A gestão do stresse nos pacientes e nos médicos veterinários não pode dissociar-se da prática clínica. Numa edição dedicada ao bem-estar pessoal e profissional, as Conferências Veterinária Atual ajudaram a refletir sobre a forma como a classe pode ser mais feliz no trabalho e, consequentemente, proporcionar melhor qualidade de vida aos pacientes. No final do dia, é isso que conta.
As Conferências Veterinária Atual deste ano decorreram no passado dia 30 de setembro, no Auditório da Faculdade de Medicina de Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-UL), com transmissão online através da plataforma Zoom, e contaram com 209 participantes. “Improving animal and professional welfare” foi o mote para um dia de partilha entre profissionais do setor com várias apresentações e mesas redondas de debate sobre o bem-estar animal e profissional.
Cátia Mota e Sá, médica veterinária e responsável técnica pelo Serviço de Dor e Reabilitação do grupo Veterinário Oliveiras foi a primeira oradora presente e deu a conhecer o “método do apego” que criou há um ano e que assenta em três pilares essenciais: antecipação, prevenção e gestão da dor. “Uma medicina com mais apego requer uma participação multidisciplinar. A empatia pode ser exercitada ainda que seja uma característica individual”, referiu, dando a conhecer esta “filosofia e uma forma de estar” aos colegas. No final, partilhou algumas estratégias para uma clínica com mais apego.
Seguiu-se a mesa-redonda “Como promover uma experiência positiva para os animais na minha prática clínica?” com a participação de Joana Pereira, médica veterinária, Diogo dos Santos, médico veterinário e chefe do serviço de anestesia e analgesia na VetOeiras, Helena Moreira, médica veterinária na área do comportamento animal e João Pedro Silva, diretor clínico da Animabilis. Helena Moreira criou um serviço de veterinária comportamental ao domicílio focado no bem-estar e comportamento animal depois de ter verificado que havia pouca oferta nesta área e por considerar importante “verificar o ambiente onde o animal vive”. O objetivo é que o animal “não sinta desconforto ou dor e que se sinta descontraído em qualquer contexto onde esteja”.
Joana Pereira partilhou a experiência de oferta formativa promovida pelo Centro para o Conhecimento Animal (CPCA). “Infelizmente, com a pandemia, a formação ficou um pouco bloqueada porque implica a vertente prática e não pode ser feita à distância. Se tudo correr bem, iremos agora retomar.” A médica veterinária tem notado um maior interesse por parte dos colegas pela área de comportamento animal. Diogo Santos participou nesta mesa-redonda para abordar a forma como o procedimento anestésico e analgésico tem mudado o paradigma da dor. “Há fatores fundamentais como a redução do stresse porque há pequenas técnicas que podem ser realizadas para que um animal fique tranquilo num procedimento”, explicou, adiantando que estas técnicas são de fácil aplicação, melhoram o bem-estar dos pacientes e a logística do hospital.
João Pedro Silva partilhou que existe a preocupação na Animabilis de recorrer ao reforço positivo para “uma melhor experiência clínica e para melhor controlo da dor”.

Mesa Redonda – COMO PROMOVER UMA EXPERIÊNCIA POSITIVA PARA OS ANIMAIS NA MINHA PRÁTICA CLÍNICA? : Helena Moreira
Avanços e recuos ao nível da legislação e no Ensino Superior
Conceição Peleteiro, médica veterinária e presidente do Conselho Profissional e Deontológico da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) trouxe às Conferências Veterinária Atual, o que há de novo no Código Deontológico do Médico Veterinário na versão mais recente que entrou em vigor a 16 de setembro último. Ao detalhar o que há de novo neste documento, a oradora afirmou que o objetivo não é “defender o médico veterinário mas garantir que o público utiliza serviços médico-veterinários tutelados e regulamentados. Ainda assim, o médico veterinário pode encontrar artigos que salvaguardam os seus direitos”.
A manhã das conferências terminou com a análise de casos práticos relacionados com a legislação de raças potencialmente perigosas e o impacto no bem-estar de animais e médicos veterinários por Manuel Sant’Ana, médico veterinário e especialista europeu em bem-estar animal e Alexandre Azevedo, médico veterinário e residente em bem-estar animal. “Os médicos veterinários têm um paciente e um cliente, deveres para com vários interessados originando conflitos frequentemente”, defendeu o último. Nesta apresentação, concluiu-se que “há que aumentar a capacidade de identificar situações de conflito, apostar em formação em análise ética e moral e obter uma decisão estruturada e justificada” e que cabe à classe participar na melhoria da legislação que existe nesta área e que “é imperfeita”.

