Catarina Baptista, médica veterinária interna na Wildlife Conservation Research Group (WildCoM), na Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha
Qual é a sua área de especialidade (ou de interesse) e porque é que escolheu essa área?
Tenho um interesse enorme pela medicina de animais selvagens, pelo papel do médico veterinário na conservação da biodiversidade que nos rodeia e pela prevenção das zoonoses que afetam a fauna selvagem. Não tenho especialidade, espero um dia ter oportunidade de a tirar.
Como é que decidiu candidatar-se a este grupo de pesquisa (WildCoM) do qual faz agora parte?
Encontrei, por mero acaso, o aviso e instruções de candidatura num grupo de Facebook composto por profissionais interessados em doenças infeciosas de fauna selvagem e decidi candidatar-me. Houve um processo de seleção de currículo, entrevista e desempenho académico e consegui um lugar.
Que tipo de pesquisas ou projetos têm estado a desenvolver?
A WildCoM é um grupo de investigação ainda recente e em crescimento constante. Tem linhas de investigação complementadas por projetos de doutoramento na conservação de diferentes grupos de espécies ibéricas. A título ilustrativo, existe uma linha de investigação de anfíbios, avaliando-se, por exemplo, a influência e dinâmica da quitridiomicose em diferentes zonas da Catalunha. Trabalha-se ainda com morcegos, abutres, a cabra-pirenaica e há ainda trabalhos de diferentes matérias em desenvolvimento em certas zonas protegidas do Uganda, entre outros.
Como é que é um dia de trabalho normal para si? O que faz?
Depende um bocadinho da altura do ano, das condições climatéricas, da disponibilidade de material, etc. Por norma, acompanho os residentes em trabalho de campo, para capturas e recolhas de amostras, na realização de necrópsias, em análises laboratoriais… Há ainda seminários e grupos de discussão para aprendizagem de uma determinada temática no âmbito da sanidade das populações selvagens.
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
Foi muito boa. É um grupo pequeno, o que facilita que nos conheçamos todos. Como tive formação prévia em castelhano, não considero que a barreira linguística seja um obstáculo. O estilo de vida é muito parecido ao português, a meu ver.
Quais os seus planos para o futuro?
No futuro, planeio estruturar e desenvolver um doutoramento nesta área, utilizando como ferramentas tudo o que estou a aprender aqui. Gostava muito de ter uma carreira nesta área, investigar, participar em programas de conservação e, porventura, juntar a isto uma vertente mais educativa, partilhando conhecimento com outros futuros profissionais e colegas.
Como é que está a situação de pandemia de covid-19 neste momento e como é que isso afeta o seu trabalho?
Como temos vindo a assistir nas notícias, a situação em Espanha está um pouco mais grave do que em Portugal, as medidas são um pouco mais estritas e incluem, por exemplo, o uso permanente de máscaras, mesmo em espaços abertos e públicos. Creio que a principal influência da covid-19 no nosso trabalho é tornar tudo mais “incerto”, isto é, não sabemos se amanhã, ou para a semana, haverá confinamento total obrigatório ou impossibilidade de sair do concelho de residência, o que pode inviabilizar alguma saída de campo que tenhamos planeada, por exemplo. Esperamos sempre que não. Essencialmente é isto, todo o restante trabalho pode ser feito com as medidas e precauções decretadas pelas entidades oficiais.
Que conselhos daria aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho em Portugal?
Continuo a considerar-me uma recém-licenciada, trabalhei apenas um ano desde o fim do curso até ao início deste internato, e por isso mantenho as dificuldades que tinha assim que acabei o curso. O meu conselho é aproveitar os primeiros anos de carreira para olhar para o mercado de trabalho e apoios à formação fora de Portugal. Eu optei por fazê-lo na área de que realmente gosto e, pessoalmente, acho que é um excelente princípio.
Como é que avalia o estado atual da medicina veterinária?
Penso que a covid-19 veio reforçar ainda mais a importância do conceito One Health [Uma Só Saúde] e o papel do médico veterinário na saúde global. Penso que a classe veterinária deveria como que “aproveitar” (no bom sentido da palavra) o que se tem vindo a desenvolver ao longo deste ano para que a generalidade da população e a classe política deem importância ao trabalho médico-veterinário. Creio que é relevante que se compreenda que o médico veterinário não é um profissional importante apenas para aqueles que têm ou gostam de animais. Na minha ótica, deve ser visto como um profissional de saúde, contribuindo para o conhecimento e maneio de doenças infeciosas zoóticas que afetam todos nós e deve ainda ser visto como um fulcral instrumento na preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, cujas alterações e distúrbios comprometem o nosso futuro. O estado atual da medicina veterinária, a meu ver, ainda transparece muito pouco esta perspetiva.
*Artigo publicado originalmente na edição 144, de dezembro de 2020, da VETERINÁRIA ATUAL.