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Animais de Companhia

Provedoria dos Animais de Lisboa sensibiliza crianças para o respeito pelos animais

Através da criação de um programa para sensibilizar as crianças para o respeito pelos animais com o intuito de proporcionar uma maior consciencialização para os seus direitos e a qualidade de vida que merecem ter. Foram concretizadas muitas iniciativas, mas outras ficaram pelo caminho pois o mandato da provedora municipal dos Animais de Lisboa Marisa Quaresma dos Reis terminou em agosto último. É então o momento certo para fazer um balanço do que foi possível implementar.

O Programa de Sensibilização na Infância para o Respeito pelos Animais (PSIRA) foi criado em 2017 pela Provedoria dos Animais de Lisboa no sentido de educar as gerações mais jovens para a necessidade de respeitar os animais para a construção de um futuro mais sensível e consciente. “Se apostarmos na formação e na sensibilização das camadas mais novas, estamos a ajudar os mais velhos – que são muito sensíveis às necessidades das crianças – a desmontar algumas das suas ideias pré-concebidas que provavelmente já estão enraizadas desde o tempo dos seus avós”, explica Marisa Quaresma dos Reis que, à data desta entrevista, se preparava para terminar o mandato de provedora dos Animais de Lisboa, no final do mês de agosto. Existe hoje cada vez mais a noção de que os animais “têm uma capacidade muito próxima dos seres humanos e isso coloca-nos questões éticas que temos de repensar e nos faz questionar até um novo modelo social”.

 

O PSIRA realizou a sua primeira atividade a 1 de junho de 2018 e que consistiu na oferta de uma sessão de cinema do filme Ferdinando − retrata a história de um touro que não gostava de touradas − na Cinemateca, em Lisboa. “Participaram cerca de 600 crianças, enchemos a sala e foi um momento extraordinário porque convidámo-las a escreverem composições e a fazerem desenhos sobre o filme. Recebemos muitos trabalhos e foi um momento muito bonito”, revela a ex-provedora. Uma outra iniciativa intitulada “Ser Provedor dos Animais por um dia” consistiu no envio de recomendações e sugestões para a Câmara Municipal de Lisboa acerca da melhoria da qualidade de vida dos animais da capital. “Já tivemos duas sessões com o Dr. Fernando Medina, em que as crianças de Lisboa, ou a frequentar escolas em Lisboa, apresentaram as suas recomendações e muitas delas foram acolhidas automaticamente.” A ex-provedora dos animais considera que “as crianças são até melhores provedores do que a provedora porque têm uma taxa de sucesso muito superior. Têm claramente uma capacidade de sensibilizar que eu já não tenho. Há um imenso potencial destes jovens que são capazes de amolecer os corações de pessoas que já não estão tão sensíveis a questões como estas”, destaca.

Foi ainda dada a possibilidade aos alunos de algumas escolas de irem visitar o Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Lisboa, em Monsanto, para observarem a libertação de animais selvagens que foram ali recuperados. Durante o mandato de Marisa Quaresma dos Reis, foram ainda realizadas ações de sensibilização sobre bem-estar animal e direitos dos animais em creches e em escolas.

 

Muitos outros projetos estavam idealizados, mas a pandemia não permitiu a sua concretização. No entanto, durante os períodos de confinamento, a Provedoria dos Animais de Lisboa realizou a leitura online de histórias, como por exemplo, a do Cão Brave, um cão que foi resgatado pela Sociedade Protetora dos Animais e cuja venda reverte inteiramente para a proteção dos animais que ficam a cargo da mesma. Foi ainda lida a história do Pimpão, um livro também solidário da Animais de Rua. “Conseguimos encontrar voluntárias que lessem estas histórias na página de Facebook da Provedoria, no Dia Mundial da Criança do ano passado. À noite, o nosso embaixador, o pediatra Mário Cordeiro, também leu uma história e aproveitou para responder a algumas dúvidas dos pais.” A Provedoria quis aproveitar todas estas iniciativas para chegar às famílias. “Estamos a querer formar melhores cidadãos e ter estes embaixadores jovens para mudar mentalidades junto das famílias no que respeita a estas temáticas”, esclarece a ex-provedora.

