O que começou por ser um serviço médico veterinário ao domicílio cresceu tanto que precisou de um espaço físico para dar resposta às necessidades dos animais de companhia e de tutores. Assim nasceu o SuperVet no Algarve, uma região que apesar do bom tempo, da segurança e da boa comida não consegue captar recursos humanos para a medicina veterinária.
Os caminhos de Vasco Machado foram um pouco no sentido inverso ao que assumimos como mais natural ou mais comum. O médico veterinário até trabalhou algum tempo em centros de atendimento médico-veterinário (CAMV) em Lisboa, mas, ao contrário do que acontece com muitos jovens que deixam as zonas mais periféricas para se estabelecerem definitivamente nos grandes centros, em vez de ficar a trabalhar na capital, decidiu regressar ao seu Algarve de origem.
E também ao contrário do que é mais comum, Vasco Machado não foi trabalhar para nenhuma clínica, nem para nenhum hospital veterinário. O regresso a Portimão foi pensado para “colmatar alguma necessidade de serviços veterinários ao domicílio que se observava no Algarve”, conta à VETERINÁRIA ATUAL. Como desde sempre sentia que, para além da profissão de médico veterinário, tinha “uma veia empresarial” forte, juntou as características pessoais às necessidades da terra natal e fez nascer em 2015 a empresa SuperVet para operar a partir do concelho de Portimão.
“É uma autêntica desgraça a falta de recursos humanos no Algarve, mesmo pensando no argumento de que as casas são caras, a realidade é que também o são em Lisboa e no Porto.” – Vasco Machado, diretor clínico do SuperVet
 
Durante os quatro anos seguintes, o médico veterinário viu crescer a carteira de clientes que seguia nos domicílios – fazia profilaxia, medicina de prevenção, tinha um ecógrafo portátil – e subalugava horários de espaços cirúrgicos e de RX em CAMV da região, o que permitia prestar um serviço mais completo aos animais de companhia e tutores.
Aliás, para o médico veterinário não faz sentido ser de outra forma. Quem realiza serviços domiciliários de forma independente deveria estar sempre agregado ou ter parcerias com CAMV de forma a assegurar um seguimento adequado de cada quadro clínico. “Penso que deveria existir algum ordenamento [legal da atividade domiciliária independente]. Já recebemos casos em que um profissional foi a casa do cliente e este depois não teve o seguimento do caso, voltou a ligar ao profissional e este não atendeu. Quando comecei com os domicílios estive sempre anexado a clínicas o que me permitia assegurar sempre a resposta aos clientes”, conta o médico veterinário.
Com o decorrer do tempo, o jovem empreendedor começou a perceber que o acompanhamento que os clientes demandavam já não era compatível apenas com as visitas domiciliárias e os horários que alugava nos CAMV da região. Estava na hora de dar mais um passo na vida de médico veterinário empreendedor e criar um espaço físico que acolhesse todas as respostas que queria proporcionar na assistência primária à carteira de clientes. Assim foi e as portas do CAMV SuperVet abriram em 2019 em Alvor, uma pequena freguesia do município de Portimão, com três elementos profissionais: Vasco Machado, o diretor clínico, Margarida Martins, médica veterinária, e Tatiana Gil, auxiliar veterinária.
O espaço, assegura o responsável, “é pequeno, compacto, mas bastante útil e tem tudo o que precisamos”. Aliás, Vasco Machado reconhece que ficou espantado “por ter conseguido fazer tanto com tão pouco”, que é como quem diz, conseguiu ter dois gabinetes – um para cães, outro para gatos – uma sala de RX, uma sala de cirurgia e uma zona de internamento para recuperação dos procedimentos cirúrgicos.
Há médicos veterinários a mais? Onde é que eles estão?
No ano passado, Vasco Machado confrontou-se com um dos principais problemas sentidos na região do Algarve: a carência de recursos humanos. A colega Margarida Martins ficou de licença de maternidade prolongada e a equipa carecia de mais um médico veterinário para equilibrar o horário. Iniciada a procura por um novo elemento, ficou claro nos primeiros instantes que este seria um processo demorado.
“Foi muito complicado”, recorda o diretor clínico, que acabou por estar mais de cinco meses sozinho com a auxiliar veterinária a fazer o trabalho da clínica, os domicílios e ainda a ter de assegurar toda a componente de gestão de uma pequena empresa como é o SuperVet. “Encontrar médicos veterinários aqui no Algarve é muito complicado, eu demorei cerca de cinco meses, mas sei de colegas que estão à procura há um ano e não conseguem encontrar ninguém”, conta.
“Primamos muito pela saúde mental da equipa, temos de prezar o bem-estar, a família, tentando que todos possamos sair a horas do trabalho (…) É importante estar atento às necessidades dos colaboradores.” – Vasco Machado, diretor clínico do SuperVet
Como é que o Algarve, a zona do País com melhor clima, com reconhecida qualidade de vida para os residentes e considerada segura tem tanta falta de profissionais na medicina veterinária?