LEGISLAÇÃO DE RAÇAS POTENCIALMENTE PERIGOSAS: IMPACTO NO BEM-ESTAR DE ANIMAIS E MÉDICOS VETERINÁRIOS: Manuel Sant’Ana e Alexandre Azevedo
A parte da tarde foi dedicada ao bem-estar profissional e começou com uma mesa-redonda onde se debateu a “Articulação das universidades com o mundo laboral” e abordou o papel do Ensino Superior na preparação para a entrada no mercado de trabalho. Mafalda Pires Gonçalves, médica veterinária, practice manager do Hospital Escolar da FMV-UL explicou a sua perceção entre as expectativas que sentia quando estudava na faculdade e a realidade que encontrou depois no mercado de trabalho. Não teve dificuldade em encontrar emprego, mas afirma que o que mais lhe custou “foi o grau de stresse e pouco reconhecimento da própria sociedade”.
Carolina Silva, médica veterinária e coordenadora da licenciatura em enfermagem veterinária da Escola Superior Agrária de Elvas do Instituto Politécnico de Portalegre defendeu que “tem de haver uma valorização maior do profissional e é necessário formar os alunos adequadamente para que os enfermeiros percebam qual o seu papel na clínica”.
Por outro lado, Inês Pais, diretora clínica da BBVet partilhou a experiência que sentiu no início da sua profissão “com uma carga horária louca”, em tempos em que trabalhava a recibos verdes, factos que não fizeram grande mossa nos primeiros três anos, mas que trouxeram consequências. “Acabei por vir a perceber que isto tinha feito alguns estragos passados uns anos.” Foi então o momento que designa como “ponto de rutura com a clínica” que a levou a recorrer à ajuda de “uma consultora externa na área de gestão” que veio possibilitar uma vida mais calma e com mais tempo, quer para si, quer para os profissionais que com ela trabalham.
Rita Payan Carreira, diretora do curso de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da Universidade de Évora referiu a incorporação de algumas alterações procurando agilizar os processos que possam trazer mudança aos currículos, ainda que a tradição seja muito valorizada pelas universidades. “Ao nível de unidades curriculares individuais, os alunos são chamados a participar. Tivemos a oportunidade de alterar a estrutura curricular do curso agora em sede de aprovação e propusemos matérias novas que não eram tão tradicionais, como a de comunicação, por exemplo”, explicou.
A presidente da Associação de Estudantes de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Leonor Carlos, salientou o facto de muitos professores terem experiência na prática clínica e ajudarem a simular algumas situações que podem vir a acontecer aos estudantes no futuro, sobretudo na relação com os tutores. “A universidade dá-nos 50% das bases para sermos ótimos profissionais, mas cabe aos alunos terem uma boa comunicação com os professores que acabam por ser um bom pilar e uma boa ajuda para o futuro. Os outros 50% podem resultar da proatividade dos estudantes em procurar estágios e ter um papel mais ativo”, referiu.
Como motivar e reter os profissionais?
Depois da mesa-redonda, Ricardo Almeida, médico veterinário e fundador da empresa de formação e consultoria em gestão veterinária StratVet fez uma apresentação que consistiu num quiz para os participantes para ajudar a responder à pergunta “Como recrutar e reter talentos?”. Após a apresentação de alguns dados estatísticos, defendeu que o talento pode ser retido através das seguintes premissas: “Reajustar os planos estratégicos, valorizar a profissão, dar perspetivas de carreira e, depois de tudo isto resolvido, tratar os colaboradores como clientes internos”.
Seguiu-se a apresentação de Carla Martins Lopes, médica veterinária e fundadora da Vetpartners sobre o novo paradigma da contratação veterinária em que se referiu à demografia da profissão e ao impacto das políticas salariais e da emigração. “É fundamental investir nos recursos humanos para que os possamos reter e evitar novos processos de recrutamento. O processo de retenção começa no momento de contratação e é essencial dar formação às pessoas desde o primeiro dia, proporcionando o desenvolvimento e progressão de carreira”, afirmou, defendendo que é preciso alinhar expectativas cabendo a cada CAMV implementar mudanças para que as coisas comecem a melhorar.
E, afinal, como se pode tornar a veterinária menos stressante? Paula Trigo, coach executiva e master trainer partiu do seu exemplo concreto de insatisfação com a sua carreira, ao longo de vários anos, para explicar o papel que o coaching desempenha no que concerne a “libertar o potencial de uma pessoa para incrementar ao máximo o seu desempenho.” Além disso, ajuda a refletir e recorre a “um conjunto de metodologias para que o outro consiga aceder a informações de que já possui, mas que não estão assim tão claras permitindo-as chegar a outros níveis de consciência”.
Uma vez que a medicina veterinária é considerada uma das profissões mais stressantes, muito ligada à gestão de emoções, o coaching “é um processo de desenvolvimento de competências, apoiado na descoberta e na clarificação de metas e objetivos pessoais, no incremento da capacidade de tomada de decisões com enfoque na aceitação plena da responsabilidade pela própria vida, de uma forma estruturada e orientada”.
*Leia a reportagem completa das Conferências Veterinária Atual na edição de outubro da VETERINÁRIA ATUAL.