Mário Cordeiro foi o embaixador do PSIRA desde o seu arranque, o que permite “dar esta chancela de qualidade aos programas escolhidos para estas faixas etárias”, na opinião da ex-provedora, além de atestar os benefícios da interação dos mais novos e jovens com animais e vice-versa. “Aceitei este convite porque pensei que seria uma boa oportunidade de poder promover a noção de que os animais são importantes no nosso dia-a-dia, não apenas como ‘elementos decorativos’, mas como parte da nossa essência e como companheiros, amigos, e promotores da nossa saúde física e mental”, explica. O balanço que faz não é tão positivo como desejava. “A pandemia veio alterar muita coisa, é certo, mas poderia haver mais ações e mais dinâmica. Tínhamos muitas ideias, designadamente em programas nas escolas e muitos outros, mas houve alguma resistência ou, pelo menos, alguma falta de celeridade por parte do município em levar essas ideias para a frente. Tenho plena a noção de que muito mais poderia ter sido feito, se houvesse mais vontade política”, refere.

 

Também Marisa Quaresma dos Reis denota que o mandato foi curto para tudo o que queria implementar. “São quatro anos que chegaram ao fim e muitas iniciativas estariam na agenda para concretizar. Este não é o um ano propício a novos projetos porque é tempo de autárquicas, um momento importante de cidadania, e a ex-provedora dos Animais depende dos meios disponibilizados pela Câmara Municipal.”

Benefícios dos animais de companhia nas famílias

A ciência tem vindo a demonstrar que o convívio com um animal de companhia tem grandes efeitos positivos na saúde física, mental, psicológica e social das crianças e das famílias. “Aliás, se preciso fosse demonstrar, sabemos como os cães, por exemplo, são usados em sede de justiça, de direitos da criança, como elementos terapêuticos, para lá das suas funções em cataclismos, em salvamentos, em deteção de drogas e tantas outras coisas… os animais, designadamente os cães, ‘lambem-nos as feridas’ no sentido literal e metafórico”, defende Mário Cordeiro.

 

A escola tem um papel essencial, pode atuar cada vez mais nestas temáticas e assumir um papel mais proativo, afirma. E como?  “Através de debates, convidando pessoas de fora para falar aos alunos e incluindo a problemática nos curricula escolares. A ecologia, o ambiente, a natureza, problemas ambientais e das alterações climáticas… tudo está relacionado. É fundamental, por exemplo, as crianças saberem o que fazem os médicos veterinários e qual o âmbito da sua ação, desde os animais de companhia à agropecuária industrial.”

O médico pediatra alerta para o facto de estar “mais do que provado que quem maltrata os animais tem mais tendência para tratar mal as pessoas, designadamente os mais ‘fracos’: idoso, mulheres, crianças. As pessoas ganham uma certa sensibilização relativamente ao ódio e à violência”, defende. E justifica: “A filósofa Hannah Arendt defendeu a teoria da chamada ‘banalização do Mal’: a determinada altura, a prática do mal banaliza-se e torna-se o ‘default’ normal. Isso é perigosíssimo e é o que leva a acreditar que ‘tudo é normal’, mesmo as coisas mais macabras”. Independentemente de uma família ter ou não animais, o respeito pelos mesmos e pela natureza em geral é essencial e deve ser incrementado.”

Uma das batalhas que Marisa Quaresma dos Reis travou, mas que acabou por não ter avanços diz respeito aos pombos. “Espero que o meu sucessor consiga ver resultados nesta temática uma vez que não consegui fazê-lo em tempo útil. Gostaria que Lisboa avançasse na concretização dos projetos de pombais contracetivos e na sensibilização junto das escolas e das pessoas que alimentam compulsivamente os animais e que criasse pontos de alimentação autorizados junto aos pombais contracetivos. As pessoas gostam dos animais, mas obviamente têm de ser educadas a ajudar a resolver este problema”, salienta. E adianta que “não se admite que numa capital pioneira na criação da figura de provedor dos animais a nível municipal, e numa cidade europeia, a prática de captura por redes de canhão e de abate de aves permaneça. A eficácia destas práticas é até desmentida na literatura científica”.