O responsável não consegue encontrar uma explicação. “É uma autêntica desgraça a falta de recursos humanos no Algarve, mesmo pensando no argumento de que as casas são caras, a realidade é que também o são em Lisboa e no Porto”, reconhece Vasco Machado, que está convencido que “se abrisse uma empresa de recrutamento de médicos veterinários conseguia encontrar na hora trabalho remunerado acima da média para 20 colegas”.
Aliás, o diretor clínico assegura que existem na região algarvia médicos veterinários que estão “a ganhar mais um terço do que a média de vencimentos praticados em Lisboa”, mas mesmo com melhor oferta remuneratória é difícil convencer profissionais de medicina veterinária a fixarem-se no sul do País. “Dizem que há excesso de veterinários, mas onde é que eles andam? Aqui não estão”, declara.
Depois de quase meio ano de procura, a médica veterinária Sara Mendes entrou para a equipa e o diretor clínico reconhece estar agora “muito satisfeito com a estabilidade que veio dar à clínica”. Com o novo elemento, o trabalho voltou ao equilíbrio em dezembro passado. O horário praticado é das 10h às 13h e das 14:30h às 19h e a clínica só abre de segunda a sexta-feira. Fora das horas de expediente e aos fins de semana há o número de urgência entregue rotativamente a um dos médicos veterinários.
A organização do trabalho passa por dedicar as manhãs aos procedimentos agendados – ecografias, RX, cirurgias – e a tarde é dedicada às consultas e aos domicílios. Para a casa dos tutores ficam apenas os seguimentos simples como a vacinação, a desparasitação, o que seja prevenção e profilaxia básica e “tudo o que for para além disso tem de passar para a clínica, porque tempo é dinheiro e não vale a pena ir a casa do tutor para depois ele ter mesmo de passar pela clínica”.
Esta forma de organização é, na opinião do diretor clínico, fundamental para assegurar aquele que é o melhor recurso de uma equipa: a saúde mental. “Primamos muito pela saúde mental da equipa, temos de prezar o bem-estar, a família, tentando que todos possamos sair a horas do trabalho. Bem sabemos que a saúde mental na medicina veterinária anda uma desgraça, por isso é importante estar atento às necessidades dos colaboradores”, explica o diretor clínico. Dos colaboradores e dele próprio, já que Vasco Machado admite que ser médico e gestor não é uma conjugação de tarefas fácil. “Estou dias sem dar uma consulta, apesar de estar oito horas na clínica. Quem tem uma clínica e é o gestor tem de dar atenção a vários assuntos, por isso acho que devia existir uma cadeira de gestão na faculdade para dar mais ênfase a esta parte financeira, porque depois, quando saímos para o mercado de trabalho, não sabemos nada de nada [sobre gestão]”, argumenta.
Confiar no trabalho prestado e referenciar quando preciso
Outra das medidas que ajuda a melhorar a saúde mental da equipa é apostar no trabalho colaborativo com os outros CAMV da região algarvia. Na clínica Vasco Machado dedica-se mais às áreas da Oftalmologia e da Neurologia, enquanto Sara Mendes tem particular interesse pela Medicina de Comportamento e pela Medicina Interna, mas no SuperVet não há receio de referenciar para outros colegas sempre que há necessidade de o animal de companhia ser visto por outras especialidades ou para um internamento prolongado.
“Temos de ter confiança no nosso serviço para poder referenciar sem medo de perder o cliente, e, nesse caso, referenciar não é perder a confiança do tutor, mas ganhar segurança” na qualidade do serviço prestado e na tranquilidade da equipa, refere o diretor clínico, que acrescenta: “Não há nenhum serviço que não se consiga encontrar e por isso não há necessidade de levarmos um caso até ao extremo e só depois chamar o colega. Temos de referenciar sempre que um caso o exige e aqui no Algarve noto uma melhoria muito grande na referenciação e na relação entre colegas”.
Aliás, a relação com os tutores é algo que é cultivado no SuperVet porque só desta forma cresce a confiança entre a equipa e quem procura os serviços. Detalhes como a marcação de consultas de meia em meia hora – para evitar que os animais se cruzem na sala de espera e para dar tempo aos tutores para falarem abertamente da saúde do animal de companhia e tirarem todas as dúvidas – ou a aposta no conforto e na personalização do atendimento são fomentados pela equipa para que “este triângulo que é a relação entre veterinário, animal e tutor seja ancorado na qualidade do serviço e na confiança”, frisa o médico veterinário.
Sobretudo numa altura em que os tutores estão cada vez mais exigentes (ver caixa) com os cuidados prestados aos animais de companhia, mais informados sobre os preços que se praticam e com as opções que existem no mercado, o reforço dessa relação em triângulo deve pautar-se pela qualidade e pela personalização do serviço, “por exemplo, chamar o animal pelo nome e fazer com que o tutor não sinta que a clínica é uma linha de montagem”.
