Diogo Franco dos Santos
Investigador em pós-doutoramento na Universidade de Turku, Finlândia
Qual é a sua área de especialidade e porque é que escolheu essa área?
Não posso afirmar que seja especialista numa área específica, uma vez que durante o meu percurso de investigação acabei por abranger várias áreas, desde a fisiologia, a parasitologia, conservação ou mesmo ecologia. Uma vez que me encontro num grupo de investigação multidisciplinar, acabo por ser influenciado por várias áreas. E é com esta multidisciplinariedade que procuramos resolver os problemas de uma população bastante ameaçada, que são os elefantes asiáticos, em Myanmar.
Quando foi para medicina veterinária já sabia que iria optar pela investigação?
Não, não me tinha passado pela cabeça. Quando entrei para a Faculdade de Medicina Veterinária, queria seguir animais selvagens, mas numa vertente mais clínica. No entanto, com o tempo, acabei por me aperceber que o que nos falta saber é tão grande sobre a maior parte das espécies, que a investigação acabou por se tornar um campo fascinante e sedutor para mim. Depois, posso dizer que o acaso e a sorte acabaram por ter o seu papel também.
Como e quando é que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
A minha ida para o estrangeiro foi um acaso interessante. Conheci uma veterinária de Myanmar, a doutora Khyne U Mar, numa conferência em 2011, em Lisboa. No fim do meu curso, quando estava a tentar arranjar um estágio com animais selvagens, acabei por me lembrar da doutora Khyne e contactei-a. Na altura, ela fazia parte do grupo de investigação onde estou (Myanmar Timber Elephant Project), e acabou por propor a minha integração como investigador auxiliar no terreno durante quatro meses. A responsável do grupo, a professora Virpi Lummaa, gostou do meu trabalho e acabou por me propor o doutoramento sob a sua supervisão em Sheffield, no Reino Unido. O grupo acabou por se mudar para a Universidade de Turku, na Finlândia, no fim do meu primeiro ano de doutoramento, pelo que agora que terminei o doutoramento, iniciei um post-doc na Finlândia, onde me encontro atualmente.
Como é que é um dia de trabalho normal para si?
Depende muito de onde me encontro. Se estiver na Finlândia, pode ser desde um dia de trabalho à secretária a escrever artigos, relatórios ou mesmo a fazer estatística. Por outro lado, pode ser também de trabalho laboratorial, no qual procuramos avaliar marcadores da senescência nos elefantes asiáticos, como stresse oxidativo ou encurtamento dos telómeros. Por outro lado, quando vou ao terreno, recolho amostras biológicas dos elefantes e analiso parte das amostras no local. Outra parte importante passa por auxiliar os veterinários locais no diagnóstico e escolhas terapêuticas, bem como tentar atualizar os seus conhecimentos e melhorar os seus meios para efetuar o trabalho clínico.
Em que projetos/objetivos a atingir se encontra a trabalhar neste momento? Que metas pretende alcançar na sua carreira?
Por incrível que possa parecer, numa espécie tão carismática como o elefante asiático, ainda se sabe pouco e há muito por onde “pegar”. Neste momento, estou mais focado num projeto de investigação da imunidade e imunossenescência. No entanto, em conjunto com outros elementos do grupo, encontro-me envolvido em projetos que vão desde a resistência a antibióticos, leite ou mesmo microbioma. É a vantagem de trabalhar num grupo tão abrangente e multidisciplinar (apesar de ser o único veterinário), uma vez que podemos trabalhar em vários projetos ao mesmo tempo.
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
Não foi e ainda não é fácil. Eu posso ser considerado um saudosista e Portugal acaba por me fazer muito falta. Felizmente, tenho uma orientadora que me permite passar o máximo de tempo em Portugal que o trabalho me permite. Mas, como é óbvio, este sistema de tentar estar em vários sítios também acaba por ter os seus inconvenientes. No plano de trabalho, no entanto, acaba por ser muito fácil estar quer na Finlândia, quer no Reino Unido, uma vez que o ambiente de trabalho é ótimo e as condições de trabalho e contratuais são excecionais.
Quais os seus planos para o futuro? Equaciona regressar a Portugal?
Gostaria muito de voltar para Portugal, sim. Aliás, diria que esse é o meu sonho.
Qual o trabalho/projeto que gostaria de desenvolver?
Gostaria muito de acabar por me envolver no meio académico em Portugal como investigador e, quem sabe, um dia lecionar também, que é uma paixão que sempre tive. Acima de tudo, gostaria de me estabelecer como investigador ou mesmo coordenar um grupo de investigação na área dos animais selvagens e conservação, que é sempre um tema “quente”.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Acima de tudo que não desistam. Vão receber muitos “nãos”, tal como eu e muitos colegas meus receberam, mas se trabalharem arduamente e decidirem arriscar (nem que seja fora de Portugal, que parece ser uma possibilidade cada vez mais forte para muitos), acabarão por encontrar o seu lugar. E algo que me parece essencial também é a criatividade, o facto de não terem medo de fazer algo novo ou diferente.
Como vê o estado atual da medicina veterinária na vertente de investigação em Portugal e no mundo?
É uma pergunta muito interessante e que claramente daria para escrever livros. Eu acho que a investigação veterinária, apesar de tudo, vai dando os seus passos sólidos, quer em Portugal, quer pelo mundo. Mas há claramente um enorme potencial de crescimento. Digo isto porque vejo muitas vezes os biólogos em campos que teriam todo o interesse em colaborar com a veterinária (no caso dos animais selvagens). Penso que há mesmo muito potencial para crescimento na multidisciplinariedade que caracteriza a medicina veterinária. Agora, também não posso deixar de realçar que me parece sempre que a investigação vive sufocada pelas restrições orçamentais. Penso que seria do maior interesse que os investigadores em Portugal tivessem laboratórios mais bem financiados e que os próprios investigadores procurassem financiamento sem ser o da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Temos de viver menos presos aos fundos públicos, que só diminuem, e procurar onde estão dispostos a financiar a ciência. No entanto, continuo a achar que Portugal tem investigadores magníficos que fazem imenso com muito pouco! Outro campo que penso que tem ainda potencial de crescimento são as colaborações entre grupos de investigação de vários países. Acredito que a redistribuição do esforço de investigação entre laboratórios que fazem o mesmo tipo de investigação traria resultados benéficos para todos. Afinal de contas, a investigação, apesar de competitiva, é um trabalho de equipa.
*Artigo publicado originalmente na edição de março de 2020 da revista VETERINÁRIA ATUAL.