Novos problemas trazidos pela pandemia

Mário Cordeiro costuma gracejar quando afirma que a Constituição deveria prever que cada casa tivesse um cão ou um gato. “Claro que estou a brincar porque ter um animal de companhia é uma enorme responsabilidade e não apenas um capricho, mas, com isto, estou a reafirmar a grande vantagem de ter um animal de companhia.” No entanto, a recomendação que dá aos pais é a de garantir que atual e futuramente é possível cuidar do animal de modo eficiente e com amor. “Um animal de estimação é um elemento da família e não descartamos um familiar porque ‘não nos dá jeito’ ou porque vamos de férias e ele ‘é uma chatice’. Todavia, todos estes aspetos devem ser debatidos com os filhos e os pais. Tudo deve ser bem ponderado para depois não haver abandonos e maus-tratos.”

Relativamente ao problema do abandono, Marisa Quaresma dos Reis diz-se uma pessoa otimista e denota uma maior sensibilidade da comunidade em geral relativamente aos animais ainda que considere que existem causas que acabam por condicionar este comportamento, desde a saúde mental, os problemas financeiros e as questões culturais.

“Por exemplo, nós sabemos que no interior do País ou nas zonas rurais, ter um cão acorrentado não é visto como um maltrato. Há realmente diferenças culturais e clivagens muito grandes entre o mundo urbano e o mundo rural, apesar de o nosso País ser pequeno. É preciso haver uma maior harmonia de procedimentos e de comportamentos relativamente aos animais.” É então crucial educar e sensibilizar a população para uma mudança de paradigma e para que os animais consigam ver o seu bem-estar assegurado.

A ex-provedora dos animais conta que a anunciada tendência de aumento da adoção de animais durante a pandemia nem sempre foi responsável, mas refere ainda as exceções e partilha alguns pedidos de ajuda urgentes que recebeu durante o último ano e meio. “No meu caso, os pedidos de ajuda prenderam-se muito com a perda de habitação e com mudanças para quartos, em que as pessoas deixaram de ter condições para manter os seus animais. Tive um pedido muito tocante de uma senhora que tinha um filho com problemas de autismo, tinha sido despejada da sua casa e como deixou de ter rendimentos, foi viver para a casa da mãe onde não eram admitidos animais. Tinha um pitbull com doze anos e pediu-nos ajuda porque enquanto não fosse encontrada uma solução temporária para o animal, ela deixaria o filho a dormir com a mãe e ficaria, ela própria, a dormir na rua com o animal”, conta.

A Provedoria dos Animais de Lisboa ajudou ainda um outro caso que foi sinalizado pela psicóloga de uma escola secundária a propósito de uma jovem que tinha de deixar de ir às aulas, a mãe tinha perdido os seus rendimentos no decorrer da pandemia e ambas tiveram de se mudar para um quarto. “Receberam, entretanto, uma ordem de despejo porque o animal fazia muito barulho, mas foi possível conseguir a solução de esterilizar o animal pela Casa dos Animais de Lisboa. O mesmo foi treinado por uma comportamentalista canina do projeto Líder da Matilha e ficou num santuário animal. Entretanto, a jovem voltou a ter aproveitamento escolar e como não pode contribuir financeiramente para a estadia do animal no tal santuário onde vai ficar apenas provisoriamente, por vontade da família, vai fazer voluntariado ao fim de semana, para manter contacto com o seu animal e ajudar a instituição que o recebeu”, conta Marisa Quaresma dos Reis. “Acredito que sendo Portugal um País tão solidário e havendo boa vontade entre todas as entidades, é possível encontrar respostas para muitos destes casos, tão difíceis e simultaneamente tocantes.”

“Devo afirmar – mesmo que ofenda alguém – que a medicina veterinária e a pediatria têm muito em comum e até uso muita da ‘psicologia’ que executo com o meu cão para aplicar às crianças” – Mário Cordeiro, médico pediatra

E no futuro?