O futuro passa pela sustentabilidade
A diferenciação de serviços passa também pela aposta na resolução de uma das preocupações que mais expressão tem ganho nos tutores e também na sociedade: a sustentabilidade.
O setor da medicina, nomeadamente da medicina veterinária, tem ganho consciência do impacto que tem em termos ambientais com a utilização de recursos para a produção de consumíveis e também pelo destino a dar aos resíduos produzidos pela atividade clínica.
Vasco Machado começou a olhar para esta questão com mais cuidado ao abrir a clínica. “Foi uma preocupação que apareceu do nada. Estávamos a fazer a reciclagem normal e começámos a pensar que depois não sabemos o que acontece a todo o material que enviamos para reciclar”, lembra.
Daí começou a nascer a ideia de aproveitar todo o plástico que não estivesse contaminado e transformá-lo em materiais que pudessem ser reutilizados na clínica, como por exemplo gamelas ou funis. Primeiro recorrendo a empresas que fizessem essa produção, depois pensou em criar o molde e ter uma produção própria para utilização na clínica e até para vender aos outros CAMV.
O interesse cresceu tanto que Vasco Machado decidiu mesmo fazer um mestrado em economia circular, a iniciar este ano, para ganhar conhecimento especializado que permita delinear um projeto para se candidatar a fundos comunitários. A ideia já está a ser trabalhada na cabeça do empreendedor: ter máquinas que permitam ao médico veterinário produzir ele próprio os utensílios que resultam da reciclagem do plástico da clínica. Os primeiros passos estão dados: “Estou a fazer a recolha do plástico há ano e meio e quero dar um destino final mais sustentável a esse material”.
Outro projeto para garantir uma atividade do CAMV mais sustentável é apostar numa viatura elétrica para fazer domicílios, mas esse é um objetivo que ainda terá de esperar, atendendo aos preços a que estes veículos ainda são comercializados.
A inovação, a sustentabilidade e a diferenciação dos serviços prestados são a aposta de Vasco Machado para o futuro do SuperVet. Os cuidados com a utilização da água, do ar condicionado, com o uso parcimonioso do papel estão já a funcionar em velocidade de cruzeiro na clínica que, espera o responsável, consiga crescer apostando sempre na melhoria dos serviços prestados a tutores e animais de companhia.
“Muita gente que tem uma clínica acaba por abrir outra, mas penso que, às vezes, quem tudo quer tudo perde e temo perder a mão e o controlo que temos. Sobretudo com falta de pessoas para trabalhar no Algarve é arriscado pensar noutro espaço”, admite o diretor clínico que vê “mais o futuro a potenciar ao máximo aquilo que temos, apostando na diferenciação” dos cuidados. “Vale mais ter uma coisa pequena e a trabalhar bem, a fazer muito com pouco, e pensar em melhorar a qualidade de vida dos meus funcionários para que estejamos todos confortáveis”, reforça Vasco Machado que assegura: “Estou super feliz com a minha profissão e continuo a acreditar na minha profissão e nos meus colegas”.
Clientes estrangeiros: uma inevitabilidade no Algarve
Sendo conhecida pelo bom tempo quase o ano inteiro, o Algarve sempre foi a região do País por excelência dedicada ao turismo, mas, nos últimos tempos, os estrangeiros não têm sido apenas visitantes sazonais da região.
De há uns anos a esta parte, têm-se estabelecido comunidades das mais variadas origens – Reino Unido, França, Países Baixos, Alemanha – o que se tem refletido também na atividade clínica dos médicos veterinários da região. Os que chegaram primeiro, conta Vasco Machado, “foram as pessoas que decidiram mudar-se para o Algarve depois de se aposentarem” para viveram os anos da reforma num País com um clima mais ameno do que o de origem. Contudo, frisa o diretor clínico, “sobretudo nos últimos dois anos temos notado um aumento da comunidade estrangeira mais ligada aos digital workers e posso dizer que já existe uma comunidade gigante de nómadas digitais nesta zona”.
Tanto nas pessoas aposentadas, como nas que ainda estão no mercado de trabalho, há duas características que parecem ser comuns: boa capacidade financeira e exigência nos cuidados prestados.
“São, de facto, clientes muito exigentes, são pessoas muito informadas e querem que lhes expliquemos tudo. Não querem mesmo consultas a despachar”, explica Vasco Machado, o que, considera o médico, vem dar força à necessidade de apostar na qualidade do serviço prestado.
“Para fazer a diferença temos mesmo de apostar na qualidade do serviço, na necessidade de fomentar o triângulo da relação entre médico, tutor e animal de companhia”, remata.
*Artigo publicado na edição 172 da VETERINÁRIA ATUAL, de junho de 2023.