretora clínica do AHVA.

Conhecer a população alvo

Na base da crescente procura por parte de tutores e de médicos veterinários generalistas estão dois tipos de cardiopatias: as congénitas e as adquiridas.

É sobretudo no primeiro grupo que o intervencionismo cardíaco pode desempenhar um papel decisivo. As doenças congénitas são diagnosticadas logo em cachorros e as mais comuns são a estenose pulmonar e o ducto arterioso persistente que “têm hoje têm um tratamento cirúrgico minimamente invasivo e ainda bem”, refere o especialista.

Todavia, desde que chegou a Portugal que João Neves se deparou com um cenário que o deixou surpreendido: uma das raças mais registada nos últimos anos no Grupo Português de Canicultura foi o Buldogue Francês. “Definitivamente, é das raças mais comuns para a estenose pulmonar, assim como todas as braquicefálicas”, explica o especialista.

“[Tão ou mais importante que] uma boa sala, ou um bom fluoroscópio para tomar as decisões mais acertadas para os melhores outcomes do procedimento, foi a existência de uma equipa dedicada que me fez voltar” – João Neves, especialista europeu em cardiologia veterinária

Nas patologias adquiridas, associadas sobretudo ao envelhecimento do animal, a resposta tem sido em grande medida sistémica, com terapêuticas médicas a conseguirem “melhorar não só a longevidade como a qualidade de vida do animal”, explica Rui Máximo. O médico veterinário enalteceu a forma como a investigação “tem descoberto moléculas que têm conseguido demonstrar vantagens em muitas destas patologias”, que são cada vez mais frequentes devido ao crescimento da longevidade dos animais de companhia. “A doença da válvula mitral é a doença mais prevalente em cães, representa 75% dos casos de doença adquirida”, sublinha Rui Máximo, sendo que as raças mais predispostas são o Cavalier King Charles, o Dachshund ou o Chihuahua. Aliás, João Neves reconhece mesmo que “quando vemos um cão pequeno mais velhote com um sopro é quase certo que vamos encontrar esta doença”.

Depois existem as doenças que, não sendo congénitas, têm uma característica genética, como a cardiopatia dilatada em cães em raças de maior porte, como os Doberman.

Seja qual for a doença, o certo é que conhecendo a predisposição de algumas raças para patologias congénitas ou adquiridas, muitos tutores já começam a procurar ajuda especializada numa atitude proativa de prevenção. Aliás, adianta Rui Máximo, não é de excluir uma parceria futura com o Centro de Reprodução Veterinário do Atlântico, para ajudar os criadores destas raças a prevenirem as futuras complicações destas patologias.

Quando se fala em gatos, o cenário é mais complicado. A cardiomiopatia hipertrófica é a mais comum nos gatos com mais idade, sendo as doenças congénitas mais raras. Mas, como sublinha Rui Máximo, este ramo do conhecimento em gatos ainda não é muito e “ainda temos de descobrir melhor como tratar melhor as cardiopatias felinas”.

Especialização: a chave para o regresso dos médicos veterinários emigrados?

Nos últimos anos muito se tem falado da emigração dos recursos humanos na medicina veterinária que tem deixando os hospitais veterinários e os CAMV com dificuldades em preencher os quadros.

Esse foi o caminho de João Neves e Brigite Pedro, que saíram para fazer a especialização em cardiologia pelo colégio europeu e regressam agora para fazer parte deste projeto.

Mas será a especialização das unidades em Portugal a solução para fazer regressar alguns dos profissionais que estão no estrangeiro?

Para Sónia Miranda, é uma hipótese viável. “De facto, nos últimos tempos, temos verificado que alguns médicos veterinários, após terem passado alguns anos a especializarem-se no estrangeiro, começam a regressar ao nosso País e a integrar equipas de hospitais veterinários que prestam estes serviços especializados”, algo que, argumenta, “reflete que o mercado português é cada vez mais atraente e que está a par com as mais atuais técnicas em medicina veterinária”.

O médico veterinário que esteve emigrado garante que “nos próximos anos pode haver um número considerável de profissionais a querer regressar”. Isto apesar de a remuneração no Reino Unido, por exemplo, ser bastante mais aliciante devido à falta de recursos humanos registada na nação insular.

Ainda assim, acredita João Neves, “as condições em Portugal estão a melhorar” e se o profissional sentir que vem oferecer um serviço que faz falta ao mercado e que será bom para o País, pode sentir-se aliciado. Até porque “o número de especialistas em Portugal é muito reduzido e conseguimos competir com a qualidade de vida que temos cá”, remata.

Rui Máximo considera que “haverá sempre lugar para a primeira opinião e para a clínica geral, mas ter uma boa colaboração com as diferentes especialidades é indispensável para um trabalho mais eficaz”. Nesse sentido, para o médico veterinário, a especialização das unidades “é o caminho” para aproveitar “as centenas de portugueses espalhados pelo Mundo com currículos incríveis”, acrescenta.

Respostas minimamente invasivas para cardiopatias frequentes

A importância dos equipamentos utilizados na cardiologia de intervenção fica bem clara nas palavras de João Neves: “Pode afetar e muito o outcome do procedimento”.

Assim sendo, para o especialista foi fundamental que o AHVA tenha percebido a importância do investimento num fluoroscópio de gama superior, “com um frame rate – ou seja, os frames por segundo – muito rápido”. Com este equipamento é possível monitorizar o coração, que está continuamente em movimento, captando com uma imagem muito definida a estrutura do órgão e os procedimentos que o especialista vai realizando para resolver a cardiopatia em causa.