O feedback que a Provedoria recebeu relativamente ao PSIRA foi “muito positivo” por parte das escolas e dos parceiros e os objetivos “foram plenamente atingidos”, explica a ex-provedora. No futuro, Marisa Quaresma dos Reis gostaria de assistir à continuidade deste programa. “O provedor que vier em seguida tem toda a liberdade de continuar ou não com este projeto. Estou totalmente disponível para fazer a ponte pois julgo que o impacto é muito grande e deve ser mantido.”

Mário Cordeiro também se mostra interessado em continuar a ajudar a divulgar este tema, não só enquanto pediatra, mas como cidadão. “Estou disponível para organizar um programa de sensibilização dos mais novos para os problemas da medicina veterinária.” E dá alguns exemplos concretos de ideias que tinha para avançar com a Provedoria dos Animais de Lisboa, mas que não teve oportunidade de concretizar. “As ideias principais eram baseadas em as escolas terem dois cães como mascotes, para que as crianças pudessem cuidar deles e, nomeadamente, aquelas que não podem ter cão pudessem contactar com eles; fazer ciclos de estudos e sessões em escolas sobre animais de companhia, exposições feitas pelos alunos sobre os seus cães e gatos, entre outros.” Todas estas iniciativas culminariam noutra maior, o Museu do Cão, que chegou a ser desenhado para ser “um dos ex-libris da cidade de Lisboa”. Infelizmente, denota, muitos destes projetos ficaram pelo caminho.

Sempre considerou a medicina veterinária como “um território da magia” e não perdia um único episódio da antiga série “Veterinário de Província”. “Devo afirmar – mesmo que ofenda alguém – que a medicina veterinária e a pediatria têm muito em comum e até uso muita da ‘psicologia’ que executo com o meu cão para aplicar às crianças. Afirmo-o sem qualquer rebuço.” Em jeito de conclusão, Mário Cordeiro confessa que gostaria fosse prestado o tributo que o setor merece.

Sinto que não estão reunidas as condições ideais para continuar. Uma vez que já cumpri o meu compromisso, está na hora de sair e julgo que este é um bom momento de reflexão para a Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de saber o que pretende fazer com este cargo tão importante” – Marisa Quaresma dos Reis, ex-provedora dos Animais de Lisboa

O balanço depois de quatro anos de mandato

São conhecidas e públicas as críticas de Marisa Quaresma dos Reis e muitas delas estarão na base da sua decisão de não renovar o mandato de Provedora dos Animais de Lisboa. “Sinto que não estão reunidas as condições ideais para continuar. Uma vez que já cumpri o meu compromisso, está na hora de sair e julgo que este é um bom momento de reflexão para a Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de saber o que pretende fazer com este cargo tão importante.” Não foi um mandato “isento de dificuldades”, explica. “Há um regulamento que define a forma de designação e de funcionamento do provedor que, apesar de ter sido aprovado pela própria Câmara Municipal e que não é integralmente observado pois o provedor só tem valor se não for um cargo decorativo. Não tendo um poder decisório, o provedor tem um poder muito importante na área da educação, da sensibilização e do aconselhamento à autarquia na melhoria de políticas públicas de bem-estar animal cada vez mais vanguardistas e condizentes com o atual estado do sentir da comunidade”, afirma.

Sente que cumpriu a sua missão e sublinha ter sido a única provedora a levar até ao fim mandato que lhe competia. Demonstrando-se disponível para apoiar o seu sucessor naquilo que necessitar. “Espero que consiga fazer mais e melhor do que eu fiz. Desejo as melhores felicidades a quem vier porque esta é uma oportunidade muito bonita para quem tem esta paixão pelos animais e pela realização de justiça relativamente a estes seres que estão desprotegidos e totalmente dependentes da nossa disponibilidade em abdicar de algumas mordomias e direitos que fomos ganhando ao longo de vários séculos de convivência com estes animais. Espero que haja mais atenção por parte do executivo no próximo mandato e que haja maior atenção a este cargo.”

 

*Artigo publicado originalmente na edição n.º 152 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de setembro de 2021.

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