Não esquecendo a qualidade de todos os consumíveis necessários as estas intervenções minimamente invasivas – cateteres, pacemaker, cateteres balão – nos quais o hospital continua a investir.

Estes são alguns dos componentes utilizados nas intervenções que a equipa está preparada para realizar. A colocação de pacemaker para bradiarritmias é, para João Neves, “das intervenções mais gratificantes, porque os cães têm baixa qualidade de vida e sentimos mesmo [após o procedimento] que salvamos o cão”.

“Não há muito tempo, não tínhamos especialistas em Portugal, só pessoas que, tal como eu e o Manuel Monzo, desenvolveram esta área de interesse e atuavam, sobretudo em matéria de diagnóstico e de tratamento sistémico” – Rui Máximo, médico veterinário

O encerramento de ducto arterioso persistente por cateterismo, através da introdução de um cateter pela veia da perna até ao vaso, onde deixa um dispositivo que encerra do ducto, vai proporcionar ao animal “ter uma vida completamente normal e mesmo aqueles que já são diagnosticados um pouco mais tarde tem uma boa esperança de vida e com qualidade”, explica o especialista.

A valvuloplastia por balonamento e stent de estenoses pulmonares tem “resultados fantásticos” e permite ao cão viver uma existência considerada normal. Contudo, ressalvou João Neves este procedimento que resulta muito bem na generalidade das raças, “é muito mais difícil de realizar no Buldogue Francês”, o que ainda agrava mais a situação desta raça em particular.

Quando o caso é de tumores da base do coração que estão a comprimir o órgão pode ser colocado um stent transatrial e, assim, aliviar a pressão sentida no coração.

As taxas de sucesso dos procedimentos realizados são boas e os especialistas querem alargar o campo de atuação, aproveitando a larga experiência que obtiveram no estrangeiro, e “fazer coisas mais avançadas para salvar a vida dos pacientes”.

O que também surpreendeu o especialista foi a abertura dos tutores para a realização de intervenções minimamente invasivas. É certo que o valor monetário pode ser um impedimento, e os seguros nacionais não cobrem estas situações, mas a cooperação entre o centro de cardiologia e os tutores tem levado a acordos de pagamento que facilitam a tomada de decisão.

A importância de uma equipa dedicada à cardiologia

Não obstante a existência de boas condições ao nível das infraestruturas e dos equipamentos técnicos, João Neves acaba por realçar que tão ou mais importante que “uma boa sala, ou um bom fluoroscópio para tomar as decisões mais acertadas para os melhores outcomes do procedimento, foi a existência de uma equipa dedicada que me fez voltar”.

Equipa que, além dos dois médicos veterinários dedicados à cardiologia e dos dois especialistas em intervencionismo, tem também um anestesista e dois enfermeiros que asseguram a monitorização e o acompanhamento dos animais intervencionados.

Outro ponto que levou os dois especialistas a escolherem este projeto foi a aposta do centro na consulta de cardiologia, porque, argumenta João Neves, “a consulta de cardiologia é tão ou mais importante que a ecocardiografia”. A realidade que ainda domina em Portugal é a do médico veterinário de um CAMV referenciar para um centro mais especializado apenas para realizar o exame e receber, posteriormente, o relatório. Contudo, juntar uma consulta de cardiologia à realização do exame “deixa o tutor mais envolvido, dá a possibilidade de tirar todas as dúvidas, conhecer todas as opções de tratamento e aumenta os níveis de satisfação enquanto cliente”, explica o especialista.

A visão é partilhada por Rui Máximo: “Concordo plenamente com a necessidade de uma consulta de cardiologia”. Na perspetiva deste médico veterinário, a chave para uma boa cooperação entre tutor e profissional no tratamento do animal de companhia é a comunicação e, nesse sentido, ter “20 minutos a explicar ao tutor o que o animal tem pode ser decisivo para a vida do animal de companhia”. Afinal, há informação do relatório que pode gerar dúvidas quanto à terapêutica, ao acompanhamento necessário ou mesmo a esperança de vida do animal e o médico veterinário que referenciou pode não ter uma perspetiva diferenciada ou a experiência sobre a matéria para assegurar todas as respostas que o tutor necessita esclarecer.

“Neste contexto, é essencial a criação de uma rede de confiança com os CAMV que prestam serviços médico-veterinários de primeira linha – consultórios e clínicas – uma vez que são estes que identificam os casos que podem beneficiar das técnicas diferenciadas que os hospitais podem oferecer”, realça Sónia Miranda.

É percetível para Rui Máximo que ainda possa existir algum receio por parte de estruturas mais pequenas de referenciarem para estruturas maiores, mas o médico veterinário acredita que nos últimos anos tem ocorrido uma mudança, com os CAMV a referenciarem mais e os hospitais especializados a devolverem o animal referenciado ao médico generalista depois de resolvida a questão de saúde.

Cenário que até surpreendeu João Neves, que há 10 anos residia fora do País. Da experiência do Reino Unido, onde os centros especializados nem vacinas estão autorizados a ministrar, o especialista aprendeu que “envolver o veterinário que referenciou como parte da equipa” é a forma mais eficaz de fazer crescer a confiança entre profissionais.

Ainda assim, com pouco tempo de atividade, “o balanço é positivo”, assegura Rui Máximo, que relata receber cada vez mais referenciações de colegas generalistas. A procura tem sido crescente e já fez alargar o horário em que os especialistas estão na unidade. “Quando se tem pessoas desta qualidade, como eles, as coisas só podem correr bem”, remata o médico veterinário.

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